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Quem tem uma floresta, tem quase tudo

Quem tem uma floresta, tem quase tudo

Se a cobertura florestal do mundo é de 31% (FAO), o Brasil atinge quase o dobro: 58,5% nos cálculos do Serviço Florestal Brasileiro e promete desmatamento zero em sete anos.

De 2023 a 2030 eventos internacionais estarão chamando a atenção do mundo para a agenda climática, na qual as florestas têm um papel de destaque: a recente Cúpula da Amazônia (2023), em Belém; a COP 28 (Cúpula do Clima da ONU), em Dubai – capital do petróleo – e a COP 30, com candidatura brasileira. Esses encontros com milhares de participantes atraem a atenção governamental, midiática e corporativa e acabam tornando ainda mais robusto o pilar ambiental do ESG. 

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A Amazônia, terra de Macunaíma[1], “herói de nossa gente”, está cada dia mais no foco nacional e internacional, e isso ficou ainda mais nítido com a recente realização da Cúpula da Amazônia[2], que contou com a participação de oito países amazônicos – integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

Este movimento ainda agrega países asiáticos e africanos, que possuem florestas tropicais, a demonstrar a possível constituição de um bloco capaz de ditar políticas públicas e não mais ser levado pelas forças extrativistas de suas regiões. 

Na década de 1920, quando Macunaíma foi escrito, a pauta amazônica era centrada na decadência do ciclo da borracha. Agora, o tema amazônico tem amplitude, repercussão mundial, status de recurso inestimável para o planeta e envolve outros tipos de riquezas e problemas: crise climática, biodiversidade, mitigação para o equilíbrio atmosférico, rios voadores que garantem chuvas necessárias ao agronegócio, falta de recursos dos países ricos para o financiamento climático etc.

A revista Nature resume bem ao dizer que a Amazônia é um “cadinho de biodiversidade e um grande sumidouro de carbono terrestre”[3], tudo o que o mundo precisa para diminuir a temperatura da Terra e evitar desastres naturais severos e propiciar integridade aos investimentos ESG. 

Quem tem lugar de fala em uma sociedade patriarcal e eurocentrada? Representantes governamentais, de fundos de investimentos, acadêmicos etc.? Os Diálogos Amazônicos, evento prévio à Cúpula de Belém, abriram os microfones para franquear a palavra aos grupos subalternizados, como indígenas e quilombolas, que pensam criticamente seu lugar social dentro da estrutura da ordem mundial e também querem ter seu lugar de fala ampliado.  

A fala está ligada ao poder, que influencia, que determina, que oprime, que faz escolhas, que define vidas. Como entender uma sociedade desigual, que não é neutra? Nessa perspectiva, os povos originários estão se organizando para ter seu lugar de fala dentro dessa meta coletiva de desenvolvimento sustentável e de combate ao desmatamento da Amazônia que, às vezes, consegue unir culturas diversas. 

A filósofa, feminista e ativista negra Djamila Ribeiro popularizou o conceito de lugar de fala como sendo uma construção social, um ponto de vista relacionado à própria história. É “falar a partir de lugares, é também romper com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica sequer se pensem” [4]

A Declaração de Belém abriu lugares de fala. É o caso do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que de forma solitária defendeu o fim da extração do petróleo em prol do bioma amazônico, do combate à crise climática e à preservação da biodiversidade. 

Também não encontrou eco o compromisso do governo brasileiro de atingir o desmatamento zero na Amazônia até 2030? A meta coletiva não foi abraçada pelos oito países que compuseram a Cúpula da Amazônia. 

O nível de desmatamento da cobertura florestal na Amazônia ainda é alto, segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE). No entanto, cada país da OTCA quer investir na descarbonização em ritmo próprio, o que enfraquece o bloco. 

Os dados são importantes para todos os países, mas também para os investidores internacionais dimensionarem os riscos à vida, aumentando um possível comprometimento com a conservação, restauração e manejo sustentável das florestas. 

De acordo com o sistema DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real) do INPE, só nos dois primeiros meses do ano, 489 km2 de área apresentaram indícios de desmatamento na Amazônia, segunda maior nesses dois meses desde 2006, quando teve início a série histórica[5].

O uso sustentável da terra, contudo, depende das comunidades amazônicas originárias, ribeirinhas, de onde vem Macunaíma, um símbolo mítico, um locus social de experiências coletivizadas, que pensa criticamente a partir desse lugar, ocupado por aqueles que sempre tiveram seus direitos negados. Macunaíma nasce negro retinto, em uma tribo indígena, embora depois fique branco ao tomar banho em uma cova d’água. Uma discussão étnico-racial polêmica do tamanho do Brasil. 

Mário de Andrade, o autor de Macunaíma, pensa seu personagem como um brasileiro-símbolo, capaz de ir além de nacionalismos, de se “desgeografizar”, de um ser dotado de muita resiliência.

Isso é importante porque a Amazônia não é só Brasil e isso está provado na Cúpula de Belém, onde diferentes atores tomaram seu lugar de fala. Foi um ato ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), porque vincula desmatamento, transição energética, subsistência da população amazônica, mercado de carbono a questões de política e de mercado.  

Dentro de seu lugar de fala, financiadores externos, como o Credit Suisse[6], apontam que os três maiores bancos privados brasileiros, que atuam na Amazônia a fim de cumprir metas de desenvolvimento bioeconômico, conservação ambiental e direitos da população, “assumiram a posição de liderança no cenário ESG na região”

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Certamente, investidores têm o poder de pressionar quem tiver de ser pressionado, porque já foi provado que quando a região amazônica está em desequilíbrio produz menos chuva, a agricultura do país fica mais vulnerável e traz uma série de consequências negativas para a população e para os negócios. 

Há investidores ESG voltados especificamente a questões de desmatamento, caso do Investors Policy Dialogue on Desforestation, reunindo 55 organizações financeiras e um capital de US$ 7 trilhões[7]. Também há muita promessa colocada na mesa. Somente para o Fundo Amazônia, o governo alemão prometeu mais € 35 milhões; o Reino Unido, £ 80 milhões; a União Europeia, € 20 milhões e os Estados Unidos, US$ 500 milhões. 

O Brasil ainda não viu a cor do dinheiro, além de esperar, como outros países mais carentes, que os países mais ricos cumpram o seu compromisso de doar R$ 300 bilhões para ajudar o meio ambiente e contribuir para vencer a crise climática. 

A pauta requer ainda programação robusta de governança ambiental. Em 2022, a taxa de desmatamento na floresta amazônica brasileira atingiu o maior nível desde 2006, devastando 13.235 km2 segundo dados do INPE.

O PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) precisaria também ter seu orçamento garantido e suas ações integradas entre os diversos órgãos, como Ibama, ICMBio e Funai. O monitoramento por satélites deve ser constante, com fiscalizações rápidas onde forem identificados novos desmatamentos. 

Programas estaduais como o municípios verdes também são cruciais, premiando as prefeituras que desenvolvem boas práticas de conservação ambiental. 

A parceria público-privada (PPP) exige recursos para unidades de conservação e para a fiscalização em terras indígenas, com engajamento da sociedade civil e populações locais por meio de programas de educação ambiental e projetos de bioeconomia sustentável. Governança integrada e participativa é a chave para a proteção das nossas florestas. 

A pesquisa da ONG CDP (que reúne investidores, empresas e governos em ação colaborativa, usado no score da B3) sobre como as empresas brasileiras contribuem para reduzir as metas de desmatamento e promovem a proteção da biodiversidade, de julho de 2023, é otimista; “mais da metade das empresas (53%) declararam ter incorporado questões florestais em todos os aspectos do plano estratégico de negócios da organização.

Isso parece sinalizar para uma maior maturidade do setor privado brasileiro em relação à avaliação dos riscos e oportunidades dos impactos florestais em sua cadeia de valor, o que leva a melhores estratégias de mitigação ou prevenção de impactos negativos do uso de recursos naturais[8].

Macunaíma é importante não por ser uma das obras mais significativas do modernismo, mas porque faz um inventário cultural brasileiro, por ser uma ponte entre raízes populares (100% plural) e o vanguardismo. 

Conta a história de nosso herói que luta contra o gigante Venceslau Pietro Pietra – a encarnar os conquistadores e os colonizadores – que roubou sua pedra da sorte, a Muiraquitã, um talismã indígena verde, como verde é a floresta. A pedra é muito simbólica, como a pedra filosofal. 

Que a pedra buscada pelo Brasil nas reuniões das COPs possa sempre conter a raiz de nossa natureza, que é avessa às pedras dos garimpos ilegais e do drama humano que desenterra.


[1] ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Martins, 1979.

[2] Países integrantes da Cúpula da Amazônia: Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru, Guiana, Venezuela, Equador e Suriname.

[3] Disponível em: https://www-nature-com.translate.goog/articles/s41558-022-0

[4] Ribeiro, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.

[5] Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/analise-dos-alertas-de-desmatamento-na-amazonia-legal-jan-fev-2023#:~:text=Nos%20meses%20de%20janeiro%20e,passado%20(629%20km2)

[6] Disponível em: https://www-euromoney-com.translate.goog/article/294d2iskfibg49jqaeww0/esg/will-amazon-deforestation-finally-lead-to-a-financing-drought?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc

[7] Disponível em: https://www.unpri.org/collaborative-engagements/investors-policy-dialogue-on-deforestation-ipdd/11031.article

[8] Disponível em: https://cdn.cdp.net/cdp-production/cms/reports/documents/000/007/255/original/Facsheet_Floresta_NDC_PT_VF.pdf?1691430704


YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
PATRICIA BLUMBERG – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London

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