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Desinformação, (auto)regulação e eleições

Desinformação, (auto)regulação e eleições

A descentralização da difusão de informações é uma das características mais visíveis da expansão da Internet e da tecnologia. Essa descentralização da veiculação de informações rompe, em certa medida, com a lógica vigente até poucos anos atrás, de concentração da comunicação de massa pela mídia tradicional, caso dos jornais, rádio,  TV e  imprensa em geral.

Inúmeros são os benefícios da desconcentração do monopólio da disseminação de informações. A maior beneficiada, sem dúvidas, é a liberdade de expressão.

O exercício da livre manifestação de pensamento ampliou-se e alcançou novos patamares: hoje, em razão da possibilidade de compartilhamento de informações ponto a ponto (“peer-to-peer”), vozes das mais variadas origens têm espaço e acesso à comunicação de massa. A Internet tornou-se um gigantesco fórum de debates e opiniões.

Por outro lado, os desafios também são muitos. Um deles é a chamada desinformação. A significativa ascensão da desinformação é uma realidade difícil de se ignorar. Nem sempre uma mensagem que chega ao nosso conhecimento é dotada de qualidade e confiabilidade.

A polarização política vista através das mídias sociais é uma pequena amostra de como a Internet é um instrumento poderoso de canalização de conflitos.

Contudo, a desinformação, muitas vezes veiculada através de notícias falsas, não chega a ser uma novidade. De acordo com uma pesquisa1 de 2018, feita pela organização International Center for Journalists, os registros mais antigos dessa tática datam do século IV A.C. Nos escritos de Heródoto, por exemplo, assim como nos de outros historiadores da antiguidade, encontram-se diversos tipos de informações, no mínimo, duvidosas.

Muitos candidatos já se utilizaram deste expediente contra adversários políticos em eleições passadas, propagando notícias inverídicas, por exemplo, através de panfletos. Hoje, apesar dos panfletos ainda serem aptos para tal finalidade, a internet é o meio mais eficaz de maximização do impacto da desinformação2.

Assim, o que se percebe é que a desinformação há muito tempo é utilizada como tática política, o que mudou foi a utilização da tecnologia como forma de amplificar e capilarizar seus efeitos.

O emblemático caso Cambridge Analytica, envolvendo a assessoria britânica que trabalhou para a campanha eleitoral do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, escancarou a forma como a manipulação de dados pode influenciar os rumos de um processo eleitoral3.

A regulação de condutas abusivas em um ambiente descentralizado e interconectado, como é o caso da Internet, nem sempre é simples. A conexão entre a política, eleições e tecnologia tende a avançar cada vez mais, exigindo um esforço coletivo para combater o fenômeno da desinformação organizada.

No Brasil, algumas ações têm sido tomadas para combater notícias fraudulentas que insistem (sem razão) em colocar sob suspeita a higidez do processo eleitoral brasileiro.

O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, firmou compromisso com os principais veículos de comunicação e mídias sociais brasileiras para combater notícias falsas sobre o processo eleitoral4. Firmou-se, também, parcerias com agências de checagem de notícias para depurar o que é verdadeiro e falso, entre outras medidas5.

O combate à desinformação, entretanto, não pode depender apenas do Poder Público. Em muitas situações, a jurisdição estatal não é capaz de proteger as pessoas com a mesma velocidade ou na mesma medida de uma conduta danosa. A perspectiva de que as decisões judiciais são o principal antídoto à desinformação é uma ilusão6.

Pela sua importância, a regulação de condutas abusivas nas plataformas digitais exige um modelo operacional que, ao lado de entes públicos, viabilize a contribuição de outros atores. Nesse contexto, ganha força a ideia de “autorregulação regulada”, ou seja, procedimentos para que provedores de mídias sociais adotem um sistema de gerenciamento de denúncias a respeito de publicações de conteúdo ilícito ou ofensivo7.

A autorregulação ficou muito conhecida por conta da lei alemã denominada NetzDG8. O Parlamento Europeu, inclusive, aprovou recentemente novo Regulamento de Serviços Digitais (RSD) e Regulamento de Mercados Digitais (RMD), estabelecendo obrigações para prestadores de serviços digitais, como as redes sociais, envolvendo autorregulação, como forma de combater a propagação de conteúdos ilegais e desinformação, prevista para entrar em vigor em a partir de 1 de janeiro de 20249.

Outra iniciativa de autorregulação muito conhecida foi o Oversight Board (Comitê de Supervisão), criado pelo Facebook (atualmente Meta) em maio de 2020, para ajudar a empresa a responder o que remover, o que permitir e o porquê10.

Embora ainda não exista uma solução infalível para resolver o grave problema relacionado à desinformação, é extremamente importante que os usuários da Internet e das mídias sociais aprendam a diferenciar discursos e conteúdos enganosos. Nesse sentido, a educação midiática faz-se essencial, seja através de ferramentas de checagem de fatos, por meio de leitura de conteúdo crítico ao material considerado falso ou por fontes com credibilidade.

Além do investimento em educação, componente básico para a formação crítica de qualquer indivíduo, é fundamental reconhecer a importância do jornalismo profissional no combate à desinformação.

Profissionais capacitados, éticos e comprometidos com a veracidade das informações são essenciais à manutenção da democracia. Fortalecer os veículos profissionais de comunicação, desde as recentes agências de checagem até os jornais mais tradicionais, é imprescindível para fazer frente à desinformação organizada.

Sejam quais forem os modelos operacionais adotados para o combate à desinformação, os esforços devem se concentrar, principalmente, em identificar e punir aqueles que financiam ações desinformacionais organizadas, em conjunto com uma ampla campanha de esclarecimentos à população, adotando estratégias repressivas quando necessário, para contenção dos efeitos negativos que as notícias falsas têm sobre o processo eleitoral brasileiro.

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1 Disponível em: https://www.icfj.org/news/short-guide-history-fake-news-and-disinformation-new-icfj-learning-module. Acesso em 1/8/22.

2 RAIS, Diogo e SALES, Stela Rocha. Fake News, Deepfakes e Eleições. (Fake News a conexão entre a desinformação e o direito). São Paulo: RT, 2020, pág. 27.

3 “Presidente da Cambridge Analytica confessa influência em eleições dos EUA” Disponível em: https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,presidente-da-cambridge-analytica-confessa-influencia-em-eleicoes-dos-eua,70002236187. Acesso em 1/8/22.

4 Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Abril/combate-a-desinformacao-presidente-do-tse-reforca-responsabilidade-das-plataformas-digitais. Acesso em 5/5/22.

5 “Parceria entre Justiça Eleitoral e agências de checagem de fatos evitou disseminação de notícias falsas no 2º turno das eleições”. Disponível em: em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2018/Outubro/parceria-entre-justica-eleitoral-e-agencias-de-checagem-de-fatos-evitou-disseminacao-de-noticias-falsas-no-segundo-turno-das-eleicoes. Acesso em 1/8/22.

6 LAUX, Francisco de Mesquita. Redes sociais e limites da jurisdição. São Paulo: RT, 2021,pág.331

7 MARANHÃO, Juliano. Campos, Ricardo. Fake News e autorregulamentação regulada das redes sociais no Brasil: fundamentos constitucionais. In: ABOUD, Georges. NERY, Jr., Nelson. CAMPOS, Ricardo. Fake News e Regulação, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, página 326 e 327.

8 Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/netzdg/BJNR335210017.html. Acesso em 8/5/22.

9 “Serviços digitais: novas regras para um ambiente em linha mais seguro e aberto” Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20220701IPR34364/servicos-digitais-novas-regras-para-um-ambiente-em-linha-mais-seguro-e-aberto. Acesso em 3/8/22

10 “Garantir o respeito à liberdade de expressão por meio do julgamento independente.” Disponível em: https://www.oversightboard.com/. Acesso em: 1/8/22.


Camila Pereira Pinto
Pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada de Direito Digital do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados.

Elaine Maria Silveira Ritossa
Mestranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista. Internacionalista. Advogada de Direito Digital do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados.

Caio Miachon Tenório
Sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), um dos responsáveis pela área de Direito Digital e Segurança da Informação.

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