Com o recente registro do maior crime contra grandes felinos no Brasil: a descoberta em uma casa na pequena Curionópolis (PA) de pelos menos 19 restos de onças; torna-se ainda mais preocupante a proteção aos animais silvestres, ameaçados de extinção, no Brasil. Anteriormente, já havia causado comoção o episódio isolado da morte de uma onça durante cerimônia de revezamento da tocha olímpica, em Manaus. A resposta veio da parte do Ministério Público Federal, que ingressou com Ação Civil Pública na Justiça contra o Exército brasileiro para ressarcir pelo sacrifício de um animal silvestre, ainda hoje utilizado como mascote de tropas na região amazônica, e que foi abatido com um tiro de pistola.
Não são as onças que correm riscos. Ao fazer parte da equipe que elaborou o EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) para concessão do aeroporto de Brasília, me deparei com o caso de um lobo-guará, que foi atropelado por uma passageira na pista, em direção à área de embarque. O animal foi submetido a duas cirurgias antes de ser reintroduzido na natureza, porque a primeira foi mal-sucedida e deixou a pata do animal torta. O tratamento ficou à cargo da Infraero, então responsável pela administração do aeroporto, e acompanhado pelo IBRAM (Instituto Brasília Ambiental) e pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), pois, nesse caso, entendeu-se que a empresa à frente da gestão do aeroporto deveria ter tomado cuidados para evitar o acidente, como, por exemplo, sinalizando as vias de acesso a fim de alertar os motoristas sobre a possibilidade de um animal silvestre cruzar a pista, a fim de que dirigissem com cautela.
O leitor poderia se perguntar: o que um lobo-guará estava fazendo no meio da pista que dá acesso ao aeroporto? O aeroporto de Brasília foi inaugurado na década de 50 e, naquela época, como todos sabem, a cidade foi planejada e não havia áreas protegidas ao seu redor. Contudo, em 1986, foi criada, por decreto do Poder Público, a APA – Área de Proteção Ambiental Gama e Cabeça de Veado para proteção do bioma Cerrado. O decreto definiu os limites da área e, por incrível que pareça, incluiu o aeroporto dentro da APA. O aeroporto poderia ter ficado do lado de fora da APA, o que seria mais lógico, mas isso não foi feito na época e só passou a ser exigido com a edição da Lei 9.9 85/00 (Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza – SNUC). Nos termos da legislação atual, seria praticamente inviável instalar um aeroporto, que é um empreendimento de grande impacto ambiental, dentro de uma unidade de conservação.
Nessa situação atípica, o aparecimento de animais silvestres nas imediações do aeroporto é mais requente do que o desejado. O risco, inclusive de choques entre aeronaves e aves, é tão presente, que, por exigência dos órgãos ambientais, a Infraero teve que implantar um Centro de Triagem de Animais Silvestres, para onde deveriam ser direcionados os animais resgatados nas imediações do aeroporto, e essa obrigação foi formalizada como a condicionante 1 da Licença de Operação n.º 115/2007, emitida pelo IBRAM para a Infraero em 12.07.2007, permitido a operação da 2ª ; pista de pouso e decolagem.
Caso o Poder Público tivesse criado uma área de proteção ambiental mais distante de um aeroporto que já havia sido construído 30 anos antes, a preservação da fauna não seria mais eficaz? Situações como essas evidenciam que as políticas públicas para proteção da fauna brasileira estão distantes de serem eficientes.
Os animais são seres sencientes, ou seja, são capazes de sofrer ou sentir alegria. Até mesmo o entendimento dos tribunais tem evoluído e diferenciado casos de evidentes maus tratos (caça e tráfico de animais silvestres) de, por exemplo, casos de posse sem autorização de papagaios, reconhecendo o vínculo afetivo entre o animal e seu dono. Quando poderemos esperar que o Poder Público reconheça o mesmo e passe a agir para garantir de forma eficiente no sentido de proteger nossa fauna?