Advogado associado da LBCA, Caio Miachon Tenório, publicou artigo no portal “Observatório do Marco Civil da Internet”, sobre envio de spam, no qual analisa o alcance da lei e deveres do provedor.
Caio Miachon Tenório:
Apesar de a decisão judicial reconhecer que o envio e recebimento de spams não é passível de responsabilização civil, existe certa controvérsia doutrinária a respeito do tema, até mesmo porque o Marco Civil da Internet nada especificou a respeito do spam. Na hipótese concreta em análise, a decisão judicial optou por não imputar responsabilidade ao usuário acusado de ser spammer, aduzindo que o processo não preenchia os requisitos de necessidade e utilidade.
Spam, nada mais é do que a mensagem eletrônica indesejada que, normalmente, têm conteúdo comercial e visa divulgar produtos ou serviços em massa, a múltiplos destinatários, na esperança de que pelo menos alguns deles se interessem pelo que foi divulgado.
Como dito, o Marco Civil não regulamentou a matéria, mas estabeleceu alguns princípios gerais de proteção de estabilidade, segurança, funcionalidade da rede e privacidade do usuário e, de outro lado, princípios que garantem a livre iniciativa, livre concorrência, neutralidade da rede e a liberdade dos modelos de negócio (artigos 2º e 3º da Lei 12.965/14).
Sopesados estes princípios, a decisão judicial em análise optou pela prevalência, no caso concreto, da livre iniciativa, seguindo posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em 2009, ponderou que o spam, por si só, não consubstancia fundamento para justificar o dano moral, notadamente em função da possibilidade que o usuário tem de bloquear, apagar ou simplesmente recusar tais mensagens (REsp. 844736- DF, Min. Relator Honildo Amaral de Mello Castro, d.j. 27/10/2009).
Muito se fala, hoje em dia, em regulamentação do Marco Civil da Internet, excepcionando o princípio de neutralidade da rede, para permitir aos provedores interferir no tráfego de rede, bloqueando spams e dando prioridade a outros tipos de conteúdo ou aplicação. Embora tal excepcionalidade seja quase uma unanimidade, a regulamentação pretendida não trata, por óbvio, de responsabilidade civil.
Flávio Tartuce, por exemplo, adota posição diametralmente oposta ao que foi consignado pela decisão judicial em análise, afirmando que ospam configura flagrante abuso de direito, assemelhado ao ato ilícito pelas eventuais consequências, contraria o fim social e econômico da grande rede, o que já serviria para enquadrar a prática como abuso de direito, como conduta atentatória à boa-fé objetiva. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011, p. 449-450.)
Tarcísio Teixeira, por seu turno, vai além, aplicando responsabilidade civil objetiva até mesmo para o provedor de e-mails, atribuindo-lhe o dever de indenizar o consumidor lesado pelo recebimento do spam. Para esse autor, se é o provedor quem faz a mensagem indesejada chegar ao usuário, nos termos do artigo 3º, caput do Código de Defesa do Consumidor, ele passa a ser fornecedor, por tal razão, cabe a ele também a responsabilidade pela reparação do dano causado (TEIXEIRA, Tarcísio. Curso de Direito e Processo Eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 204).
Neste particular, peço vênia para discordar do ilustre autor, pois não há qualquer nexo de causalidade entre a atividade do provedor de correio eletrônico e o dano causado pelo spammer. O provedor em nada concorreu para a prática do ato reputado como ilícito. Vale dizer, se o comportamento do usuário foi o único elemento causador do dano, não há como responsabilizar o fornecedor de serviços, por absoluta ausência de nexo de causalidade entre sua atividade e o dano.
Como bem assinala Erica Brandino Barbagalo, “em regra não se pode responsabilizar o provedor de serviços de e-mail pelo recebimento dos malfadados spams, ou mensagens indesejadas, uma vez que não exerce esse provedor atividades de triagem. Seria o equivalente a responsabilizar os correios por cartas indesejadas. Em caso de dano provocado por spam, responde o causador do dano, ou seja, o remetente dessas mensagens.” (BARBAGALO, Erica Brandino. Aspectos da responsabilidade civil dos provedores de serviço de internet, inConflitos sobre nomes de domínio e outras questões jurídicas da internet. LEMOS, Ronaldo, WAISBERG, Ivo (Coord), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 352 e 353)
A situação é diferente, por outro lado, na hipótese de o provedor ser condescendente com os e-mails não solicitados, deixando de bloquear os spams de uma conta de e-mail que insiste em fazê-lo, após o recebimento de uma ordem judicial, nos termos do que estabelece artigo 19 do Marco Civil da Internet. Nesta conjuntura, o provedor de e-mail poderá responder pelo dano causado, em função de sua negligência e omissão no atendimento da ordem judicial que determinou o bloqueio dos spams provenientes de uma determinada caixa postal virtual.
Resumindo, no que se refere ao Provedor de Correio Eletrônico, a meu ver, ele não responde pelos danos causados por spams enviados por seus usuários, justamente porque não interfere no envio e recebimento de tais mensagens. A responsabilidade civil pelo spam, em tese, somente pode ser imputada ao usuário (spammer) que o disseminou, desde que comprovado o dano, a conduta e o nexo de causalidade.
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