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Mulheres negras voltam ao foco do assédio sexual no mundo do trabalho

Mulheres negras voltam ao foco do assédio sexual no mundo do trabalho

Quando as primeiras mulheres operĂĄrias pisaram em uma indĂșstria tĂȘxtil inglesa, no sĂ©culo XVIII, que precisava de mĂŁo de obra de baixo custo, colocaram em movimento uma sĂ©rie de prĂĄticas abusivas de gĂȘnero, que passaram a ser perpetradas dentro da maioria das empresas por sĂ©culos, seja porque os homens historicamente sempre dominaram a dinĂąmica de poder no local de trabalho, seja porque as mulheres historicamente tiveram uma posição de subordinação e de convivĂȘncia com a violĂȘncia, seja porque a pressĂŁo sobre as vĂ­timas era massacrante – elas tinham vergonha de relatar o abuso, medo de ser descreditadas, medo de retaliação, medo de perder o emprego.

No Brasil, muito antes da revolução industrial, as mulheres negras escravizadas, tiveram de enfrentar a violĂȘncia e desumanização no ambiente de trabalho, seja nas casas dos senhores (onde os jovens e homens brancos estavam sempre rodeados pela “lascĂ­via” das negras, como evidencia a erotização do corpo da mulher negra em “Casa Grande e Senzala” (FREYRE, 1963, p.331) ou nos campos de plantaçÔes. Posteriormente, continuaram a enfrentar essa agressĂŁo sexual em diferentes ocupaçÔes. Mesmo em paĂ­ses com fortes estratĂ©gias de combate ao racismo, como os Estados Unidos, onde o Movimento dos Direitos Civis visou Ă  proteção de corpos e vidas das mulheres negras – ela seguem sendo vulnerĂĄveis. Calcula-se que o assĂ©dio sexual das mulheres negras no trabalho Ă© trĂȘs superior ao das brancas nos Estados Unidos. 1

A cultura do silĂȘncio, principalmente diante do assĂ©dio sexual contra mulheres de todas as etnias, perdurou inabalĂĄvel nos ambientes de trabalho de todo o mundo por sĂ©culos. Foram necessĂĄrios mais de 200 anos, desde o inĂ­cio da Revolução Industrial, para o conceito jurĂ­dico de assĂ©dio sexual começar a ser aceito pelos Tribunais.
Cunhado pela jurista e feminista norte-americana, Catharine MacKinnon, o argumento se baseava no fato de que assédio no local de trabalho constitui discriminação sexual, o que é ilegal nos Estados Unidos, como estabelece a Lei dos Direitos Civis. Aos poucos, o argumento foi sendo aceito por juízes de primeira instùncia e uma década depois, em 1986, foi acatado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Era o início de uma importante mudança para consolidar direitos.

Nas Ășltimas dĂ©cadas, as queixas de assĂ©dio sexual nas empresas deixaram de ser “normalizadas”, porque seu enfrentamento se tornou uma polĂ­tica de empresa, sendo uma prĂĄtica considerada inaceitĂĄvel. O assĂ©dio veio arrefecendo com a publicização e repĂșdio da opiniĂŁo pĂșblica e os programas de conformidade. Calcula-se que em 1997, 75% das empresas americanas desenvolveram programas de treinamento obrigatĂłrio sobre assĂ©dio sexual.

Isso minorou, mas nĂŁo equacionou o problema, tanto que pesquisa da Universidade Harvard com 800 empresas, responsĂĄveis por 8 milhĂ”es de trabalhadores, abrangendo de 1970 a 2000, analisou a eficiĂȘncia dos treinamentos corporativos contra o assĂ©dio sexual. 2 O estudo apurou que nĂŁo surtem o resultado esperado porque os profissionais ficam na defensiva, nĂŁo mudam o comportamento abusivo e passam a culpar as vĂ­timas. Um experimento que vem tendo bons resultados nas corporaçÔes, segundo a pesquisa, Ă© de espectadores treinados que entram em ação assim que surge um comportamento inadequado. Exemplo simples: um motorista bĂȘbado se levanta da mesa e quer ir para casa de carro, vocĂȘ toma a chave e chama um tĂĄxi.

HĂĄ poucas pesquisas sobre o assĂ©dio sexual no ambiente de trabalho, mas hĂĄ a certeza de que Ă© subnotificado. Quem pensa que hĂĄ em curso somente uma pandemia no mundo, a da Covid-19, estĂĄ enganado, porque continua prosperando no planeta outra pandemia, da “violĂȘncia contra as mulheres”, como bem frisou o SecretĂĄrio-Geral da ONU, AntĂłnio Guterres.

Para fortalecer uma mudança legal e cultural, este ano começou a vigorar a Convenção 190 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), contra violĂȘncia e assĂ©dio no ambiente laboral, que recebeu manifestação favorĂĄvel do MinistĂ©rio PĂșblico do Trabalho para ser ratificada pelo Brasil. Em seu preĂąmbulo, a convenção “Reconhece que a violĂȘncia e o assĂ©dio de gĂȘnero afetam de forma desproporcionada as mulheres adultas e jovens. Reconhece igualmente que uma abordagem que tenha em conta as causas subjacentes e os fatores de risco, incluindo estereĂłtipos de gĂȘnero, a discriminação mĂșltipla e a interseccionalidade e relaçÔes de poder desiguais em função do sexo, Ă© essencial para acabar com a violĂȘncia e o assĂ©dio no mundo do trabalho.3 A Convenção exige dos paĂ­ses que aderirem ao tratado que implementem e assegurem leis, polĂ­ticas e regulamentos voltados a garantir o direito Ă  igualdade no emprego, incluindo grupos vulnerĂĄveis, com medidas para prevenir e mitigar o assĂ©dio e a violĂȘncia no ambiente laboral contra todas as vĂ­timas: sejam mulheres, homens ou LGBTs.

No Brasil, o assĂ©dio sexual no primeiro semestre deste ano, mesmo com grande parte dos trabalhadores em teletrabalho, cresceu 21%, em relação a 2020, registrando o ingresso de 27,3 mil açÔes, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST).4 O assĂ©dio sexual Ă© considerado crime pelo CĂłdigo Penal Brasil, conforme artigo 216-A: “Constranger alguĂ©m com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierĂĄrquico ou ascendĂȘncia inerentes ao exercĂ­cio de emprego, cargo ou função”. É, portanto, crime da competĂȘncia da Justiça Comum com reflexos na Justiça do Trabalho. NĂŁo Ă© determinante o gĂȘnero da vĂ­tima para configurar assĂ©dio sexual, embora as mulheres sejam comprovadamente as mais visadas pelos assediadores. As vĂ­timas que sofrerem assĂ©dio sexual podem buscar a rescisĂŁo do contrato de trabalho e a devida indenização, com base no artigo 483 da CLT, tendo acesso a todos os direitos previstos na dispensa imotivada. TambĂ©m poderĂŁo acionar a Justiça para reparação por danos morais, com base no artigo 927 do CĂłdigo Civil.

Os custos sĂŁo altos para as corporaçÔes que sĂŁo lenientes com o assĂ©dio sexual. Estudo estima “que o assĂ©dio sexual no local de trabalho impĂ”e US $ 2,62 bilhĂ”es em perdas de produtividade (…) Este nĂșmero aumenta ligeiramente ($ 2,63 bilhĂ”es) com base nos custos futuros, refletindo aumentos naturais na força de trabalho entre 2017 e 2018 devido a fatores como o crescimento populacional”.5

O crime de assédio sexual tem seus leading cases

Agora, as mulheres negras voltam ao foco por serem mais propensas ao assĂ©dio sexual no ambiente de trabalho, segundo pesquisa da Montclair State University, baseada em dados da Equal Employment Oportunity Commission. 7 Nessa “brecha racial”, as mulheres negras sĂŁo percebidas pelos assediadores como tendo pouco poder, portanto, reclamariam menos, tornando-se “alvos” mais visados que as mulheres brancas. Corroborando essa linha, pesquisa realizada no ano passado, com mulheres trabalhadoras no Brasil pela internet, pelo LinkedIn e consultoria Think Eva, apontou que o assĂ©dio sexual contra mulheres estĂĄ vivo nas corporaçÔes, independente da hierarquia dos cargos. Agora com uma mudança: as maiores vĂ­timas sĂŁo as mulheres pretas (52%). A pesquisa apurou tambĂ©m que uma em cada seis vĂ­timas pede demissĂŁo. AlĂ©m disso, 78,4% acreditam que a impunidade continua a predominar e nada acontecerĂĄ depois de denunciado o crime. O silĂȘncio ainda Ă© regra e apenas 5% das mulheres denunciam seus assediadores.8

De acordo como estudo sobre o assĂ©dio sexual contra mulheres negras, com informaçÔes da National Women’s Law Center, hĂĄ na questĂŁo um fator a mais para ser levado em conta: uma em cada trĂȘs mulheres que denuncia seu assediador Ă© ameaçada de retaliaçÔes. 9 A literatura sobre o tema destaca que os assediadores geralmente estĂŁo no mesmo nĂ­vel organizacional ou superior ao de suas vĂ­timas e as organizaçÔes onde ocorrem mais casos sĂŁo aquelas com maior tolerĂąncia ao assĂ©dio sexual, geralmente porque possuem composição dominada por maioria masculina.

*Tereza Ribeiro Ă© advogada, sĂłcia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), pĂłs-graduada em Processo e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e MBA em GestĂŁo de Empresas pela FGV

*Santamaria N. Silveira é jornalista, doutora em Comunicação Social pela ECA-USP, head de
conteĂșdo e presidente do SubcomitĂȘ Afro da LBCA e integrante do projeto #olhosnegrossobreajustiça

1. DisponĂ­vel em HTTPS://NWLC.ORG/WPCONTENT/UPLOADS/2018/08/SEXUALHARASSMENTREPORT.PDF
2. DisponĂ­vel em https://oconnell.fas.harvard.edu/files/dobbin/files/hbr_2020_dobbin_kalev.pdf
3. disponĂ­vel em https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/fp=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_INSTRUMENT_ID:3999810
4. DisponĂ­vel em https://noticias.r7.com/brasil/processos-de-assedio-sexual-sobem-21-no-1-semestre-de-2021-diz-tst-21082021
5. DisponĂ­vel em https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/au/Documents/Economics/deloitte-au-economic-costs-sexual-harassment-workplace-240320.pdf
6. DisponĂ­vel em https://supreme.justia.com/cases/federal/us/477/57/
7. DisponĂ­vel em https://onlinelibrary.wiley.com/
8. https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-corporativo/
9. DisponĂ­vel em
HTTPS://NWLC.ORG/WP-CONTENT/UPLOADS/2018/08/SEXUALHARASSMENTREPORT.PDF

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