Metaverso tem sido assunto dos mais comentados nos últimos tempos e é uma das grandes apostas das big techs, que promete revolucionar o uso da internet nos próximos anos.
A denominação Metaverso vem da combinação da palavra grega “meta”, a significar além, e a latina “universo”, a referenciar tudo que existe. Contempla a ideia de um mundo virtual que se sobrepõe a uma realidade existente.
Por meio de um ambiente digital, há a interconexão entre os mundos físico e virtual via internet, realidade virtual e outras tecnologias emergentes. No Metaverso, é possível realizar encontros sociais, reuniões, treinamentos, jogos, shows, compras, experiências de aprendizagem e muito mais.
Bill Gates, cofundador da Microsoft, notoriamente reconhecido por bem antecipar as tendências de tecnologia, acredita que o futuro será construído no Metaverso e que, em menos de três anos, todas as reuniões de trabalho acontecerão neste tipo de ambiente digital.[1]
Na mesma linha, a Meta, outrora Facebook, inaugurou o Horizon Worlds, sua plataforma social em realidade virtual, que viabiliza o encontro dos usuários em um ambiente virtual único e expansivo, com experiências imersivas multijogador, onde os usuários podem desde passar um tempo socializando com amigos, conhecer pessoas novas e até se aventurarem em jogos.
Atualmente, as pessoas interagem no modo online por meio de plataformas de mídia social ou aplicativos de mensagens. A ideia do Metaverso vai além e se funda em criar novos espaços online para que as interações possam ser mais multidimensionais e permitir que os usuários vivenciem o conteúdo digital em uma forma de completa imersão, ultrapassando o modo de mera visualização.
O interesse acelerado pelo Metaverso é um dos reflexos da pandemia da Covid-19, que está a exigir novas formas de interação. À medida que mais e mais pessoas trabalham e frequentam instituições educacionais remotamente e imperando, ainda, as restrições de encontros presenciais, tem sido galopante a demanda por novas maneiras de tornar a navegação online muito mais realista.
Para melhor compreender o Metaverso não basta o simples pensar em realidade virtual, mas, sim, na combinação de diversos elementos chaves, como a identidade. Ainda que, digitalmente, os usuários tenham a possibilidade de se expressarem como quem ou o que quiserem, há uma completa dissociação entre mente, corpo e identidade, de modo que os frequentadores do Metaverso poderão comprar e escolher seus avatares ou até mesmo projetarem seus próprios avatares em NFTs.
Non Fungible Token (NFT) são símbolos não fungíveis perfilados por códigos numéricos com registro de transferência digital a garantir autenticidade aos seus titulares. Em termos práticos, NFTs funcionam como itens colecionáveis que podem ser transferidos, mas não reproduzidos. Diferentemente das criptomoedas e outros tokens utilitários, os NFTs não são mutuamente intercambiáveis.
O Metaverso é imersivo e focado em uma experiência verdadeiramente envolvente a englobar todos os sentidos de uma pessoa – visão, audição, tato, olfato e paladar. Nos dias atuais, os dispositivos de realidade virtual (VR) estão focados principalmente na visão e na audição por meio de sons e imagens.
Já a próxima geração de dispositivos de VR incluirá trajes corporais e esteiras omnidirecionais para proporcionar aos usuários as sensações físicas por eletroestimulação, enquanto navegam em um ambiente digital.
Outra característica esperada nos próximos anos é a do Metaverso ser multidispositivo, capaz de ser acessado de qualquer lugar e por diversos meios (smartphone, computador, tablet ou outros dispositivos). A big tech chinesa Baidu lançou o seu próprio Metaverso, o Xi Rang, com a proposta de ser acessível a um público amplo via smartphone e computador.
Neste ponto, o próprio Bill Gates aponta que uma possível demora para consolidar o Metaverso pode ser ocasionada, justamente, pela falta de acesso da maioria das pessoas às ferramentas que permitem a experiência completa, como os dispositivos de VR.
O novo ambiente virtual contará com uma economia dentro do próprio Metaverso, consistente não apenas na venda de produtos digitais para usuários, mas também na comercialização entre os próprios usuários, o peer-to-peer. Quanto mais complexa e flexível for a realidade virtual que o Metaverso criar, maiores as chances de inovação em novos bens e serviços.
Espera-se que a Creator Economy,[2] já bastante pujante devido ao uso de redes sociais, intensifique-se muito mais com novas ferramentas e espaços.
Não se sabe como o Metaverso será no final das contas e para que propósito será usado principalmente. Se trará algum benefício para a sociedade e o meio ambiente ou se ficará focado em ser um novo campo para a indústria de entretenimento e jogos, tal como um novo tipo de mercado virtual.
Há, no entanto, algumas questões que já começam a ser suscitadas quanto às responsabilidades atreladas ao seu uso, tanto para usuários quanto para as plataformas. Em tempos de crescente demanda da sociedade quanto ao papel das organizações, o Metaverso pode se tornar um terreno fértil para o desenvolvimento das iniciativas ESG, de boas práticas ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance).
De fato, as empresas que estão a impulsionar o crescimento dessa realidade paralela – como Meta, Microsoft, Google, Tencent e Binance – já são reconhecidas por suas preocupações quanto à sustentabilidade.
Diante dessa ideia, três pontos podem ser analisados: o quão ambientalmente sustentável será o Metaverso, o aspecto social que seu uso poderá promover e a estrutura de governança que ditará suas regras de funcionamento.
Em termos ambientais (E do ESG), uma grande vantagem do Metaverso é que ele pode reduzir a necessidade humana de viagens. O ambiente virtual reduzirá drasticamente as emissões decorrentes de aeronaves comerciais e governamentais. Pilotos civis e militares raramente operam em combate, mas mesmo assim precisam se exercitar.
Só em 2017, os militares estadunidenses compraram cerca de 269.230 barris de petróleo por dia e emitiram mais de 25 mil quilotons de dióxido de carbono na queima desses combustíveis.[3]
Outro benefício para o meio ambiente é que as empresas de vestuário podem testar seus novos produtos e novas tendências digitalmente, antes do lançamento no mundo físico. Com a indústria fashion contribuindo com 10% das emissões de carbono do mundo, o Metaverso se torna relevante.[4] Recursos usados na produção para testes podem ser minimizados ou até eliminados.
Em dezembro de 2021, a Nike comprou uma empresa de calçados virtual, a RTFKT, que fabrica calçados para o Metaverso, que só existem digitalmente. Até então, uma das vendas de tênis virtuais da RTFKT arrecadou US$ 3,1 milhões em menos de sete minutos. Outras empresas já expandiram essa tendência: começaram a vender versões físicas e digitais de seus produtos.
Exemplificando, comprar um calçado no Metaverso dá acesso à versão física do mesmo, que normalmente é produzida após a venda do bem digital. Enquanto o usuário aguarda seu produto físico, a ideia é permitir o uso destes ativos digitais no Metaverso. Com a Nike envolvida nesse jogo, tudo indica que a moda virtual será muito expandida para o público.
Também a Balenciaga deu um passo adiante com sua coleção de outono em 2021. A tecnologia de realidade virtual foi utilizada para transformar um desfile num videogame, que permitiu os jogadores viajarem por um mundo virtual, encontrando avatares, usando as roupas da marca que ainda estavam a caminho no mundo real.
Mas nem tudo são flores, pois a introdução do Metaverso carrega diversos riscos. Esse novo ambiente depende de tecnologias complexas, como aprendizagem de máquinas, rede neural profunda, processamento de linguagem natural (PLN). Essas tecnologias carregam um problema em comum, a emissão de carbono causado pelo alto uso de energia.
O processamento do centro de dados, especialmente para cargas de trabalho de inteligência artificial, vem com um custo ambiental enorme. Serviços em nuvem são críticos para a realidade virtual, que, por sua vez, é crucial para o Metaverso. De acordo com um relatório de 2020 dos pesquisadores da Universidade de Lancaster, se 30% dos jogadores mudassem para plataformas de jogos em nuvem até 2030, haveria um aumento de 30% nas emissões de carbono.
Já a imersão por completo resultaria num aumento de 111% nas emissões de carbono.[5] A pesquisa explora a presença crescente dos jogos na rede de nuvens, mas analisa apenas as resoluções 720p e 1080p. Como o Metaverso exigirá imagens de alta resolução de 4K, o aumento do consumo de energia se torna deveras considerável.
Face ao alto consumo de energia, uma infraestrutura renovável é necessária para construir o Metaverso de uma forma ambientalmente sustentável. Por exemplo, os materiais utilizados para construir interações e experiências precisam ser feitos a partir de itens reutilizáveis ou que possam ser incorporados de volta ao mundo natural.
Ademais, os hardwares e softwares precisarão durar o máximo de tempo possível, a fim de permitir que a maioria dos usuários se juntem a esta tendência crescente. E, apesar de ser digital, a administração responsável tanto do mundo físico quanto do Metaverso são requisitos mútuos para que os impactos ambientais sejam reduzidos. A experiência do usuário também deve ser levada em consideração para que esta nova tecnologia vingue.
Já sob o prisma social (S do ESG), a experiência virtual do Metaverso vem ajudando as pessoas durante a pandemia da Covid-19. Muitas delas encontram uma maneira de interagir umas com as outras sem terem de se encontrar fisicamente. Durante a pandemia, dois jogos vêm se destacando: o Sandbox e o Decentraland, ambos a incluírem monetização, realidade virtual e outras inúmeras possibilidades para desenvolvedores e jogadores.
A Decentraland (MANA) é uma plataforma de realidade virtual sustentada pelo blockchain do Ethereum, que permite aos usuários criar, experimentar e rentabilizar conteúdos e aplicações. Nela, os usuários adquirem parcelas de terreno e podem navegar, construir e rentabilizar, em um conceito semelhante ao do jogo Minecraft.
Recentemente, um grupo denominado Metaverse Group adquiriu um pedaço de imóvel virtual por 618.000 MANA, uma soma equivalente a quase US$ 2,4 milhões.[6] Se levarmos em consideração a cotação média atual, um terreno virtual na Decentraland foi vendido, em junho do ano passado, por 1.295.000 MANA, o que corresponde a quase US$ 4 milhões, mais do que o quádruplo do valor da época de aquisição – US$ 913 mil.
O Sandbox, outra plataforma baseada no Ethereum para criar e monetizar espaços de diversão e experiências de jogos online, teve sua popularidade impulsionada por celebridades. Snoop Dogg, por exemplo, desenvolveu um mundo interativo, o Snoopverse. Parte do Snoopverse é utilizado para construir uma mansão virtual do célebre artista.
E o restante para comercialização. Um usuário pagou cerca de US$ 450 mil por um terreno deste Metaverso só para se tornar vizinho do Snoop Dogg. Muitos jogos novos vêm sendo desenvolvidos no Sandbox, como a réplica do primeiro jogo da popularíssima série da Netflix “Squid Game” (“Round 6”), além cassinos e uma diversidade de outras criações.
Como característica marcante, o Metaverso baseia-se no senso de comunidade, visto que os usuários não estão sozinhos, mas sim rodeados por muitos outros e em tempo real, compartilhando experiências e interações. Daí ser determinante que o Metaverso seja persistente em tempo real, sem capacidade de pausa, de modo que continue a existir e funcionar mesmo com a saída dos usuários, cambiando a centralidade do usuário para o próprio mundo virtual.
Por fim, em aspectos de governança (G do ESG), exsurge a pertinente questão quanto às regras que serão implementadas no Metaverso. E mais: como serão seus termos de uso? Como e com que propósito serão coletados dados dos usuários? Para que finalidade poderá ser usada a realidade alternativa? Que proteções serão aplicadas, por exemplo, a usuários menores de idade?
Grande parte do desafio que se descortinará às organizações presentes no Metaverso reside no viés de governança. Alguns aspectos serão acobertados por legislações públicas, como no caso do tratamento de dados pessoais, mas muitos outros ainda padecerão de regulação, como blockchain e inteligência artificial, havendo, assim, um espaço significativo para as corporações ditarem suas próprias regras.
A porta-voz da Meta, Kristina Milian, destacou que sua companhia está trabalhando no desenvolvimento de políticas, junto a especialistas e outras empresas do setor, e investindo mais de US$ 50 milhões em pesquisas para que o desenvolvimento dos produtos ocorra de maneira responsável.
Uma situação recente de assédio sexual reportada no Metaverso clama ainda mais atenção para a necessidade de oferecer uma estrutura de governança.
Violência no ambiente virtual não é algo novo e oferece dificuldades quanto ao seu rastreamento, mas considerando que muitas empresas pretendem fazer do Metaverso sua principal plataforma e que a expectativa é a de que centenas de milhões de pessoas passem a integrar a realidade paralela, torna-se ainda mais vital o esforço necessário para garantir um ambiente seguro.
Embora pareçam assuntos pouco relacionados, a verdade é que o Metaverso deve andar de forma integrada aos fatores ESG. Dado seu viés imersivo, a tendência é que muitas das preocupações atuais sejam carregadas para a realidade paralela, como a necessidade de uma existência sustentável em todas as suas acepções.
[1] Disponível em: Bill Gates aposta que em 3 anos as reuniões acontecerão no Metaverso (istoedinheiro.com.br)
[2] Disponível em: Four Reasons Why The Creator Economy Is Booming
[3] Disponível em: US military is a bigger polluter than 140 countries combined — Quartz
[4] Disponível em: The Rise of Digital Fashion and Sustainability in The Metaverse | Hacker Noon
[5] Disponível em: From One Edge to the Other: Exploring Gaming’s Rising Presence on the Network
[6] Disponível em: Virtual real estate plot sells for record $2.4 million | Reuters
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de Pós-Graduação em Direito.
LORENA CARNEIRO DO NASCIMENTO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados, LLM em Direito Societário e Mercados de Capitais pela FGV-RJ e cursando MBA em Gestão de Negócios, Inovação e Empreendedorismo pela FIA.
KRISTIAN LEE – B.Sc. in Economics and Business Administration e Computer Science Student, ambos pela Goethe Universität Frankfurt Am Main, e Working Student em Portfolio Management na Lloyd Fonds AG.