O setor de alimentos possui algumas peculiaridades que podem ser observadas principalmente em épocas de comemorações, quando a demanda por produtos alimentícios aumenta significativamente.
Os maiores desafios que as empresas deste setor enfrentam durante esses períodos, incluem: planejamento e logística, manutenção da qualidade, escalabilidade, mão de obra sazonal, marketing e promoção, gestão de resíduos e sustentabilidade, adaptações a tendências e preferências do consumidor, gerenciamento de riscos e imprevistos, regulamentações e conformidade, gestão financeira, dentre outros.
Neste artigo, o ponto de reflexão são os desafios com a mão de obra sazonal, geralmente sanada através da contratação de trabalhadores temporários, o que gera grandes dúvidas e faz, inclusive, com que este modelo de contratação seja confundido com outros. Desta forma, é importante que as empresas fiquem atentas às diretrizes legais e saibam suas principais regras, a fim de evitar falhas e eventuais penalizações.
O contrato de trabalho temporário é um tipo de contratação com um prazo de duração estabelecido, assim, o vínculo entre empregado e empregador não é permanente. É uma exceção à regra vigente no Direito do Trabalho, em que o tempo do vínculo laboral é indeterminado.
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Segundo a legislação, o trabalho temporário é prestado por pessoa física, geralmente contratada por uma empresa de trabalho temporário, as conhecidas “agências” — que devem ser registradas no Ministério do Trabalho e Previdência — que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços ou cliente, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
O contrato de trabalho temporário foi instituído no Brasil pela Lei 6.019/1974, alterado pela Lei nº 13.429 de 2017 e regulamentado pelo Decreto 10.060/2019, que alterou diversas regras, dentre elas, o prazo do contrato, que era de três meses e passou a ser de 180 dias e prorrogável, desde que justificado, por mais 90 dias. Após o qual, o trabalhador temporário só poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços depois de 90 dias, sob pena de configuração do vínculo empregatício.
O Decreto nº 10.060/2019 foi revogado em razão da entrada em vigor do Decreto 10.854/21 que regulamentou vários assuntos atinentes à legislação trabalhista, dentre eles, o trabalho temporário. Este decreto deixou claro que a necessidade contínua ou permanente ou a decorrente de abertura de filiais não é considerada demanda complementar.
Vale ressaltar que essa modalidade de contratação é bastante utilizada em demandas sazonais no comércio, como Páscoa, Natal, Dia das Mães, Dia dos Namorados, etc. Em 2020, o interesse em contratar trabalhadores temporários teve mais uma motivação: as circunstâncias excepcionais decorrentes da Covid-19.
Em 2020, o contrato de trabalho temporário teve uma demanda atípica, por se ajustar à imprevisibilidade e às circunstâncias geradas pela Covid-19, alguns setores da economia encontraram nesse regime de contratação, com prazo limitado, uma maneira de atender de imediato as necessidades transitórias de sua empresa e de substituir os profissionais do grupo de risco que precisaram se afastar do trabalho.
Conforme a Associação Brasileira do Trabalho Temporário (Asserttem), o número de trabalhadores contratados nessa modalidade no Brasil, de janeiro a setembro de 2020, ultrapassou 1,5 milhão de pessoas, 46% a mais que as ocorridas no mesmo período de 2019.
O contrato individual de trabalho temporário deve conter os direitos do trabalhador e a indicação da empresa cliente, onde o serviço será prestado.
Entre eles estão a remuneração equivalente à recebida pelos empregados da mesma categoria da tomadora de serviços, o pagamento de férias proporcionais, em caso de dispensa sem justa causa, pedido de demissão ou término normal do contrato, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,
benefícios e serviços da Previdência Social, seguro de acidente do trabalho, anotação da condição de trabalhador temporário na CTPS, em anotações gerais, jornada de, no máximo, oito horas (poderá ser superior, se a empresa cliente adotar jornada específica);
horas extras, no máximo de duas por dia, remuneradas com acréscimo de, no mínimo, 50%, adicional noturno de, no mínimo, 20% da remuneração e descanso semanal remunerado.
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O trabalhador temporário não tem direito à indenização de 40% sobre o FGTS, ao aviso-prévio, ao seguro-desemprego e à estabilidade provisória no emprego da trabalhadora temporária gestante.
Uma grande polêmica envolveu a questão da estabilidade provisória da gestante, e, em 2019, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº 5639-31.2013.5.12.0051. o Tribunal Pleno do TST (Tribunal Superior do Trabalho) decidiu que a garantia da estabilidade provisória à empregada gestante não é cabível nesta modalidade de trabalho, já que sua natureza é de transitoriedade, ou seja, há incompatibilidade com o instituto da estabilidade provisória.
Considerando que a tese estabelecida pelo Pleno é vinculante, a decisão deve ser observada por todos os órgãos julgadores do TST e da Justiça do Trabalho.
Apesar da inexistência de vínculo empregatício, a tomadora de serviço estenderá ao trabalhador temporário o mesmo salário e o atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados. Também é sua responsabilidade garantir as condições de segurança, higiene e salubridade do local de trabalho. Além disso, é ela que exerce o poder técnico, disciplinar e diretivo sobre os trabalhadores temporários colocados à sua disposição.
O trabalho temporário não se confunde com a prestação de serviços a terceiros. De acordo com o artigo 4º-A da Lei 6.019/1974, incluído pela nova Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017), a prestação de serviços a terceiros é a transferência, pela contratante, da execução de qualquer atividade, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços com capacidade econômica compatível com a sua execução.
Nesse caso, não há obrigatoriedade de equiparação salarial: é a prestadora de serviços que contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. Conforme o artigo 5º-D da lei, também incluído pela Lei da Terceirização, o trabalhador demitido não poderá prestar serviços à mesma tomadora antes de 18 meses, contados a partir da demissão.
Em suma, é crucial que as empresas do setor de alimentos, assim como de outros setores que recorrem ao trabalho temporário, estejam cientes dos direitos e deveres associados a este modelo de contratação. A utilização correta e consciente do trabalho temporário pode ser uma ferramenta eficaz para atender às demandas sazonais e transitórias, ao mesmo tempo em que garante os direitos dos trabalhadores.
Contudo, é imprescindível que haja um entendimento claro das particularidades do contrato de trabalho temporário, a fim de evitar confusões com outros modelos de contratação, como a terceirização. Embora possam parecer semelhantes, estes dois regimes possuem diferenças significativas, sobretudo no que tange à gestão do trabalhador e aos direitos trabalhistas assegurados.
Para garantir a legalidade e a efetividade dessas contratações, é fundamental que as empresas busquem o suporte de profissionais especializados na área jurídica, capazes de orientar sobre a melhor forma de contratar trabalhadores temporários, evitando assim quaisquer falhas ou penalizações.