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Liminar que determina entrega de veículo novo pode ser revertida?

Liminar que determina entrega de veículo novo pode ser revertida?

Este artigo se inicia com uma situação hipotética: um consumidor adquiriu um veículo zero quilômetro e o carro passou a apresentar problemas. Esse consumidor, bastante frustrado, ingressou no Judiciário pleiteando, liminarmente, a substituição do automóvel e, no mérito, a confirmação da liminar, dano moral, honorários sucumbenciais, além do reembolso das custas.

O Magistrado, analisando a petição, defere o pedido de liminar determinando que a Montadora substitua o automóvel, no prazo de 10 dias corridos, sob pena de multa.

Sabe-se que os requisitos essenciais para que seja deferida uma liminar, à luz do art. 300 do Código de Processo Civil, são: Probabilidade do direito e Perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

O Professor José Miguel Garcia Medina1 explica que, no que diz respeito a probabilidade de direito, a parte deverá demonstrar que o direito à que está pleiteando é provável. Já no que diz respeito ao Perigo de dano, é necessário que seja demonstrado o perigo na demora, ou seja, a necessidade de concessão daquela tutela urgência para evitar um dano decorrente da demora processual.

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Mas não é só, é de uma importância destacar o previsto no parágrafo terceiro do Artigo supracitado: “A tutela de urgência não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão“.

Nesse sentido, o citado Professor destaca que: Não se considera irreversível o efeito, quando possível a conversão em perdas e danos.2

Subsiste, então, o seguinte questionamento para esta situação hipotética: a substituição de um automóvel, é medida reversível?

Embora seja uma situação hipotética, esta situação ocorre com bastante recorrência na prática.

É necessária bastante cautela quando da concessão de uma liminar para fornecimento de um veículo novo, sem ao menos ter sido apresentada a defesa, ter ocorrido a dilação probatória e ter sido sentenciado o processo, sob pena de causar prejuízos irreversíveis para a Montadora.

Isso porque, é comprovado que um veículo novo, perde, aproximadamente, 10% do seu valor de marcado, assim que sai da concessionária3, além de estar sujeito a eventual acidente de trânsito ou a qualquer outro tipo de incidente que o desvalorize ainda mais.

Em continuidade, a substituição do automóvel exige a emissão e emplacamento definitivo em nome do consumidor, portanto é irreversível para o estado de zero quilometro.

No mais, se após a dilação probatória, o juiz entenda pela improcedência da Ação, o artigo 302 do Código de Processo Civil prevê que caberá a parte responder pelo prejuízo que a efetivação da tutela causar à parte adversa.

No entanto, como calcular um prejuízo desses? Pela desvalorização do veículo? Se por algum motivo esse carro se envolver em um acidente ou for roubado, como ocorrerá essa reparação? Ainda, quem garante que a parte terá condições financeiras de ressarcir a Montadora pelo prejuízo?Uma nova perícia para apurar o valor da desvalorização implicará em novos custos, além da morosidade processual.

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Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, em julgamento de Agravo de Instrumento, pela reforma da decisão que deferiu a liminar consistente na substituição do carro, considerando tratar-se de uma medida irreversível, sendo necessária a manifestação da parte contrária. Portanto, ausentes os requisitos de concessão da tutela:

BEM MÓVEL Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização Agravo de Instrumento tirado contra decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de antecipação de tutela para substituição do veículo Posicionamento acertado.
Porquanto descabe o deferimento da tutela jurisdicional antecipada quando inocorrer situação fática e jurídica que, de plano.

Convença o julgador da quase certeza de que a decisão final terminará pela procedência da pretensão do requerente Ademais, mostra-se mais prudente que, diante da irreversibilidade da medida pleiteada, se oportunize a manifestação da parte contrária – Ausência dos requisitos que pudessem alicerçar a concessão da antecipação de tutela pretendida, estando o feito a exigir, de fato, dilação probatória Recurso improvido, com manutenção da r.
Decisão de Primeiro Grau. (TJ-SP – AI: 20511725920148260000 SP 2051172-59.2014.8.26.0000, Relator: Carlos Nunes, Data de Julgamento: 28/4/14, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 1/5/14)

Em outro julgamento em sede de Agravo de Instrumento, o Tribunal de Justiça Do Mato Grosso do Sul decidiu pela necessidade de instrução probatória antes do deferimento de uma liminar consistente na substituição do veículo, sob argumento de tratar-se de medida irreversível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RELAÇÃO DE CONSUMO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – SUBSTITUIÇÃO DO VEÍCULO POR SIMILAR ZERO-QUILÔMETRO – EXAURIMENTO DA MEDIDA BUSCADA – PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO – DEMONSTRAÇÃO – (ART. 300, § 3º DO CPC/15)- PRETENSÃO INVIÁVEL – INSTRUÇÃO PROBATÓRIA – NECESSIDADE – RECURSO PROVIDO.

Indefere-se o pedido de tutela antecipada para substituição de veículo por outro similar e zero-quilômetro quando implicar no exaurimento da medida buscada em juízo e houver perigo de irreversibilidade da concessão prévia (art. 300, § 3º, do CPC) (TJ-MT – AI: 10033261220168110000 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 25/1/17, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/1/17)

Neste sentido, caso de fato o entendimento seja pelo deferimento da liminar, entendemos que a medida mais crível e sensata seja a concessão de liminar para fornecimento de veículo reserva, pois além de atender às demandas do consumidor, há a possibilidade de reversão.

A Montadoras poderão cumprir a decisão com os próprios veículos de frota ou até mediante aluguel de automóvel – a última situação é mais morosa, em termos financeiros, para as Fabricantes, porém, ainda assim, é uma hipótese mais viável e, no final, menos prejudicial, do que a substituição de um veículo.

É importante esclarecer que não se ignora a importância da legislação consumerista no equilíbrio na relação entre consumidores e fornecedores, porém isso não pode servir de justificativa para concessões desproporcionais em relação aos fornecedores de produtos e serviços que, da mesma forma, são de notória importância para a sociedade.

Assim, é necessário que, antes do deferimento da liminar, verifiquem-se as consequências da decisão, considerando todos os pontos acima elencados, quais sejam, a complexidade da causa e a possibilidade de, caso seja revertida a decisão, o consumidor compense a desvalorização do bem, pois do contrário, tal decisão implicará em danos irreversíveis a parte contrária.


1 MEDINA, Jose Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973/José Miguel Garcia Medina. – 4.ed.rev.atual. e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

2 Idem

3 https://rodobens.com.br/blog/automoveis/desvalorizacao-do-carro-zero


Marina Spagnolo Iliadis Barrella
Advogada do escritório LBCA – Lee, Brock, Camargo Advogados. Especialista em Direito do Consumidor, pós-graduada em Contratos pela PUC-SP e possui curso de extensão em Processo Civil pela FGV.

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