Para 2024, a oferta global de obrigações ESG pode atingir € 820 milhões em comparação a 2023, sendo que a oferta global desses títulos havia estagnado em 2022. A emissão de títulos ESG em dólares vem sofrendo um declínio motivado pelas incertezas eleitorais da disputa presidencial americana, que já se coloca, e indecisões em torno das regras de metrificação climática.
Mas deve atingir um montante de € 270 milhões, também acima do registrado em 2023 – € 260 milhões. Nas outras moedas, inclusive a chinesa, haverá expansão em 2024.
E se havia uma tendência de somente grandes empresas adotarem compromissos com o ESG em 2023, esse propósito cresceu em 3 de cada 4 pequenas e médias empresas, segundo levantamento da Henley Business School (University of Reading).
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A análise faz algumas considerações interessantes: “embora as empresas mais pequenas tenham menos recursos e espaço para considerar objetivos e oportunidades de longo prazo, podem utilizar o ESG estrategicamente para obter vantagem competitiva e como um mecanismo para atrair financiamento de investidores com ideias semelhantes”.
O estudo conclui que essas empresas não podem chegar a bons resultados sozinhas: “É necessário que haja um esforço muito mais concentrado de todas as partes interessadas – governo, reguladores, empresas e investidores – para criar condições e clareza para que o ESG funcione”.
No balanço ESG de 2023, o greenwashing (comunicação de falsos resultados sustentáveis) entrou como um dos riscos mais elevados para as práticas ESG no que tange ao comprometimento da reputação das empresas e demandou forte pressão institucional vindas dos stakeholders e da mídia.
O Progress Report in Greenwashing, da ESMA (Autoridade Europeia de Mercados de Valores Mobiliários), alertou que “esta tendência pode refletir um maior escrutínio público e dos meios de comunicação e pode aumentar a pressão sobre as empresas para que operem de forma mais transparente e responsável, uma vez que potenciais riscos de reputação tornam-se mais proeminentes”.
Em termos de tendência, janeiro de 2024 marca a entrada da Diretiva de Relatório de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) da União Europeia, no caso de empresas com 500 funcionários ou mais e listadas no mercado da UE, reportando dados e informações de sustentabilidade nos relatórios, que ganham protagonismo para maior entendimento das partes interessadas no desempenho das práticas ESG.
A CSRD foi antecedida pela Diretiva de Relatórios Não Financeiros (NFRD), normas de sustentabilidades obrigatórias, nas quais as empresas europeias com mais de 500 trabalhadores descreveram seus modelos de negócios, desempenhos ambientais, sociais e de governança.
Há um cronograma para a CSRD: em 2026, as empresas controladoras do grupo devem atender à Diretiva, quando o balanço for superior a € 20 milhões ou o negócio superior a €40 milhões e tiver mais de 250 funcionários. No ano subsequente, será a vez de pequenas e médias empresas e em 2029, as sucursais com valor de negócio líquido ou superior a €40 milhões.
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Em 2023, o pilar ambiental ganhou protagonismo e tende a continuar na dianteira, a despeito do crescimento dos pilares Social e de Governança. Segundo a S&P Global Market Intelligence, 80% das empresas de capital aberto tinham iniciativas ESG.
Ao final da COP 28 (Cúpula do Clima) nos Emirados Árabes, realizada em novembro, os possíveis avanços foram tímidos, mas o investimento climático global aumentou 1% do PIB mundial. A conta não fecha porque ainda não há uma fórmula para eliminar os combustíveis fósseis e completar a transição para uma economia descarbonizada.
Tudo isso faz parte do pacto de revisão da Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) de cada país signatário do Acordo de Paris. Elas terão de ser revistas em 2024, devendo propor como manter a temperatura do planeta em 1,5°C, além de mitigar a insegurança alimentar nos países com populações mais vulneráveis.
Os dados de incongruência na COP 28 impressionam: foram 97 mil participantes, sendo 2.400 voltados às energias poluentes. Não havia muito espaço para a construção de consensos. Quem percorreu o aeroporto de Dubai, o segundo maior do mundo, ficou impressionado com o número de pessoas em trânsito durante a realização da cúpula.
Em 2024, as alterações climáticas continuarão significativas, principalmente porque pode ser o ano mais quente da história. No Brasil, terá prosseguimento o aquecimento das águas do pacífico propiciado pelo El Niño e outros fenômenos climáticos simultâneos, mantendo secas severas no Norte e Nordeste, aumento das temperaturas no Sudeste e Centro-Oeste e chuvas intensas no Sul.
Embora volte a chover na região amazônica, não será suficiente para superar o estresse hídrico deste ano. O Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), terá um verão com temperaturas acima da média histórica, fomentando a crise climática.
Além da mudança climática, a tendência para o ESG em 2024 envolve dois pontos cruciais: emissões de Escopo 3 e transparência da cadeia de abastecimento, que possuem uma relação entre si. As emissões de Gases de Efeito Estudo (GEE) de Escopo 3 representam de 80% a 95% da pegada de carbono de uma empresa, sendo relativas a operações que não são controladas pela corporação ao longo do ciclo de vida do produto, mas tendo estreita relação com a cadeia.
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O produto, por exemplo, pode ser um relógio de ouro, mas se a matéria-prima veio de um garimpo ilegal, onde houve invasão de terras indígenas e degradação ambiental, a cadeia não é sustentável – está comprometida. A tecnologia para rastrear dados de emissões de GEE Escopo 3 é complexa, mas vem evoluindo e se tornando mais precisa.
A evolução da cadeia de abastecimento (supply chain) é estratégica e deve, cada vezmais, envolver práticas éticas e sustentáveis nos pilares G e S. Os fluxos devem mitigar os riscos envolvidos em cada etapa até o produto final, até o cliente. As cadeias tiveram sua vulnerabilidade aumentada com as crises mundiais, sejam bélicas, migratórias, climáticas etc.
Nesse sentido, a governança é um fator decisivo para identificar os riscos e criar políticas capazes de implantar melhores práticas, sejam na cadeia de valor ou na cadeia de abastecimento. Esta última engloba vários níveis de subcontratados, muitas vezes implicando na exploração do trabalho infantil e da escravidão moderna.
Em mais este tópico, a União Europeia é vanguardista porque a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa determina que as empresas da UE e fora dela assumam as responsabilidades sociais e ambientais de suas cadeias de valor, com aplicação de multas quando houver irregularidade, que podem chegar até 5% do volume de negócios globais da empresa.
Um exemplo bem fácil de entender sobre os riscos dessa cadeia de abastecimento está em alguns materiais de construção civil, caso das janelas de alumínio (produto), cuja matéria-prima começa nas minas de bauxita, extraída do Brasil e outros países, passando pela mineração, refino e redução.
Ao longo da cadeia é possível identificar riscos ambientais e de direitos humanos durante a extração da matéria-prima até o produto acabado, que deve ser monitorado para entender a categoria do risco (graus) dentro da cadeia e evitar qualquer tipo de violações.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) tem um mapa com etapas para este tipo de risco incluso na cadeia, passando por planejamento, seguir a fonte até o contrato, aquisição até o pagamento e gerenciamento de fornecedores.
Estas projeções para o ESG em 2024 em todos os seus três pilares apontam para um crescimento da influência e pressão dos stakeholders sobre as empresas para ampliarem suas práticas quanto aos diferentes riscos que correm,
seja de redução das emissões, incluindo o Escopo 3 (por mais difícil que seja), posição clara sobre energia fóssil, endosso a pontos regulatórios, legislações específicas, gestão de capital humano, luta contra impactos adversos ao planeta, transparência na divulgação de dados sobre ativos tangíveis e intangíveis e até o combate sistemático ao greenwashing.
Além disso, a emergente interseção entre ESG e tecnologias de inteligência artificial (IA) promete revolucionar a maneira como as empresas abordam essas questões, oferecendo novas ferramentas para análise, monitoramento e implementação de práticas sustentáveis.
Esta evolução tecnológica será o foco de nossas próximas discussões em 2024, explorando como a IA pode ser uma aliada crucial na jornada das empresas rumo a uma sustentabilidade mais efetiva e transparente.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
FABIO RIVELLI – Sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados. Mestre em Direito pela PUC-SP e presidente da Comissão de Gestão, Inovação e Tecnologia da OAB – Subseção de Guarulhos