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A cilada causada pelo uso de combustível de má qualidade e o CDC

A cilada causada pelo uso de combustível de má qualidade e o CDC

Como é notório, vivenciamos um momento no qual os mais variados produtos têm sofrido alta nos preços, dentre os quais, o petróleo, que ocupa posição de destaque.

Neste cenário conturbado, o Brasil não poderia ficar de fora, inclusive, porque o preço do petróleo é cotado internacionalmente, de modo que seu aumento gera reflexo a todos.1

De forma suscinta, as refinarias estão comprando o petróleo por preço já elevado e para não amargarem o prejuízo, repassam o acréscimo aos distribuidores que, como consequência, também transferem a diferença aos consumidores.

Diante desse cenário, parte dos postos de gasolina optam por adulterar os combustíveis, misturando-os a outros produtos de menor valor, tais como solventes e metanol, ou, ainda, aumentando a quantidade de etanol acima do limite permitido.2

Assim, atraídos – talvez, exclusivamente – pelo melhor preço, os condutores de veículos automotivos abastecem seus automóveis com a gasolina adulterada, o que, embora em um primeiro momento possa não ser imediatamente percebido, em curto espaço de tempo danificará peças e componentes do automóvel, gerando elevado custo de manutenção.

Esse aumento de abastecimento em postos com gasolina de má qualidade, teve como consequência, um aumento significativo na propositura de ações judiciais.

Isso porque, o condutor abastece o veículo em um posto que oferece melhor preço e, como muitas vezes o problema demora para aparecer, quando aparece, é levado a acreditar estar diante de vício de fabricação.

Assim sendo, encaminha o seu automóvel para a concessionária e, após análise detalhada, é surpreendido com a informação de que não se trata de vício de fabricação, mas sim de danos decorrentes da utilização de combustível adulterado. Pior ainda, é apresentada a conta – que normalmente é um valor considerável – para que o condutor arque com o valor do reparo.

Nesse momento, surge a pergunta: Mas e a garantia concedida pela fábrica? Meu carro está dentro da garantia. Infelizmente, quando constatado o uso de combustível de má qualidade, ocorre a perda da garantia do veículo, e essa informação vem de forma clara e transparente no manual do proprietário – aquele livrinho que normalmente nem lemos e guardamos lá no fundo da gaveta.

Inconformado, o proprietário ingressa no Judiciário requerendo o imediato reparo do seu automóvel ou a sua substituição, além de eventual condenação em danos morais, materiais e lucros cessantes, que acredita fazer jus.

Assim, com o decorrer do processo, haverá prova pericial e, consequentemente, os custos inerentes desta – salvo beneficiário da Justiça Gratuita – ficarão à cargo do autor. Realizada a prova técnica, o autor se deparará com um laudo desfavorável, apontando o uso de gasolina adulterada, que acabou por comprometer os componentes do automóvel.

Em que pese não estar vinculado ao laudo pericial, o magistrado, possivelmente, embasará a decisão no apontado pelo perito – que possui know how acerca do assunto – proferindo uma sentença improcedente e condenando o autor na sucumbência. Senão, vejamos.

O TJ/SP, em julgados recentes, decidiu por manter a improcedência da ação, com lastro na prova pericial, na qual foi constatada a utilização de combustível de má qualidade.

Em uma das ações, entendeu pela procedência da ação, apenas com relação ao posto de gasolina, haja vista a ausência de vício de fabricação – o que afastou a responsabilidade da montadora e da concessionária pelo problema apresentado no automóvel, diante da confirmação, pela Perícia, do uso de combustível adulterado.3

Em outro momento, decidiu pela ausência do vício de fabricação e sim de mau uso por parte do consumidor, em razão do abastecimento com combustível adulterado, o que não pode ser imputado à montadora e à concessionária.4

Ainda, em outro julgado, decidiu pela improcedência da ação, em que houve a recusa da aplicação da garantia, sob alegação de que os danos causados no veículo, foram em decorrência da utilização de combustível de má qualidade, fato este constatado por meio de prova pericial.

O magistrado reforçou ser ônus do autor comprovar o alegado, salvo se houver a inversão do ônus da prova – que é uma faculdade do juiz. Não basta apenas alegar que houve vício de fabricação, é necessário fazer prova da sua alegação, o que não foi feito.5

À vista disso, outros Tribunais também vêm se deparando com este problema e entendendo pela improcedência da ação, como é o caso do TJ/RJ que, em recente julgado, amparado pela prova técnica realizada no processo, entendeu pela improcedência da ação diante da ausência de vício de fabricação, não havendo o que se falar em responsabilização da montadora de automóveis.6

Como se pode observar, a resolução destes casos está bastante associada às provas periciais, mas fato é que, quando a prova é no sentido de constatar a existência de combustível de má qualidade, ou combustível adulterado, os juízes certamente se valerão da aplicação da “famigerada” excludente de responsabilidade civil: Culpa do consumidor, (art 12, §3º, II, do Código de Defesa do Consumidor) ou culpa de terceiro (art 12, §3º, III, do Código de Defesa do Consumidor).

Explicando melhor, essa excludente de responsabilidade, segue a regra do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor: os fornecedores de produtos serão solidariamente responsáveis pelos vícios de qualidade e quantidade que tornem o produto impróprio ou inadequado ao consumo. Ainda, essa responsabilidade é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa (art.12 caput do Código de Defesa do Consumidor).

Por essa regra, se o consumidor adquiriu um produto que veio a apresentar problema de fabricação, este poderá acionar toda a cadeia de consumo envolvida naquele processo, para que se tornem solidariamente responsáveis pelo problema apresentado.

Pois bem. Como toda regra, há uma exceção, e essa está prevista no art. 12 §3º do Código de Defesa do Consumidor, por este artigo, o fabricante, produtor, construtor e importador não poderão ser responsabilizados quando comprovarem que: (I) não colocou o produto no mercado; (II) que o defeito inexiste, embora tenham colocado o produto no mercado; (III) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Assim, quando estamos diante de um caso de combustível adulterado, grande parte da jurisprudência, entende estarmos diante de duas das excludentes de responsabilidade civil, quais sejam, colocou o produto no mercado, mas o defeito inexiste (não se trata de vício de fabricação) e a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Ou seja, desatentamente, parte dos consumidores se preocupam em economizar alguns poucos centavos por litro, sem considerar que futuramente experimentarão gastos muito mais elevados em razão desta danificação.

Portanto, para evitar futuras dores de cabeça, sugere-se que os condutores de veículos automotivos adotem algumas práticas, como por exemplo: desconfiar de valores abaixo daqueles comumente praticados na região; selecionar dois ou três postos de confiança e manter o abastecimento regular nos mesmos, guardando as notas ficais, além, é claro, de realizarem a leitura do conhecido manual do proprietário, que apresenta as informações necessárias ao correto uso do veículo.

Por fim, recomenda-se que, antes da judicialização do processo, seja feita a análise pela concessionária, ou até em um mecânico de confiança, pois estes detêm aptidão técnica para identificar se o problema é oriundo do uso de combustível de má qualidade ou de eventual problema de fabricação, evitando, assim, gastos maiores com a judicialização, do que os já decorrentes da manutenção do automóvel.

1) https://www.cnnbrasil.com.br/business/entenda-por-que-o-preco-do-petroleo-disparou-com-a-guerra-entre-ucrania-e-russia/

2) https://institutocombustivellegal.org.br/especialista-revela-no-video-quais-sao-os-principais-tipos-de-adulteracao-na-gasolina/

3) TJSP; Apelação Cível 1002429-44.2019.8.26.0005; Relator (a): Ana Lucia Romanhole Martucci; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional V – São Miguel Paulista – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/01/2022; Data de Registro: 21/01/2022

4) TJSP; Apelação Cível 1067176-19.2013.8.26.0100; Relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 12ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 02/12/2021

5) TJSP; Apelação Cível 1020368-19.2020.8.26.0032; Relator (a): Mourão Neto; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/01/2022; Data de Registro: 31/01/2022

6) TJ-RJ – APL: 00385984620188190209, Relator: Des(a). MAFALDA LUCCHESE, Data de Julgamento: 17/02/2022, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/02/2022

Marina Spagnolo Iliadis Barrella
Advogada do escritório LBCA – Lee, Brock, Camargo Advogados. Especialista em Direito do Consumidor, pós-graduada em Contratos pela PUC-SP e possui curso de extensão em Processo Civil pela FGV.

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