O movimento de modernização regulatória no setor de alimentos busca atualizar e simplificar as regulamentações existentes para tornar o processo de registro de alimentos mais eficiente, sem comprometer a segurança dos alimentos, mas, para isso, faz-se necessária a adoção de abordagens baseadas em ciência, análise de risco e colaboração entre autoridades regulatórias e a indústria alimentícia.
A regulamentação atual dos procedimentos de registro de novos alimentos e ingredientes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi desenvolvida no final da década de 1990 e deu origem à RDC nº 16/1999, que estabelece os procedimentos para o registro de alimentos e novos ingredientes no país. No entanto, esta regulamentação tem sido alvo de críticas devido à sua rigidez e falta de flexibilidade para lidar com diferentes produtos alimentares.
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Embora essa regulamentação tenha sido um importante marco na proteção da saúde dos consumidores e na garantia da segurança dos alimentos, as empresas do setor têm apontado a necessidade de modernização dessas normas. Isso porque a regulamentação dificulta a inovação no setor e não permite tratamento proporcional ao risco dos respectivos produtos, levando em conta, inclusive, a atuação internacional.
Entre os objetivos do movimento de modernização regulatória, destacam-se: melhorar a eficiência e a transparência no processo de registro de alimentos, reduzir custos e tempo de desenvolvimento de novos produtos alimentícios, promover a inovação e a concorrência no setor alimentício, fortalecer as medidas de segurança de alimentos e facilitar o comércio internacional de alimentos.
Acompanhando esse movimento, a Anvisa, por sua vez, reconheceu essa demanda e incluiu a matéria em sua agenda regulatória para os anos de 2017 a 2020 e a manteve na agenda de 2021 a 2023. E, em abril de 2023 foi concluída a análise para a Consulta Pública 1.158/23, que abriu para contribuições no período de 3 de maio e 31 de julho, rumo a um novo marco, que definirá os contornos regulatórios facilitando a inovação e a manutenção da competitividade no setor.
Apesar do assunto já tramitar na Anvisa desde 2019, a publicação do Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR) somente aconteceu em fevereiro deste ano.
Sob condução da Gerência de Avaliação de Risco Eficácia e (GEARE) da Gerência Geral de Alimentos (GGALI), o AIR foi elaborado com a finalidade de dar suporte ao processo de revisão da RDC16/1999.
Que até então regula o registro de alimentos ou novos ingredientes, definidos como aqueles sem histórico de consumo no país ou aqueles com substâncias já consumidas, mas que venham a ser adicionadas ou utilizadas em níveis muito superiores aos atualmente observados na alimentação, não abrangendo, portanto, os aditivos alimentares e os coadjuvantes de tecnologia, para os quais se utilizam procedimentos legais específicos para a avaliação de risco e para a autorização do uso em alimentos
(Voto 88/2023/SEI/DIRE2/Anvisa).
Com a análise, identificou-se que a regulação dos novos alimentos e ingredientes está ultrapassada e possui lacunas que não permitem um tratamento proporcional ao risco dos produtos, o que pode resultar em barreiras desnecessárias para a comercialização de novos produtos e ingredientes no mercado, além da insegurança jurídica.
Como objetivo geral, a modernização da regulação pretende atuação em pré-mercado desses novos alimentos e ingredientes, para garantir um tratamento proporcional ao risco à saúde, observando a natureza, a composição, o histórico e condições de uso destes produtos, aumentando a convergência internacional e tornando eficiente a atuação da Anvisa.
Já como objetivo específico busca-se:
a) fornecer maior clareza e objetividade ao conceito legal de novos alimentos e novos ingredientes;
b) definir procedimentos para avaliação, regularização e gerenciamento do risco que sejam coerentes, transparentes e proporcionais aos riscos dos diferentes tipos de novos alimentos e novos ingredientes, e em linha com o cenário internacional;
c) aumentar a previsibilidade sobre a conclusão dos procedimentos para avaliação de risco e regularização de novos alimentos e novos ingredientes, conforme dispõe o voto nº 88.
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Visando atender essa nova demanda, a GGALI analisou a legislação nacional e marcos regulatórios de autoridades estrangeiras da União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos.
Os estudos internacionais demonstram que os países que adotam abordagens regulatórias similares buscam melhorias para reduzir as incertezas sobre o enquadramento dos novos produtos, permitindo uma maior previsibilidade sobre os critérios para definição, avaliação e autorização, conforme tipo e risco. Com base nesses estudos, indicaram a necessidade de um novo marco regulatório para atualização de novos alimentos e ingredientes, dando origem à Consulta Pública 1.158/23.
Há que se levar em conta alguns aspectos fundamentais dispostos na Consulta Pública 1.158/23, como a escolha de autoridades estrangeiras para a convergência regulatória; a divisão de competências com o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA); a publicização de consultas sobre a classificação dos produtos; e medidas não normativas para auxiliar o cumprimento de requisitos normativos e conferir maior transparência e eficiência ao processo de avaliação e regularização dos novos ingredientes e alimentos.
Nos termos do Voto nº 88, ocorrido na 5ª Reunião Ordinária Pública de 12 de abril de 2023, a União Europeia e países como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos foram expressamente escolhidos, pela disponibilidade das informações e dos documentos na língua inglesa nos sítios eletrônicos das Autoridades Reguladoras. No entanto, não há informação de análise de questões desafiadoras enfrentadas na prática por esses países, em comparação às do Brasil, apenas a análise dos atos regulatórios.
Com relação aos produtos de competência do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a CP 1.158/2023 traz a proposta de que devem ser incluídos em instrução normativa da Anvisa somente após a anuência do próprio MAPA.
No tocante à publicização, dispõe que a Anvisa pode rever os procedimentos para regularização e critérios para publicização de informações não confidenciais dos seus pareceres.
Por último, mas não menos importante, as medidas não normativas complementares sugeridas na CP têm o viés de dar suporte para possibilitar o cumprimento dos requisitos normativos, conferindo mais eficácia e transparência ao processo de avaliação e regularização dos novos produtos.
Tal feito alcançado até o momento pelo movimento da modernização regulatória evidencia a necessidade de inovação para o setor alimentício acerca da norma atual, pois a Anvisa, além de atender a demanda, apurou de forma geral e específica as questões que abrangem esse marco, assegurando que essa inovação não deve comprometer a segurança dos alimentos e que estes padrões de segurança devem continuar sendo rigorosos e seguidos para garantir alimentos seguros.
Fato é que, com a abertura da CP1.158/2023, a Anvisa dá um grande passo para o andamento desse processo de inovação regulatória, amplamente defendida e esperada por muitos interessados do setor, que agora conta com a participação ativa do mercado para esse marco tão importante para o segmento de alimentos.
Referências:
[1]Resolução nº 16, de 30 de abril de 1999, referente aos procedimentos de registro de novos alimentos e ingredientes; Resolução nº 17, de 30 de abril de 1999, que estabelece as diretrizes para avaliação de risco e de segurança de alimentos. Disponível em:http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/%281%29RES_16_1999_COMP.pdf/4bf63dcb-722b-4b77-849c-9502f544ff49. Acesso em 10/05/2023.
[2] ANVISA. Novos alimentos e ingredientes: Documento de base para discussão regulatória (julho/2020). Disponível em:
http://antigo.anvisa.gov.br/documents/33880/5833856/Documento+de+base+sobre+novos+alimentos. Acesso em 11/05/2023.
[3] ANVISA. Diretoria Colegiada – Dicol Reunião Ordinária Pública Disponível em:
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/pautas/2023/pauta-da-4a-reuniao-ordinaria-publica-de-29-de-marco-de-2023. Acesso em 11/05/2023.
[4]ANVISA. Consulta Pública n° 1.158, de 24 de abril de 2023 – DOU de 26/04/2023. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6582266/CONSULTA+PUBLICA+N+1158+GGALI.pdf/ab969721-11ed-420d-97a3-bb488ef821c5. Acesso em 15/05/2023.
[5] ANVISA. Relatório de Análise de Impacto Regulatório sobre a modernização do marco regulatório, fluxos e procedimentos para novos alimentos e novos ingredientes. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6582266/Relat%C3%B3rio+de+AIR+Novos+Alimentos.pdf/fdc2f762-15a9-4811-a9ea-cc92add0ddce
[6] Voto nº88 – Processos Deliberados na 5º Reunião Ordinária de 12/04/2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/votos/2023/copy3_of_rop-5.2023/2-4-3.pdf. Acesso em 15/05/2023.
[7] Processos Deliberados na 5º Reunião Ordinária de 12/04/2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/processos/2023/copy8_of_processos-deliberados-na-5a-reuniao-ordinaria-de-12-de-abril-de-2023
Getlaine Coelho Alves é advogada, sócia da Lee, Brock e Camargo Advogados, graduada pela Universidade Nove de Julho. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Especialista em Direito do Consumidor pelo Centro Universitário FMU. Especialista Compliance pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialista em LGPD e especializanda em Direito Digital e Inteligência Artificial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC).