O “poder de polícia” no contexto eleitoral permite que o juiz atue diretamente para interromper propagandas ilegais, sem necessidade de provocação, assegurando a normalidade do processo eleitoral.
No entanto, tal prerrogativa tem limites e precisa ser exercida dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei para evitar abusos ou restrições indevidas à liberdade de expressão. Isso é especialmente relevante quando se discute a ampliação desse poder para a remoção de conteúdos na internet, o que poderia levar a um controle excessivo sobre manifestações políticas na sociedade.
Embora o poder de polícia seja, atualmente, entendido de forma mais ampla, como um poder geral de cautela, que permite ao magistrado agir de maneira proativa para garantir a normalidade do processo eleitoral, esse poder deveria ser restrito à fiscalização da propaganda eleitoral oficial, isto é, àquela feita pelos próprios candidatos ou partidos políticos, como previsto pelo art. 241 do Código Eleitoral —e não deveria se estender à remoção de manifestações espontâneas na internet, especialmente quando essas manifestações não estão diretamente relacionadas à campanha oficial de um candidato ou partido.
De todo modo, ainda que compreendido de forma mais ampla, é fundamental lembrar que o Marco Civil da Internet e a resolução 23.610 do Tribunal Superior Eleitoral também impõem limitações ao exercício do poder de polícia quando envolve o “teor” da propaganda. O art. 7º, §1º da resolução 23.610 do TSE, em conjunto ao art. 19 da lei 12.965/2014, deixam claro que o poder de polícia não pode ser exercido se a irregularidade na propaganda eleitoral na internet está relacionada ao seu conteúdo. Nesses casos, é necessário instaurar um processo judicial prévio, garantindo-se o contraditório e ampla defesa. A prudência aconselha cautela ao considerar exceções a essa regra.
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Isso significa que, antes de qualquer ação direta do juiz sobre uma propaganda, é indispensável a instauração de um processo judicial para que o conteúdo seja examinado à luz do devido processo legal.
Se a propaganda eleitoral na internet veicular informações claramente falsas ou gravemente descontextualizadas sobre o sistema de votação, o processo eleitoral ou a Justiça Eleitoral, o Ministério Público ou os interessados não terão dificuldades em demonstrar tal ilegalidade. Nesse caso, bastaria fortalecer a estrutura estatal de combate a tais ilícitos, sem a necessidade de “pular etapas” e, eventualmente, comprometer a equidistância do juiz. Isso não atrasaria o processo judicial eleitoral, que já é conhecido por sua rapidez, mas apenas evitaria o uso indiscriminado do poder de polícia, que poderia resultar em censura —algo vedado pela Constituição Federal.
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Vale lembrar as lições do ilustre ministro aposentado Celso de Mello no agravo regimental na reclamação 16.074: “(…) Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!”.
Portanto, buscar o equilíbrio é essencial para garantir que o debate eleitoral seja plural e democrático, sem o risco de prática de censura.