A crise climática está batendo às nossas portas, a despeito das incertezas e complexidades que cercam o tema. Com as temperaturas escaldantes e tempestades catastróficas no Brasil, entre outras emergências climáticas severas registradas em outros países do mundo, torna-se quase impossível ignorar as políticas públicas e as metas estabelecidas pelas empresas para redução das emissões dentro de sua agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança).
O estresse climático está aumentando dia a dia na vida das pessoas e nos negócios, exigindo respostas mais rápidas. Além disso estamos mais próximos de duas datas-chave: 2030 e 2050.
A primeira encampa a Agenda 2030 da ONU e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para assegurar direitos, reduzir as desigualdades e a pobreza, lutar contra a degradação ambiental, entre outras metas firmadas em 2015 por governos e empresas privadas. Agora, falta menos de seis anos, e um relatório da ONU, do ano passado, trouxe ponto a ponto onde houve evolução ou estagnação.
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O Brasil obteve tímidos resultados: voltou ao Mapa da Fome, registrou retrocesso no ensino, saúde, equidade de gênero, dificuldades em reduzir desigualdades socioeconômicas, aumento do desmatamento e outras mazelas. Não consta destes dados a queda do desmatamento na Amazônia em 50% no ano passado, em relação a 2022, mas cresceu no Cerrado (43%), no mesmo período.
Já em 2050 teremos o prazo final para atingirmos o objetivo de Net-Zero, etapa que abrange o fim das emissões de todos os Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera, além do carbono, para mantermos o aquecimento da temperatura média do planeta em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais ou, no máximo, em 2ºC para evitar graves eventos climáticos, que tornariam a vida sobre a terra penosa para todos os seres vivos.
O alerta foi acionado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM): a temperatura média da superfície global já atingiu 1,4ºC grau acima da média história (1850/1900). No caso do Brasil, o país registrou nove episódios de ondas de calor acima da média histórica, favorecidos pelo fenômeno El Niño, mas também podem estar associados à crise climática.
Mesmo diante da urgência de aumentar o ritmo da descarbonização, as empresas preferem estipular metas parciais a possibilitar o monitoramento antes do prazo final para atingir a neutralidade em carbono. Os números de adesão corporativa possuem uma dimensão gigantesca. Segundo o site Net Zero Tracker, 90% da economia global firmaram alguma meta de neutralidade de carbono.
Mas, a ONU tem atuado para acabar com as contradições do mercado e alertou que empresas não podem ter compromisso com a neutralidade de carbono e a sustentabilidade, caso continuem investindo em combustíveis fósseis. Nessa mesma sintonia, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, representando o governo brasileiro no Fórum Econômico Mundial deste ano em Davos, defendeu um período de transição para o fim da dependência econômica dos combustíveis fosseis, o que fomentará polêmicas dentro do espectro ESG.
Outra discussão polêmica é sobre o mercado de títulos de carbono para compensação de emissões de CO2. O Legislativo brasileiro deu um passo importante com a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei que cria o mercado regulado de carbono no Brasil, estabelecendo o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), com gestão do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM).
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A maioria dos projetos de compensação de emissões de carbono envolve conservação de florestas ou reflorestamentos de áreas degradadas, que contam atualmente com monitoramento por satélites, drones e sistemas de Inteligência Artificial, capazes de precisar o carbono relativo a cada árvore, a cada área, evitando atos lesivos e aumentando a credibilidade e transparência do mercado de carbono.
No projeto brasileiro, empreendimentos que emitam mais de 10 mil toneladas de carbono/ano terão de compensar as emissões. O agronegócio ficou de fora da regulamentação e deve integrar o mercado voluntário de carbono. Em decorrência de o projeto aprovado ter sido apensado ao PL 412/2022, que trata do mesmo tema, ainda passará por nova análise do Senado.
Quem considera que a urgência da crise climática pode ficar para depois não se ateve ao Relatório de Risco Global do Fórum Econômico Mundial deste ano, no qual a desinformação e as questões ligadas às urgências ambientais estão no cerne dos debates, especialmente porque 2023 foi o ano mais quente já registrado, segundo o Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas da União Europeia, com estimativa de ter seu recorde quebrado em 2024.
O relatório do Fórum Econômico Mundial reforça que as mudanças climáticas constituem riscos graves para o mundo na próxima década, com fenômenos meteorológicos extremos, perda de biodiversidade, colapso nos ecossistemas e escassez de recursos naturais.
Tudo isso refletindo na vida das pessoas e na gestão das empresas, independente de Davos ter um olhar mais elitizado. Em dois anos, a crise climática ocupará o segundo lugar entre os principais riscos globais e salta para o topo do ranking em uma década.
As preocupações ambientais chegaram efetivamente às companhias, mas faltam respostas efetivas. Tanto que um relatório da Just Capital, uma ONG que realiza pesquisas e rankings com empresas sobre temas de interesse público, apurou que nos últimos três anos, as metas para zerar as emissões líquidas triplicaram em empresas norte-americanas;
mas o ritmo das emissões não caiu, apenas 26 das 123 divulgaram que houve redução, embora haja mais rigor nos compromissos adotados, principalmente nos setores de bens industriais, softwares e serviços de suporte comercial. O estudo apontou, porém, que as empresas com compromisso geral de reduzir as emissões de GEE ou de atingir o Net-Zero aumentaram, em média, as suas emissões de carbono.
Com diferente perspectiva, alguns players do mercado já estão acelerando seus compromissos ambientais. É o caso da gigante Amazon, que a partir deste ano quer conhecer os dados de emissões de gases de efeitos estufa de seus fornecedores em metas e progressos.
Isso tem uma motivação bem clara: as pesquisas vêm apontando que a maioria das emissões são geradas pelas cadeias de fornecedores, por isso elas agora estarão no foco, seja porque não usam materiais sustentáveis, energia limpa ou tecnologia para acelerar a descarbonização de seus processos.
Para auxiliar na jornada da descarbonização, algumas organizações comprometidas com a sustentabilidade e o ESG têm buscado soluções em conjunto com seus stakeholders (clientes, acionistas, profissionais, fornecedores, comunidades, governos, academia, mídia etc.).
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Neste caso, a ótica das empresas também muda porque a crise climática envolve acesso às demandas trazidas por esses atores sociais, como justiça, salários justos, inclusão, gestão ética etc. Quando se abre o diálogo com as partes interessadas, entram para dentro da empresa todo tipo de conhecimento, inclusive, o intuitivo.
Estudo da Faculdade de Administração da Universidade de Tecnologia de Czestochowa, na Polônia, sobre o tema, concluiu que os stakeholders são “considerados como variável agregada, exercem um impacto positivo na estratégia de descarbonização mais avançada, conhecida como estratégia ‘ativa’.
Significa que quanto mais forte for a pressão, mais avançada será a estratégia de descarbonização adotada, que normalmente segue um padrão de atividades de redução de emissões de dióxido de carbono mais desenvolvido. (…) existe uma relação entre a pressão das partes interessadas e a estratégia de gestão de carbono, mas depende do tipo específico de estratégia de gestão de carbono que uma empresa escolhe.
As suas instruções revelaram ainda que a adoção de estratégias de gestão de carbono e a probabilidade de uma empresa adotar estratégias de ‘compensação’ e ‘redução’ estão significativamente associadas às pressões percebidas por parte de órgãos reguladores, meios de comunicação e credores”.
Tudo que é mais difícil sempre fica para depois. Este é o caso das emissões de GEE, classificadas em três categorias: escopo 1, 2 e 3. A última é relacionada a fontes indiretas, fora do controle da empresa, como clientes, de difícil monitoramento para as empresas; enquanto o escopo 1 é relativo a operações da empresa e o escopo 2 envolve ações indiretas, como compra de energia.
As empresas, especialmente médias e pequenas, reclamam que não possuem competências e recursos para cumprir a redução das emissões de GEE e atingir metas climáticas para estarem em conformidade com regulamentos da gestão pública ou parceiros negociais. Outras também reclamam que os documentos regulatórios são volumosos e caem em um cipoal burocrático.
Sem dúvida, um dos desafios para uma transição de economia de baixo carbono vem exigindo investimentos em tecnologia e processos. Na Califórnia, a partir deste ano, o Projeto de Lei AB 1305 estabelece que determinadas empresas divulguem seu progresso para zerar emissões líquidas. E é necessário divulgação sobre o que as organizações comercializam, vendem e compram em compensações voluntárias de carbono na Califórnia. A multa para violações é de até US$ 500 mil.
Os objetivos climáticos corporativos podem ser voluntários, como estabelece a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), mas nem por isso menos incômodos. A tendência das empresas é de promover uma divulgação mais conservadora de suas metas em cumprimento do regramento obrigatório para evitar acusações de greenwashing. No Brasil, alguns avanços em torno da sustentabilidade e fatores ESG também podem ser registrados.
O Ofício 1/2024 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, estabeleceu que o Relatório de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade das empresas de capital aberto no país deve seguir os padrões do International Sustainability Standards Board (ISSB). Dessa forma, o Brasil passa a ser o primeiro país a adotar essa sistemática.
A crise climática pode expor a reputação das empresas a uma série de riscos, levando a jornada ESG a ganhar prioridade, a despeito das imprevisibilidades. Nas décadas de 1960, 70 e 80, no Brasil, uma empresa transnacional descartou lixo tóxico em lixões comuns e todo C-level da companhia negou que havia quaisquer riscos para as pessoas e o meio ambiente, uma prática impensável hoje em dia.
Mitigar o impacto de suas operações sobre o clima, descarbonizar os negócios com responsabilidade, atrair a colaboração de stakeholders e ser sustentável são estratégias obrigatórias para qualquer corporação que deseje prosperar dentro desse desafio planetário de transitar para um futuro Net Zero.
E fica a lição da cientista Rajendra Pachauri, do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), sobre uma lei básica do mercado: “Quanto mais demorarmos para reduzir as emissões, mas caro vai custar”.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
RICARDO FREITAS SILVEIRA – Sócio-head da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutorando no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino), mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University