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Auditorias ESG no enfrentamento do racismo

Auditorias ESG no enfrentamento do racismo

Para a S&P Global, uma das maiores empresas de rating do mundo, a injustiça racial vem se constituindo em um dos fatores mais importantes da pontuação ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) para as corporações que buscam constituir uma imagem voltada à sustentabilidade.

Esta tendência é reforçada pela pesquisa do McKinsey Institute sobre o comprometimento das maiores empresas dos EUA (2021/2022), incluídas na Fortune 1000, em apoiar a igualdade racial com um montante de recursos da ordem de US$ 340 bilhões para causar efetivos impactos, embora a distribuição desses recursos ainda deixe pontos opacos.

Há cases considerados emblemáticos no mercado, tanto positivos quanto negativos. No positivo, temos o programa de trainee exclusivo para candidatos negros do Magazine Luiza, que depois de intensamente debatido e criticado sob o falso argumento de “racismo reverso”, que nega a opressão imposta por grupos dominantes a grupos minorizados, ainda foi judicializado.

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Após ter sua legalidade reconhecida pela Justiça, o programa deu origem a um desdobramento dentro da mesma rede varejista, com um processo seletivo, desta vez, para projetar futuras lideranças pretas. No exemplo inverso dessa ação afirmativa, temos o caso de um grande banco norte-americano que respondeu a um processo por discriminação étnico-racial por cobrar taxas e juros mais altos de clientes negros e latinos.

As questões raciais vêm ganhando novos matizes no mundo corporativo, principalmente a partir do olhar dos pretos enquanto conhecedores e pensadores de sua própria história. A mudança vem se refletindo em muitos planos, até no dicionário norte-americano Merriam-Webster, considerado o mais popular nas salas de aula dos EUA, provocado por uma universitária negra recém-formada, Kennedy Mitchum.

Para ela, a definição de racismo do dicionário era inadequada e sempre usada nos debates pelos não negros para sustentar uma posição questionável. A versão inicial do dicionário afirmava ser o racismo “uma crença de que a raça é o principal determinante das características e capacidades humanas e que as diferenças raciais produzem uma superioridade inerente a uma raça específica”. Era quase uma defesa do conceito ultrapassado de “raças” e da hierarquia entre elas.

versão atual e modificada traz um conceito mais sistêmico e estrutural, no qual deixa inferir que as pessoas pretas vivem no mundo das desigualdades e da opressão, com rendimentos mais baixos, sendo mais visadas pela violência policial, residindo em casas piores e sem acesso a uma educação e saúde de melhor qualidade, ou seja, acatando o argumento da estudante, que ponderava que o

“Racismo não é apenas preconceito contra determinada raça pela cor da pele de uma pessoa, como diz seu dicionário”(…) “É ao mesmo tempo preconceito aliado ao poder social e institucional. É um sistema de vantagens baseado na cor da pele”.

A nova definição do Merriam-Webster ganhou amplitude com o seguinte verbete: racismo é i) crença de que a raça é uma determinante fundamental das características e capacidades humanas e que as diferenças raciais produzem uma superioridade inerente a uma determinada raça específica; ii) opressão sistêmica de um grupo racial para obter vantagem social, econômica e política de outro (supremacia branca); iii) um sistema político ou social fundado no racismo e projetado para executar seus princípios.

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No bê-á-bá do pilar Social do ESG, as empresas precisam mostrar seus “dados demográficos”, ou seja, os números da diversidade que sustentam seu quadro de talentos.

Se as pessoas dos grupos minoritários (negros, mulheres, LGBTs, PcDs etc.) são acolhidas, se possuem oportunidades na corporação, se há igualdade de remuneração e se suas chances de evoluir na carreira e de vir a ocupar um cargo no conselho administrativo da empresa são concretas, a “cartilha” está sendo seguida em seus fundamentos básicos.

Como responder ao racismo estrutural que permeia a sociedade enquanto um legado secular? Sem dúvida, as empresas que adotam práticas ESG estão interessadas em medir o impacto de seus compromissos, sem polarização política, mas cientes de seu papel social e das dificuldades de transformar metas antirracistas em ação. Para tanto, as empresas devem ter sensibilidade para saber se seu público interno pode estar sofrendo discriminação racial.

Como funciona o racismo no ambiente de trabalho? Há inúmeras formas. As mais comuns passam por um impedimento para que os pretos se manifestem sobre discriminações que sofreram de colegas e gestores porque podem sofrer retaliações; também há feedbacks de gestores que são subjetivos e prejudiciais para seus subordinados pretos; desigualdades salariais e dificuldades de ter aliados em ambientes, nos quais há poucos profissionais pretos.

As desigualdades que os profissionais negros enfrentam nas corporações são concretas e isso fica claro nos depoimentos da advogada negra do Reino Unido Alexandra Aikman sobre pessoas que observam que nunca trabalharam com um profissional preto e se surpreendem:

“Portanto, quando falamos de racismo, não estamos necessariamente sempre falando de racismo aberto, mas de racismo institucional, estrutural e sistêmico. O que o racismo sistêmico significa é que, mesmo que não haja pessoas racistas no sistema, o próprio sistema ainda irá discriminar ou torná-lo mais difícil para um determinado grupo de pessoas trabalhar”.

O racismo também é concreto para uma advogada negra e periférica brasileira, que venceu na Alemanha e entende que o racismo está mais consolidado no Brasil do que em outros países. Delaine Kühn deixou o Rio de Janeiro e imigrou para a Alemanha depois de adulta, aprendeu o idioma alemão, conseguiu licença plena para ser advogada e foi eleita vereadora distrital germânica:

“Sei que aqui os estrangeiros [como eu] sofrem preconceito, coisas que às vezes brasileiros brancos jamais sofreriam no Brasil. Mas aqui, se eu entrar em algum lugar, ninguém fica olhando torto, me perguntando o que eu faço”, diz.

“Me sinto bem à vontade aqui – tirando o idioma, que não é perfeito –, de ir nos lugares e aparecer. No Brasil eu me fechava. Tentei ser vereadora lá e não tive a menor chance de alguém investir em mim, e aqui foi tudo mais fácil. É mais difícil ser respeitada no Brasil, nossa luta não é gratificada”.

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No ESG, valores ambientais e de governança estão mais consolidados do que os sociais, em que os stakeholders estão colocando pressão na busca de métricas confiáveis. A equidade racial dentro do pilar “S” é um dos pontos mais difíceis de mensurar. Nesse sentido, uma das ferramentas que vêm ganhando projeção e têm ajudado a identificar as desigualdades raciais dentro de companhias são as Auditorias de Equidade Racial

Segundo a Harvard Law School, uma Auditoria de Equidade Racial “é, em sua essência, uma análise independente, objetiva e holística das políticas, práticas, produtos, serviços e esforços de uma empresa para combater o racismo sistêmico, a fim de acabar com a discriminação dentro ou exibida pela empresa em relação aos seus clientes, fornecedores ou outras partes interessadas.

As Auditorias de Equidade Racial não são apenas concebidas para ajudar a informar os investidores sobre os seus investimentos atuais e futuros a partir de uma perspectiva social e financeira, mas também se destinam a ajudar as empresas a elaborar as suas políticas e práticas para alcançar os seus objetivos de justiça social”.

As Auditorias de Equidade Racial são mais aplicadas nos Estados Unidos do que no Brasil, por organizações independentes, geralmente escritórios de advocacia conceituados de direitos humanos. Mas ainda há muita resistência, embora seja uma ferramenta de gestão, considerada de mitigação eficiente de riscos. A auditoria não se concentra apenas nas práticas da empresa, inclui seus produtos ou serviços e suas operações pelo crivo da equidade racial.

Este tipo de auditoria evita risco de reputação e de litígios para as empresas porque determina se suas políticas são ou não discriminatórias contra colaboradores pretos. Uma auditoria pode custar US$ 1 bilhão, como foi o caso do Citigroup, que no ano passado contratou um escritório de advocacia para conduzir uma auditoria de equidade racial e publicou as recomendações.

As auditorias ajudam a identificar também a eficácia dos projetos de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) das organizações, envolvendo todas as partes interessadas e contribuem para promover um plano sobre como avançar no tratamento igualitário dos talentos corporativos. Neste ano, muitos acionistas estão pressionando conselhos de empresas para realizarem Auditorias de Equidade Racial.

A Amazon, por exemplo, está realizando uma auditoria de equidade racial sobre seus trabalhadores horistas (1 milhão) comandada por Loretta Lynch, ex-procuradora-geral dos EUA, primeira mulher negra a ocupar o cargo. Ela é conhecida dos brasileiros porque coordenou a operação que prendeu dirigentes da Fifa por corrupção, incluindo o brasileiro José Maria Marin.

Loretta sabe bem o que é racismo porque quando criança teve de repetir uma prova ao tirar notas superiores a de alunos brancos no ensino fundamental. A Amazon promete tornar públicos os resultados da auditoria que irá apurar se suas práticas estão contribuindo para as desigualdades raciais dentro da corporação, embora as conclusões deste tipo de auditoria estejam cobertas pelo sigilo profissional advogado-cliente.

Uma das empresas pioneiras em realizar uma Auditoria de Equidade Racial foi a plataforma Airbnb, em 2016, para aferir o risco de discriminação, uma vez que hóspedes considerados negros pelos anfitriões teriam maior probabilidade de ter sua reserva rejeitada do que os brancos. A auditoria levou a mudanças em uma série de serviços, como as reservas instantâneas, sem aprovação dos anfitriões.

A empresa passou a exigir que hóspedes e anfitriões concordassem em tratar uns aos outros com respeito e sem julgamento ou preconceito. A plataforma também adotou a prática de mostrar as fotos dos hóspedes somente depois da confirmação da reserva. A auditoria foi considerada um sucesso e as sugestões ajudaram a rever medidas discriminatórias, que não expressavam os valores da organização.

No ESG, o debate sobre o recorte de etnia-raça está crescendo dentro das companhias, transformando as políticas corporativas e impulsionando a necessidade de mais transparência sobre a possibilidade haver racismo no local de trabalho.

Para mensurar essa possível percepção, a ferramenta da Auditoria de Equidade Racial tem possibilitado conhecer melhor os programas de DEI e propor ajustes nas políticas empresariais, quando necessário, para vencer as desigualdades étnico-raciais e fazer valer princípios e práticas dos valores corporativos defendidos pela empresa.


YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
DANIELE GOBI DE AZEVEDO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados e presidente do Comitê de Diversidade & Inclusão da LBCA
SANTAMARIA NOGUEIRA SILVEIRA – Jornalista, gerente de conteúdo da LBCA, doutora pela ECA-USP e presidente do Subcomitê Afro do escritório

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