Anualmente, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça – publica o “Relatório Justiça em Números”, que consolida informações sobre a produtividade e alocação de recursos dos tribunais brasileiros, tempo médio de duração dos processos judiciais, bem como a litigância nas justiças estadual, federal e do trabalho.
Muitos recortes podem ser realizados sobre o relatório do CNJ e um dos mais significativos trata da relação entre as empresas e os seus consumidores.
Assim como os números gerais, os processos judiciais que versam sobre relação de consumo apresentaram redução em relação ao estudo anterior. Na verdade, verifica-se uma tendência de queda que se iniciou em 2014 e que em 2018 atingiu a marca de 4,3 milhões de novos processos, volume que ainda pode ser considerado alto. Em 2014, foram 5,57 milhões de casos novos; em 2015 caiu para 4,61 milhões; em 2016; totalizou 4,83 milhões; em 2017 atingiu 4,79 milhões e em 2018 somou 4,30 milhões.
A explicação para esta redução não está em apenas um único argumento, mas sim na somatória de diversos fatores. Pode existir uma correlação entre a litigiosidade e a redução no próprio consumo de determinados produtos e serviços nos últimos anos. Enquanto alguns segmentos reduziram sua volumetria de casos, como por exemplo as construtoras, outros aumentaram, como é o caso das plataformas online.
Importante destacar o crescimento exponencial de processos evitados através das plataformas de acordos (sites e aplicativos) disponibilizados pelas empresas e pelo Poder Público, como o Consumidor.Gov. Os temas mais recorrente foram responsabilidade do fornecedor (2,73 milhões), contratos de consumo (1.25 milhões), práticas abusivas (34.960), cláusulas abusivas (16.157), dever de informação (12.534), irregularidades no atendimento (11.075), combustíveis e derivados (2.957), oferta e publicidade (2.555), vendas casadas (2.315) e jogos, sorteios e promoções comerciais (1.391).
Conforme a classificação utilizada pelo CNJ, que difere das nomenclaturas utilizadas pelas empresas, a responsabilidade do fornecedor é o principal motivo das ações com 2.731.323 casos e representa 62% dos novos processos que tratam das relações de consumo.
A diferença entre quantidade de novos processos classificados como “responsabilidade do fornecedor” é explicada por que nela se encontram os processos em que se discute as indenizações por dano moral e dano material. A cada 100 casos novos de consumidor, 44 processos discutem a responsabilidade da empresa de indenizar.
No Brasil, a questão do dano moral e material nas relações de consumo faz parte de um amplo debate, que coloca de um lado, os direitos dos consumidores e de outro, a chamada “indústria do dano moral”. Houve uma evolução da jurisprudência de muitos tribunais estaduais nesse sentido, buscando-se evitar os excessos, como indenizações decorrentes de “mero aborrecimento do consumidor”, que contribuíram para reduzir os litígios de consumo.
Em nenhum momento, os limites impostos à reparação ao dano moral podem comprometer os direitos fundamentais dos consumidores, mas devem buscar uma relação de equilíbrio entre fornecedor-consumidor. As instâncias judiciais e extrajudiciais têm buscado estabelecer a justa arbitragem entre a demanda do autor da ação e o prejuízo causado. Os pedidos abusivos de reparação por dano moral não servem para promover a justiça, mas para incentivar a cultura do litígio, tão popular no Brasil. Quando a responsabilidade é do fornecedor, o número de casos novos são por indenização por dano moral (1,59 milhão), indenização por dano material (413.528), rescisão do contrato e devolução de dinheiro (192.944), interpretação e revisão de contrato (94.598), substituição do produto (52.040), abatimento proporcional do preço (47.804), produto impróprio (13.930).
Uma significativa parcela das ações indenizatórias em que o consumidor pede danos morais é motivada pela utilização de medidas de cobrança consideradas indevidas, como a negativação e o protesto. Mas ainda restam mais de um milhão de novas ações judiciais em que o consumidor deseja ser indenizado mesmo sem ter sido cobrado indevidamente. Em 2018, foram registrados quase meio milhão de novos processos por dano moral, com destaque para Inclusão indevida em Cadastro de Inadimplente (440.461) e Protesto Indevido de título (41.363).
O valor de uma indenização por danos morais pode variar muito em função de diversos critérios, mas para fins de projeções a quantia de R$ 10.000,00 pode ser considerada uma média razoável. Projetar a vitória do consumidor em 70% dos casos, de um total de 1,5 milhão de novos processos com pedido de indenização por dano moral, permite concluir que as empresas devem gastar mais de R$ 10 bilhões de reais com indenizações, isto sem considerar as demais despesas relacionadas ao conflito.
Diante dos números, que não mentem, surgem as mais diversas indagações, provocações e propostas, principalmente, relativas à responsabilidade por mudanças nas quantidades e cifras apresentadas que, propositalmente, não foram objeto deste texto. Mas a questão que fica é que o relatório do CNJ apresentou dados e informações sobre “quem somos” e “onde estamos”, mas ainda fica a dúvida sobre “para onde vamos?”.
Advogado, sócio e CDO (Chief Data Officer) da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), mestrando em Direito, pós-graduado em gestão jurídica, empreendedorismo e inovação e professor em cursos de graduação e pós-graduação da FIA (Fundação Instituto de Administração).