O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu os governos estaduais de cobrarem o tributo sobre doações e heranças de bens em casos que o proprietário more no exterior ou em caso de herança e inventários de bens situados em outros países.
Na definição dos efeitos da decisão, que foi publicada na noite de segunda-feira no site do Supremo, foi estabelecido que os estados não poderão mais cobrar este tipo de imposto nem contribuintes poderão pedir a restituição dos valores.
Porém, quem já tem ação na Justiça poderá ser ressarcido. O caso trata de uma disputa tributária que envolve bilhões de reais, que estava em diversas ações em cortes de todo o país.
— A decisão afasta a competência individual dos estados de tributar os ativos no exterior, evitando a bitributação entre os estados da Federação e entre estes e outras jurisdições estrangeiras — afirmou a advogada Gabriela Figueiras, sócia do Queiroz Cavalcanti Advocacia.
Ela continua:
— Enquanto isso, sem lei complementar, os contribuintes ficam assegurados que o seu patrimônio no exterior não será tributado no momento da sucessão e que doações efetuadas por não residentes estarão livres do tributo estadual.
Para o advogado Yun Ki Lee, sócio-fundador da LBCA Advogados, o STF tentou equilibrar a sua decisão e não punir totalmente os estados, que poderiam ter um grande prejuízo se a decisão fosse totalmente retroativa:
— Foi uma decisão salomônica, pois resguarda o contribuinte de não mais ser cobrado, os estados de pedidos de restituição e as ações judiciais em curso — afirmou Lee.
Das 27 unidades da federação, 22 têm leis prevendo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) quando o doador morar no exterior sobre bens localizados fora do país. Porém o STF afirmou que estas leis estaduais são inconstitucionais, pois a Carta de 1988 é clara em estabelecer que é necessário Lei Complementar para regulamentar esta cobrança.
Os ministros do STF discutiram que o imposto tem que ser instituído obrigatoriamente por lei complementar federal, ou se os governos estaduais podem fixar a cobrança por normas locais. Para a maioria, é necessário haver lei complementar, que ainda não existe.
A ação que foi julgada é de autoria do governo de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça do estado que afastou a incidência do ITCMD sobre a herança que uma mulher recebeu do pai, que morava na Itália.
Repercussão geral
O resultado tem repercussão geral — ou seja, o entendimento do Supremo deverá ser aplicado por juízes de todo o país na análise de processos semelhantes.
Para o advogado Alessandro Fonseca, da prática de Gestão Patrimonial, a inconstitucionalidade do tema — que os estados não poderiam tributar a transferência de bens oriundos do exterior— era clara já que havia uma lacuna nesse tema.
Embora o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) seja cobrado normalmente dentro do país, havia essa brecha legal para bens lá fora.
Yun Ki Lee, sócio-fundador da LBCA Advogados, afirma que o debate não para por aqui. Agora, os estados deverão pressionar pela aprovação de uma lei complementar sobre o tema:
— A constituição sempre foi muito clara sobre a necessidade de Lei Complementar nestes casos. Esta decisão do STF pode servir de incentivo para que o Congresso regulamente a questão — afirmou Lee. — É muito mais simples politicamente regulamentar este ponto que tentar aprovar um novo tributo.
Quando o doador mora no Brasil
Gabriela Figueiras, sócia do Queiroz Cavalcanti Advocacia, lembra que a decisão do STF vale para caso de herança de bens localizados no exterior ou quando o doador tenha residência fora no Brasil.
Nos casos em que há a doação efetuada por residente no país, mesmo de um bem no exterior, o tributo segue sendo cobrado.
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— Agora que há esta decisão do STF podemos ver pessoas que residam no exterior aproveitando para fazer doações de bens em vida, para evitar ter de fazer depois de, eventualmente, uma lei complementar regulamentar esta cobrança — disse a advogada.
No recurso da Procuradoria Geral de São Paulo, a estimativa é de uma perda de R$ 5,4 bilhões para o Estado neste ano. A PGE estima que de apenas uma família que briga na Justiça para não pagar imposto após transferências de bens no valor de R$ 48 bilhões, são R$ 2 bilhões de perdas.
No ano passado, o ITCMD rendeu aos cofres paulistas R$ 3,1 bilhões. Em São Paulo, há pelo menos 200 ações na Justiça de famílias — geralmente as mais ricas — para não pagar o imposto.
Secretaria tenta minimizar perda de receita
Em nota, a Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo informou que atuará no planejamento de operações que possam minimizar a perda de receita causada pela decisão.
Segundo a secretaria, a decisão do STF pode incentivar “sobremaneira a busca por planejamento sucessórios. Ainda, existe a possibilidade de crescimento de casos de simulação de residência fora do país. Logo, o impacto negativo na arrecadação do ITCMD pode ser bastante considerável”.
A secretaria informou que está estudando os impactos financeiros da decisão e empregará todos os recursos disponíveis para evitar fraudes, que poderão inclusive ter implicações no âmbito penal.
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