A lei no 14.90511, sancionada em 28/6/24, promoveu significativas alterações no Código Civil Brasileiro2, com foco em temas essenciais para a dinâmica financeira das relações contratuais, como a atualização monetária e a definição de juros. Com a revisão dos artigos relacionados a inadimplementos, contratos e obrigações financeiras, a nova legislação buscou modernizar o arcabouço jurídico, alinhando-o às práticas econômicas contemporâneas e ampliando a previsibilidade e a transparência nos acordos e nas operações financeiras.
A lei entrou em vigor na data de sua publicação no que tange à aplicação imediata da nova metodologia de cálculo da taxa legal. Os demais dispositivos passaram a ter eficácia 60 dias após a publicação, ou seja, a partir de 27/8/24.
Principais alterações
Uma das principais mudanças introduzidas pela lei 14.905/24 é a inclusão de regras claras para a correção monetária e os juros em casos de inadimplemento do art. 389 do Código Civil. A nova redação determina que, além de perdas e danos, o devedor deverá arcar com juros, atualização monetária e honorários advocatícios. A atualização monetária será calculada com base no IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, exceto quando houver previsão contratual em contrário.
Antes da promulgação da nova lei, o Código Civil não estipulava com clareza o índice a ser utilizado para a correção monetária, o que gerava insegurança jurídica e variações nos entendimentos judiciais. A adoção do IPCA como índice padrão garante maior uniformidade, protegendo os credores da desvalorização monetária e assegurando que as dívidas mantenham seu valor real ao longo do tempo, refletindo adequadamente a inflação.
O art. 406, que trata da taxa de juros aplicada na ausência de previsão contratual, foi alterado pela nova legislação. A partir da vigência da lei, os juros legais serão fixados com base na taxa referencial do Selic – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, descontado o índice de atualização monetária mencionado no art. 389, ou seja, o IPCA. A inovação mais relevante dessa alteração é a previsão de que a taxa de juros legal não poderá ser negativa. Nos casos em que a taxa Selic, após o desconto do IPCA, resulte em um valor negativo, a taxa será considerada igual a zero. Isso protege os credores de uma eventual desvalorização de suas dívidas, ao mesmo tempo que impede a aplicação de juros, indevidos aos devedores.
Outra alteração importante se deu no art. 418, que regula as arras nas obrigações contratuais. Agora, em caso de inexecução do contrato, a parte que deu as arras pode exigir sua devolução, acrescida de correção monetária, juros e honorários advocatícios, desde que a inexecução tenha sido causada pela parte que recebeu as arras. Essa mudança reforça a segurança jurídica para a parte que entregou as arras, garantindo não apenas a devolução, mas também a compensação adequada pela eventual demora na devolução ou pela inflação, preservando o valor real das arras e assegurando uma justa reparação pelos custos processuais.
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A nova lei ainda modificou o art. 591, que trata dos contratos de mútuo (empréstimo) destinados a fins econômicos. A nova redação presume que esses contratos incluem juros, mesmo que não haja pacto expresso nesse sentido. Acaso a taxa de juros não seja estipulada pelas partes, serão aplicados os juros legais estabelecidos no art. 406, o que corrige uma lacuna que existia nas operações de crédito entre particulares, garantindo que o mutuante receba uma remuneração justa pelo capital emprestado, mesmo quando não há acordo explícito sobre a taxa de juros.
Abordou também o setor de seguros, promovendo alterações no art. 772. Agora, em caso de mora do segurador no pagamento do sinistro, ele será obrigado a pagar a quantia devida com correção monetária e juros moratórios. A alteração visa proteger o segurado contra eventuais atrasos no recebimento da indenização, assegurando que o valor devido seja atualizado adequadamente e que o segurador cumpra suas obrigações tempestivamente.
Outro ponto a destacar foi a revogação das normas do decreto no 22.626, de 7/4/33, a conhecida lei da usura3, para relações jurídicas específicas, como contratos entre pessoas jurídicas, títulos de crédito e operações reguladas pelo Banco Central do Brasil. Essa exclusão moderniza o regime jurídico brasileiro, eliminando restrições ultrapassadas e facilitando o desenvolvimento de operações de crédito e financiamento em condições mais competitivas, adequadas à realidade econômica atual.
Além disso, o art. 3º, § 4º da lei 14.905/24 determina que o Banco Central do Brasil deve desenvolver uma ferramenta interativa para a simulação da taxa de juros legal. Inovação que permitirá que cidadãos e empresas calculem o impacto das taxas em situações do dia a dia, promovendo maior acessibilidade e transparência nos cálculos relacionados aos juros.
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Desde a entrada em vigor da lei, em 27/8/24, os juízes começaram a aplicar as novas disposições em suas sentenças, especialmente em casos de inadimplemento de obrigações contratuais e financeiras. As decisões judiciais já refletem a adoção das novas regras, como a correção monetária pelo IPCA e a aplicação dos juros com base na Selic, o que contribuirá para a consolidação de uma jurisprudência mais uniforme e previsível.
Apesar de a lei ser recente, há exemplos de casos práticos, como ações cobrança de dívidas contratuais, execução de títulos de crédito, contratos de mútuo e demandas de seguro, onde as novas disposições estão sendo aplicadas. Isso evidencia uma tendência de uniformização e clareza na aplicação dos índices de correção e taxas de juros, o que fortalecerá a eficácia da legislação ao longo do tempo.
Conclusão
A lei 14.905/24 representa um marco ao atualizar o Código Civil brasileiro, especialmente no que se refere à correção monetária e à fixação de juros em casos de inadimplemento. Ao instituir o IPCA como índice de correção monetária e a taxa Selic como base dos juros legais, a legislação trouxe maior segurança jurídica, eliminando as incertezas que anteriormente permeavam as decisões judiciais.
Ainda, ao revogar parcialmente a lei da usura, a nova norma moderniza o tratamento das relações contratuais e financeiras, ajustando-as à realidade econômica atual. Com a inclusão de mecanismos que asseguram a manutenção do valor real das dívidas e contratos, a lei fortalece a transparência e previsibilidade nas transações, favorecendo tanto credores quanto devedores. A aplicação consistente dessas regras nas decisões judiciais tende a uniformizar a jurisprudência, promovendo um ambiente jurídico mais equilibrado para todas as partes envolvidas. O contínuo da jurisprudência será essencial para observar a consolidação dessas mudanças nos tribunais.
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1 Lei no 14.905, de 28 de junho de 2024. Altera o Código Civil, dispondo sobre a atualização monetária e a definição de juros nas obrigações de inadimplemento. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 jun. 2024. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023- 2026/2024/lei/l14905.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.905%2C%20DE%2028%20DE%20JUNHO%20DE%202024&text =Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%2010.406,Art
2 Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com
3 Decreto no 22.626, de 7 de abril de 1933. Dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, RJ, 8 abr. 1933. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d22626.htm
Getlaine Coelho Alves – Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).