Apesar de os consumidores poderem processar simultaneamente loja e fabricante por problemas não resolvidos com um produto adquirido, alguns Juizados Especiais Cíveis (JEC) já estão fixando critérios para que apenas a empresa culpada seja condenada na Justiça.
Foi o que ocorreu em decisão recente do juizado de São João de Meriti (RJ). No caso, uma consumidora adquiriu um eletrodoméstico com defeito e, ao recorrer à assistência técnica, não conseguiu o reparo. Em busca do ressarcimento pelo prejuízo, ela acionou tanto a rede de varejo quanto o fabricante.
O juiz responsável, Leonardo Cardoso e Silva, entendeu que a atitude da fabricante “causou angústia e sofrimento para a autora” e que o ressarcimento à consumidora fazia parte do “risco da atividade”. Com isso, ele determinou a devolução do valor pago pelo produto, além de danos morais, mas recaindo a obrigação somente sobre o fabricante do produto.
Confrontado com um caso semelhante, o juizado de São Luís (MA) decidiu, em abril, que a culpa pelo defeito de fabricação de um celular deveria ser atribuída apenas ao fabricante. “O defeito do produto não foi sanado por culpa exclusiva da fabricante, razão pela qual, estou convencido de que na espécie apenas a fabricante deve responsabilizada”, afirmou o juiz Celso Orlando Aranha Pinheiro Júnior.
As duas decisões fogem do comum porque em muitos casos lojistas e fabricantes acabam condenados, independentemente de quem foi a culpa, explica o advogado e diretor da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), Afonso Celso Faria de Toledo.
Nessa situação, ele conta que poderia inclusive surgir novo processo judicial, apenas para verificar qual das duas empresas de fato teria que pagar a indenização. Essa ação judicial, em que se apura de quem é a responsabilidade pelo dano, é chamada de “ação de regresso”, diz o advogado.
“Esses juízes foram inovadores no sentido de, ao entrar no mérito das questões, já apontarem quem foi o responsável pelo problema. Acaba sendo [uma decisão] mais racional. Consegue-se nos próprios autos definir o responsável e não se precisa invocar ações de regresso”, comenta Toledo.
Apesar de as duas decisões terem beneficiado varejistas, o advogado conta que isso ocorreu porque os casos envolviam defeitos de fabricação. Ele entende, contudo, que nos casos em que o problema está relacionado à atuação da loja, o mesmo raciocínio poderia ser usado para excluir o fabricante da ação judicial e condenar apenas o varejista pelo erro. “Isso poderia ocorrer se o problema foi de logística, resultando no atraso da entrega do produto”, acrescenta ele.
Outro benefício desse melhor direcionamento das condenações por parte do Judiciário seria que, num futuro próximo, os próprios consumidores poderiam processar apenas a empresa culpada. “Essas decisões acabam criando situações propícias para que o consumidor já saiba para quem direcionar seu processo”, reforça o advogado.
Jurisprudência
O especialista aponta que hoje tanto varejistas quanto fabricantes acabam sendo incluídos nos processos porque, na visão dos consumidores, isso aumentaria a chance de que a indenização fosse paga. Ao mesmo tempo, já é pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento de que ambas as empresas são responsáveis pela mercadoria.
Segundo Toledo, essa posição foi consolidada nos recursos especiais de número 402.356/MA e 554.876/RJ, em que se definiu que as concessionárias também eram responsáveis pelos veículos com defeito. Apesar de isso nem sempre ocorrer, já na época, em 2003, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira destacou que a responsabilidade compartilhada não impede que seja apurada a culpa de apenas um dos responsáveis pelo dano.