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Nem todo consumidor é protegido da mesma forma

Nem todo consumidor é protegido da mesma forma

Consumidor é toda pessoa física, “inclusive a negra”, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, “discriminar ou perseguir um consumidor no estabelecimento comercial, em razão” de sua etnia.

Por óbvio, tais disposições não se encontram redigidas nesses termos, nos artigos 2º e 6º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Contudo, se o legislador tivesse que editar as normas protetivas das relações de consumo, nos dias atuais, provavelmente de que se preocupar com tamanha acuracidade no regramento criado. O embasamento que leva a esta conclusão encontra guarida em reiterados episódios – passados e recentes – que permeiam nosso cotidiano.

Em agosto de 2009, o vigilante Januário Alves Santana foi espancado no interior de um conhecido supermercado, em Osasco (SP). Ele estava dentro de seu veículo, quando foi abordado de forma truculenta e desmedida pelos seguranças, no estacionamento do estabelecimento. Passados mais de 11 (onze) anos, em plena véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte em Porto Alegre (RS), dentro do estacionamento de outra unidade, dessa mesma rede de supermercados mencionada.

Outro conhecido episódio ocorreu em fevereiro de 2011, no interior de outro famoso supermercado. Clécia Maria da Silva, à época com 56 anos, foi constrangida na frente de outras pessoas pelo segurança, que revistou a bolsa da consumidora e proferiu palavras de cunho discriminatório. Logo em seguida ao episódio, a consumidora foi encaminhada ao hospital com crise de hipertensão, permanecendo internada sob observação por algumas horas, antes de ser liberada.

Recentemente, em agosto de 2020, o cake designer Bernardo Marins divulgou ter sido perseguido e ofendido em um supermercado local por um segurança, o que motivou o registro da ocorrência em uma delegacia especializada em investigação de crimes raciais e delitos de intolerância.

Além do evidente preconceito contra o consumidor negro como pano de fundo, nos casos mencionados acima, observa-se também que todos os estabelecimentos comerciais envolvidos acabaram por se comprometer em adotar políticas internas para evitar a reiteração das situações ocorridas, contudo, sem um plano de ação
convincente e eficaz.

Os recorrentes casos de discriminação racial envolvendo os consumidores negros, levam a crer que, decorridos mais de 30 (trinta) anos de vigência do CDC, o consumidor negro ainda se encontra numa grave posição de hipossuficiência estrutural, nas relações de consumo. Em outras palavras, há uma situação de
desvantagem demasiada deste grupo de consumidores, em relação aos demais, como reflexo direto do racismo estrutural brasileiro.

Não por outro motivo, em 2019 o Procon de São Paulo divulgou os resultados de um levantamento realizado com 1.659 consumidores, demonstrando que 55,15% dos entrevistados relataram ter sofrido algum tipo de discriminação, enquanto consumidor, sendo que 119 dos 182 participantes que se declararam negros (65,38%), informaram ter sido discriminados. Logo, os entrevistados negros foram os que mais sofreram atos discriminatórios. Significa dizer: nem mesmo a Lei Estadual de São Paulo, Nº 14.187/2010, que já prevê punições administrativas decorrentes deste tipo de conduta para pessoas jurídicas, têm surtido o efeito esperado.

Neste sentido, ainda que o respeito à dignidade, saúde e segurança seja preceito basilar da política nacional das relações de consumo, na forma do art. 4º do CDC, em termos práticos se tem pouca notícia sobre efetiva coibição e repressão administrativa, em relação às práticas abusivas especificas de desrespeito ao consumidor negro.

Por outro lado, é justo reconhecer que de certa forma, o Poder Judiciário tem enfrentado o tema, reconhecendo a existência do dever de indenizar consumidores, vítimas de discriminação racial: espalhados pelo país, surgem exemplos de indenização por abordagem discriminatória em instituição bancária[1], supermercado[2], hotel[3] e ainda, em lanchonete[4]. Mas, a média do valor dessas indenizações não ultrapassa 20 (vinte) salários mínimos, o que pode resultar no descaso quanto ao contínuo desrespeito ao consumidor negro.

Dado o cenário, é possível identificar que a ausência da efetiva repressão Estatal aos atos mencionados, nas relações de consumo envolvendo a figura do consumidor negro – independente das condutas terem sido cometidas por colaboradores, prepostos ou terceirizados dos estabelecimentos comerciais – acaba por gerar um
ambiente propício à reiteração de novos incidentes.

Mais do que isto, acaba por incentivar movimentos paralelos que pretendem, bem ou mal, desempenhar o papel de garantia dos direitos humanos e por vezes, sancionatório, nesta medida: são os protestos gerados nas redes sociais contra as marcas, sempre que situações discriminatórias no mercado de consumo acabam por ser divulgadas, pelos usuários.

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