A inserção desigual de homens e mulheres no mercado de trabalho vem diminuindo no Brasil , mas ainda persiste, embora o país disponha de legislação sólida contra essa realidade. Na verdade, conta com dois importantes pilares legais que vedam a disparidade salarial por gênero: a Constituição Federal de 1988 e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas não há como negar um hiato salarial entre mulheres e homens no mercado de trabalho brasileiro, mensurado por diferentes pesquisas.
No art. 7º XXX , a Carta Magna proíbe diferenças salariais no desempenho da mesma função e critério de admissão por gênero, idade, cor e estado civil e a CLT, em seu art. 461 (da equiparação salarial) também coíbe a discriminação por gênero nas políticas de remuneração e ascensão profissional, estipulando multas para quem violar esse dispositivo.
Diante da CF e da CLT, por que o país precisou editar recentemente uma nova legislação para tolher a discriminação salarial por gênero? Trata-se do Projeto de Lei da Câmara ( PLC 130/2011)¹, voltado a combater a diferença salarial entre homens e mulheres com atividades idênticas , cumprindo a mesma função na empresa. O texto estabelece multa mais alta do que a prevista na CLT em favor da trabalhadora alvo da discriminação de até cinco vezes o valor das diferenças salariais durante o período de contratação. O prazo prescricional para a trabalhadora reclamar a equiparação é de dois anos após a rescisão do contrato de trabalho, conforme estabelece a CF.
O projeto aprovado, que foi à sanção presidencial, acrescenta § 3º ao artigo 401 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de estabelecer multa para combater a diferença de remuneração verificada entre homens e mulheres no Brasil. Este projeto vai ajudar a acabar a discriminação salarial de gênero no Brasil ? Certamente, que não, mas agrega mais uma frente de combate a esse tipo de discriminação.
O que temos constatado é que no chão de fábrica, os pisos salariais e percentuais de reajustes fixados nas normas coletivas conseguem manter a equiparação salarial entre trabalhadoras e trabalhadores. Não há praticamente espaço para discriminação ou favorecimento de gênero. Neste patamar é difícil encontrar empregados nas mesmas funções com lacuna salarial por questão de gênero. Na verdade, a discriminação contra as mulheres neste setor pode ocorrer na seleção e recrutamento , sendo que há empresas que contratam menor número de mulheres ou não contratam mulheres.
A disparidade salarial de gênero ocorre mais à medida que a trabalhadora ascende na hierarquia das organizações e passa a disputar cargos de liderança. Pesquisas apontam que homens brancos ganham mais do que mulheres brancas ou negras pelo mesmo trabalho de nível superior, segundo levantamento realizado pelo Insper² (Diferenças Salariais por Raça e Gênero para Formados em Escolas Públicas ou Privadas) em cinco profissões: engenheiros e arquitetos, médicos, professores, administradores e cientistas sociais.
Utilizando a base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2016 e 2018, o Insper apurou que um homem branco que concluiu o ensino superior em instituição pública recebeu salário médio de R$ 7.891,78 contra R$ 4.739,64 de mulheres brancas na mesma função, ou seja, 64% a mais. Os homens pretos e pardos receberam R$ 4.750,58 e mulheres pretas e pardas, menos ainda, R$ 3.047,51. Se a formação do profissional tiver sido em universidade particular, a diferencial salarial entre um homem branco (R$ 6.627) e uma mulher negra (R$ 2.902) se tornar abissal: 128%, a demonstrar que as mulheres negras enfrentam uma discriminação ainda mais claudicante.
Mesmo nos Estados Unidos que possuem , desde 1963, a Lei de Igualdade Salarial – que assegura “pagamento igual por trabalho igual” – a diferença salarial de gênero ainda é um fato incontestável, variando de estado para estado, como afirma o Bureau of Labor Statistics ³. Mulheres recebem 81 centavos para cada dólar dos homens, sendo que as mulheres negras ganham ainda menos: 68 centavos para cada dólar de um trabalhador branco. Mesmo nas chamadas carreiras de colarinho rosa, onde as mulheres são preponderantes, há discrepâncias. Nos EUA, a discussão tem agregado novos elementos à discriminação direta dos empregadores, como a possível falta de habilidade das mulheres em negociarem seus salários e o crescimento do número de leis sobre igualdade salarial . Na Califórnia, por exemplo, toda empresa pública deve ter pelo menos uma vaga de diretora destinada a mulher em seu conselho, a partir desse ano.
Na Europa, uma nova regulamentação deu um passo positivo ao estabelecer que empresas com mais de 250 funcionários são obrigadas a relatar diferenças salariais entre homens e mulheres até o final do exercício financeiro. Novas leis se somam a essa, incentivando a cultura da transparência no caso de promoções, aumentos salarias e recompensas. E, no caso de constatada a disparidade acima de 5% entre salários de homens e mulheres, sem justificativa objetiva, será necessária uma reavaliação da empresa com representantes dos trabalhadores. A meta é que a discriminação salarial por gênero, entre 5% a 20%, resulte em compensação judicial para a mulher trabalhadora e o ônus da prova será do empregador.
O que se pode notar é que apenas a mudança na legislação não eliminará a disparidade salarial de gênero, porque os desequilíbrios vão muito além do arcabouço legal, a despeito de as mulheres terem agregado muita experiência profissional e educacional nas últimas décadas. Mas isso piora à medida que as mulheres estruturam famílias, envelhecem ou trazem o elemento étnico-racial para a hora das contratações e das promoções.
O salário justo e equiparável entre mulheres e homens é uma meta e já há nos Estados Unidos o “Dia Nacional da Igualdade Salarial”, comemorado no último dia 24 de março, que marca o reconhecimento da questão e incentiva o debate sobre asdisparidades salariais de gênero, que precisa da conscientização social das corporações, das mulheres e dos homens para serem vencidas.
Tais Carmona é advogada, sócia e presidente do Comitê de D&I da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e Santamaria N. Silveira é jornalista, gerente de conteúdo e presidente do Subcomitê de Afrodescendentes da LBCA.
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