O ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) neste final de ano entra em uma fase que podemos denominar de “resiliente” em termos globais e corporativos diante da série de mudanças geopolíticas, econômicas, de conformidade legal e do mercado de capitais.
A frase do economista e banqueiro canadense Mark Carney, que ficou famosa, parece se cumprir: “Vocês são a primeira geração de investidores a entender como incluir os riscos climáticos, mas também são a última geração que pode fazer algo para mitigar os riscos climáticos”. O comentário contém os ditames para impulsionar ou impor limitações ao ESG.
O conceito de resiliência é polissêmico. No dicionário, o significado está ligado à capacidade de um corpo retornar à sua forma original depois de um stress/deformação.
Cientificamente, a resiliência pode ser considerada um conceito de “fronteira”, ao oferecer grande flexibilidade de interpretação e permitir compartilhar diversos entendimentos entre diferentes comunidades epistemológicas; assim como pode ser entendida como um conceito “ponte”, isto é, permite estabelecer entendimento entre diferentes práticas de pesquisas transdisciplinares.
Em suma, é considerada por vários teóricos como um conceito que se assemelha a uma ferramenta que permite viabilizar diferentes trajetórias diante de incertezas, por isso mesmo cabe ao ESG como luva neste momento.
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No plano global, sem entrar no julgamento de mérito que envolve a questão, o ESG sofre um revés com o adiamento por um ano da aplicação da regulamentação ambiciosa do EUDR (Regulamento de Desmatamento da União Europeia) pela Comissão Europeia, de 30 de dezembro de 2024 para 30 de dezembro de 2025.
O adiamento ocorreu após reclamação de inúmeros países – inclusive o Brasil – de que seria impossível para as empresas cumprirem os requisitos de due diligence na cadeia de suprimentos de sete commodities (carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira), especialmente quanto à verificação de rastreamento da produção para verificar se está livre de desmatamento e em conformidade com a legislação do país de origem.
O EUDR surgiu para assegurar que produtos comercializados na União Europeia, que chegam à casa e à mesa dos europeus, não sejam provenientes de áreas desmatadas, sinalizando uma forma prática de combate às mudanças climáticas.
O Parlamento Europeu também propôs categorias de países, na escala de risco zero, baixo, padrão e alto. Esse benchmarking do ranking de países ainda deve ser concluído até junho de 2025 e o Brasil dificilmente obterá classificação favorável. Quanto mais baixo o perfil de risco, mais simplificada será a due diligence e certificações necessárias para satisfazer o EUDR.
Um exportador para a União Europeia somente seria considerado originário de país sem risco na esfera do EUDR em três casos: quando o desenvolvimento da área de floresta estiver estável ou não apresentar aumento comparativamente a 1990; se o país do exportador tiver assinado o Acordo de Paris e convenções internacionais sobre direitos humanos e prevenção do desmatamento (não especificadas) e se as regulamentações contra desmatamento e conservação são aplicadas e monitoradas nacionalmente.
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A União Europeia divulgou FAQs (perguntas e respostas mais frequentes) e o Guidance Document, com conceitos-chave que vem auxiliando os exportadores a tirar dúvidas sobre definições e execução do EUDR.
As empresas vinham criticando que a lei antidesmatamento não trazia detalhamento sobre os KPIs (indicadores-chave de desempenho), além de estabilidade e crescimento de áreas florestais, dentre outros temas. O prazo ampliado da EUDR permitirá às companhias ganhar tempo para viabilizar a rastreabilidade, com coordenadas de GPS, de suas cadeias de suprimentos.
Na esfera norte-americana, o impacto que o governo do presidente eleito Donald Trump terá sobre o ESG ainda não pode ser mensurado. Porém, há quatro pontos com possibilidades de possíveis retrocessos. Inicialmente, há forte expectativa de desaceleração da política climática na administração trumpista, que pode levar a uma nova saída dos EUA do Acordo de Paris, como aconteceu na primeira gestão Trump.
Para a jornalista ambientalista Elizabeth Kolbert, nessa segunda oportunidade pode ser pior se os EUA se retirarem também do tratado da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, origem do Acordo de Paris, ratificado pelo Senado dos EUA. Seria uma saída sem volta porque precisaria do apoio de 2/3 daquela Casa legislativa, de maioria republicana, para retornar.
No próximo ano, também pode tomar corpo a ausência dos EUA na mesa de negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será em Belém do Pará, com uma pauta fundamental sobre financiamento e cumprimento das Convenções-Quadro do Clima.
Na COP29, realizada neste ano em Baku (Azerbaijão), foi proposto um financiamento de US$ 300 bilhões para que países menos desenvolvidos consigam responder aos impactos das mudanças climáticas. O montante foi considerado irrisório, pois deveria ser de, no mínimo, US$ 1 trilhão/ano.
Nessa equação, ganha importância a posição de descrédito da administração Trump diante do ESG. As empresas norte-americanas podem sofrer campanhas para reduzir ou encerrar seus programas de Diversidade, Equidade e Inclusão, o que Trump já prometeu fazer no âmbito da administração federal.
Nesse tipo de ofensiva, as regras para divulgação climática da SEC (Securities and Exchange Commision) não devem avançar, embora já estejam sofrendo questionamentos na Justiça, especialmente a chamada regra climática e de divulgações climáticas, que envolve a obrigação de as empresas relatarem emissões de escopo 1 e 2.
A SEC abriu mão da divulgação de Escopo 3. Nos tribunais, as companhias questionam que a SEC excedeu sua autoridade estatutária ao definir regras relacionadas ao clima. Ela estaria limitada a exigir relatórios para informação e proteger os investidores.
Há outros fatores indiretos que servem de contrapeso na balança do ESG norte-americano, como a nomeação de Lee Zeldin para a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA). Advogado, parlamentar e ex-candidato derrotado a governador da Nova York em 2022, ele não teria credenciais ambientais ideais. Na verdade, sua missão seria cortar recursos da EPA e impedir restrições à indústria de combustíveis fósseis. Com essa meta, a EPA pode rever as regulamentações ambientais estabelecidas durante a era Biden, consideradas um avanço.
Também se espera que tenha lugar uma “guerra ESG estadual dentro dos Estados Unidos”, onde estados governados por republicanos devem flexibilizar regulamentações ambientais e sociais; enquanto estados liderados por democratas devem ampliar a legislação ESG, como já faz a Califórnia. Para evitar essa polarização, as empresas terão de investir nas comunicações ESG para evitar que sejam mal-interpretadas.
Contudo, as empresas norte-americanas que fazem negócios com a União Europeia não poderão ignorar a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), que começa a valer no próximo ano, com base no ano fiscal de 2024.
São cerca de 50 mil empresas europeias e 10 mil estrangeiras, com filiais ou subsidiárias com faturamento líquido de US$ 165,3 milhões na UE ou com ações e títulos listados no mercado europeu. A divulgação do relatório é obrigatória e pretende construir um cenário padronizado de riscos, impactos e oportunidades ESG.
No âmbito das corporações, os desafios ESG são inúmeros e há gestores “queimando seus navios”. Há séculos, os grandes conquistadores queimavam seus navios ao chegar a uma terra a ser conquistada, de Agátocles de Siracusa a Hernán Cortés no México, para avisar sua tripulação que não haveria volta possível.
Em muitas corporações, pode haver um aviso inconteste de que a única rota possível é seguir adiante, não há possibilidade de voltar atrás no caso da adoção de estratégias ESG. Como bem diz São Tomás de Aquino, “se a meta principal do capitão fosse preservar o barco, ele o manteria no porto”.
Em meio a uma resiliência presente no cenário ESG no futuro próximo, o Brasil segue sua jornada própria, sendo que o Ministério da Fazenda abriu consulta pública sobre a Taxonomia Sustentável Brasileira na plataforma Participa+Brasil, em duas fases. Na primeira, até 31 de janeiro de 2025, é possível enviar sugestões sobre os critérios metodológicos e indicadores de desempenho para mitigação, impactos ambientais, equidade de gênero, etnia-raça e Monitoramento, Relato e Verificação (MRV). Na segunda fase, de 1 de fevereiro a 31 de março, será possível encaminhar sugestões de limites técnicos, critérios para adaptação às mudanças climáticas e salvaguardas setoriais.
Em paralelo, o grande projeto que o Brasil vem estruturando para estar operacional na COP30 é o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), uma espécie de fundo garantidor de crédito, para implantação em escala global. Pretende atrair a adesão de países com florestas tropicais e de grandes investidores para captar recursos ( US$ 125 bilhões) visando manter florestas em pé.
O pagamento a quem mantiver ou recuperar áreas florestais degradadas será feito com base em imagens de satélite, um critério simples e objetivo. As florestas ficam com a diferença entre os rendimentos e o excedente obtido pelo fundo.
Nesse caldo de expectativas e contradições, as reações pró-ESG estão vindo de organizações não governamentais, que também sabem ser resilientes, e atuam em prol de uma transição para uma economia de zero carbono justa e sustentável, que defenda melhores práticas para mitigar os riscos das mudanças climáticas, fomentando o engajamentos de empresas.
Isso passa pela elaboração de planos de transição climática com metas e práticas, divulgadas publicamente, planejamento estratégico e sustentabilidade integrada aos negócios. Tudo isso irá ajudar a moldar o futuro do ESG, como sendo mais ou menos resiliente.
Yun Ki Lee
Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito