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Selic e a Súmula 54 do STJ: Questões e divergências

Selic e a Súmula 54 do STJ: Questões e divergências

A discussão sobre a aplicação da taxa Selic às dívidas civis que não possuem taxa estipulada ou convencionada

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça está em processo decisório, sob relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão[1], sobre a aplicação da taxa Selic às dívidas civis que não possuem taxa estipulada ou convencionada, sendo que o ponto central é a discussão sobre a artigo 406 do Código Civil.

Este artigo alterou o limite da taxa de juros, admitindo que esta fosse de, no máximo, igual àquela que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Todavia, a questão atinente ao limite de juros da Fazenda Nacional, por muito tempo se encontrou em discussão, tendo em vista que há duas formas de aplicação deste limite: pela aplicação da taxa Selic ou pela aplicação do artigo 161, parágrafo 1º do CTN (Código Tributário Nacional), que determina que, se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

Para parte da doutrina nacional, a taxa Selic padece de ilegalidade por compreender, além de juros, componente da correção monetária, de modo que corrigir a dívida e acrescer a ela os juros correspondentes à taxa Selic representaria dupla correção, com enriquecimento ilícito do credor[2].

O STJ, por sua vez, possui jurisprudência consolidada sobre este tema desde 2010, quando a Corte Especial julgou o tema em caráter repetitivo naquela ocasião[3]. Todavia, o contexto era diferente do atual, uma vez eis que a Selic à época estava em 13.75% e hoje está em 6,25%, muito próximo do IPCA de agosto de 2021, de 5,67%, oferecendo um ganho real muito próximo de zero.

Por tal motivo, o debate sobre a aplicação da Selic às dívidas civis que não possuem taxa estipulada tem ganhado corpo e pode vir a culminar no abandono desta taxa para outras modalidades de correção monetária e juros menos voláteis e mais previsíveis para a população. Esta volatilidade da taxa Selic tem como justificativa o seu uso como instrumento de política monetária do Banco Central para combate à inflação.

Diante deste debate, a Súmula 54 do STJ, a qual foi publicada em 01/10/1992, ainda sob a vigência do Código Civil de 1916[4] e tem como objeto a fixação do termo inicial (evento danoso) para a incidência dos juros de mora nos casos de indenização por dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual – prevista nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil de 2002 – também ganha destaque, uma vez que as futuras decisões sobre a aplicação da taxa Selic às dívidas civis que não tiveram previamente a estipulação de taxas de juros moratórios e compensatórios, atingirão todos os processos que possuem esta característica.

Evidentemente, ninguém discordaria que as obrigações indenizatórias derivadas de atos ilícitos também não fogem à regra de serem direitos de crédito, o que nos leva à conclusão de que a obrigação de indenizar é sinônimo de crédito indenizatório.

A redação “fica obrigado” do artigo 927 do Código Civil confirma este argumento por ser bastante clara no sentido de que a obrigação de indenizar nasce quando da ocorrência de um dano, onde o verbo “ficar” tem o significado de “passar a ser ou a estar [obrigado]; tornar-se [obrigado], o que denota o nascimento imediato da obrigação de indenizar a partir de seu fato gerador.

Por este sentido, é que o termo inicial da fluência dos juros de mora nas obrigações provenientes de ato ilícito se dá desde a data de sua ocorrência, conforme determina o artigo 398 do Código Civil e a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça; sendo ambos incompatíveis com a lógica de considerar existente o crédito tão somente na data de sua fixação por provimento judicial[5]. Anota-se recente julgado sobre este entendimento:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. QUESTÕES DE ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 283/STF. NÃO CABIMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 54/STJ. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Primeiramente, no tocante à divergência acerca do prazo prescricional, nota-se que o acórdão impugnado fez incidir o óbice da Súmula 283/STF. No entanto, são incabíveis Embargos de Divergência para discutir questões de admissibilidade, conforme orientação da Súmula 315/STJ. 2. No mais, em relação ao termo inicial dos juros moratórios, esta Corte Superior estende às causas que discutem danos morais a incidência da Súmula 54/STJ, a qual estipula o cômputo a partir da data do evento danoso. Nesse sentido: AgInt no AREsp. 1.366.803/PR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 28.5.2019; AgInt nos EREsp. 1.731.279/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 2.4.2019; EDcl nos EREsp. 903.258/RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 11.6.2015. 3. Agravo Interno da Empresa desprovido.

(STJ – AgInt nos EREsp: 1787199 DF 2018/0334057-6, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 27/10/2020, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 18/11/2020)

***

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. EXAMES DE HIV COM RESULTADO FALSO POSITIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO COM BASE EM PRECEDENTES DA CORTE. JUROS DE MORA CONTADOS A PARTIR DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Indenização por dano moral: R$ 20.000,00 (vinte mil reais). (aproximadamente 28 salários mínimos) (AgRg nos EDcl no REsp 1432319/PE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 04/11/2014)

Por outro lado, parte da doutrina entende que os termos da Súmula 54 do STJ não são aplicáveis para todos os fatos extracontratuais. Arnaldo Rizzardo afirma que se não decorre a obrigação de evento delituoso, embora de fato extracontratual, inicia-se da citação[6].

A partir deste raciocínio, há entendimentos divergentes da Súmula 54 quando se está diante de uma obrigação extracontratual que pode ter relação direta ou indireta com uma relação contratual ou quando se tratar de beneficiário diverso daquele que tenha sofrido o dano, como no julgado infra[7]:

“Administrativo – Responsabilidade civil do Estado – Indenização – Acidente de trânsito – Juros moratórios – Incidência a partir do efetivo desembolso do valor pago – Súmula 54 (MIX\2010\1307)/STJ – Inaplicabilidade. 2. Afasta-se a incidência da Súmula 54/STJ já que o pagamento da indenização será feito à empresa seguradora e não ao particular que efetivamente sofreu o dano. Assim, os juros moratórios só devem incidir a partir do momento do efetivo desembolso do valor pago ao segurado, sob pena de se caracterizar enriquecimento ilícito da seguradora. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido”. (STJ, REsp 515.187/RS, 2.ª T., j. 05.12.2006, rel. Min. João Otávio Noronha)

Outro exemplo de relativização da aplicabilidade dos termos da Súmula 54 do STJ ocorre quando, na responsabilidade civil extracontratual, houver a fixação de pensionamento mensal. Neste caso, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento de cada prestação, e não da data do evento danoso ou da citação[8].

Se a condenação for por responsabilidade extracontratual e o magistrado fixar pensão mensal, neste caso, sobre as parcelas já vencidas incidirá juros de mora a contar da data em que venceu cada prestação. Sobre as parcelas vincendas, em princípio não haverá juros de mora, a não ser que o devedor atrase o pagamento, situação na qual os juros irão incidir sobre a data do respectivo vencimento. STJ. 4ª Turma. REsp 1.270.983-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/3/2016 (Informativo STJ – 580).

Desta forma, assim como aprendemos nas primeiras aulas de direito que a sociedade caminha mais rápido que o direito a lei, observamos que o entendimento sumulado, apesar de servir como forma de garantia de uma interpretação jurídica uniforme e reveladora de um entendimento sobre uma questão jurídica, nem sempre é a solução única para diversas situações que se apresentam ao Judiciário.

Desde 2010 até hoje, observa-se que os termos do artigo 398 e da Súmula 54 do STJ ainda possuem aplicabilidade para diversos casos para definição da aplicação dos juros nos casos em que não há estipulação de taxa nem do termo inicial, valendo-se a data do evento danoso. Todavia, a regra comporta exceções como as que vimos diante do parcelamento de obrigações de pagar ou quando há diferimento quanto ao credor da obrigação, conforme julgados mais recentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, que pode inovar mais uma vez ao não só diferir os modos de fixação dos termos iniciais, mas também ao mudar o paradigma de atualização, substituindo a Selic pelos termos do artigo 161, parágrafo 1º do CTN.

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[1] REsp 1.081.149 e REsp 1.795.982

[2] BDINE Jr. Hamid Charaf, Código Civil Comentado, Coord. Min. Cesar Peluso, São Paulo, Ed. Manole, 2017, p. 401

[3] STJ, R.Esp. n.º 1.111.117/PR, Corte Especial, rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 02/06/2010, Dje. 02.09.2010)

[4] https://www.migalhas.com.br/depeso/210736/os-juros-moratorios-e-as-indenizacoes-por-dano-moral

[5] ITAGIBA, Sérgio Ulpiano K. I.; CRÉDITOS INDENIZATÓRIOS E A SUA EXISTÊNCIA PARA FINS DE SUJEIÇÃO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL; Revista de Direito Recuperacional e Empresa | vol. 14/2019 | Out – Dez / 2019 | DTR\2019\42475

[6] RIZZARDO Arnaldo, JUROS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002; Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 22/2003 | p. 53 – 77 | Out – Dez / 2003 | DTR\2003\507

[7] TEPEDINO, Gustavo- RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE AÉREO, Soluções Práticas – Tepedino | vol. 1 | p. 353 – 376 | Nov / 2011 | DTR\2012\411

[8] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 54-STJ. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/540393ae7f8b7a7fd6cdf47250b05679>. Acesso em: 05/10/2021

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