Na atual crise que assola o Brasil, sobretudo em diversos setores econômicos, a situação do mercado de seguros não é menos dramática. Por ser uma atividade privada, o mercado de seguros busca atingir seu objeto social, consubstanciado na prestação de serviços de saúde, de forma ampla e contratualmente prevista. Porém, o equilíbrio econômico-financeiro na arrecadação de prêmios e formação da reserva técnica não pode ser ignorado ou colocado em segundo plano, pois do contrário, coloca-se em risco a continuidade dos serviços.
A reserva técnica nada mais é do que espécie de fundo, calculado pelas Operadoras de Plano de Saúde com base na arrecadação dos prêmios dos segurados, para fazer frente aos custos da prestação de serviços de saúde. Sua previsão vem estampada na Resolução Normativa nº 392/2015 da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
As Operadoras de Planos de Saúde notadamente são alvo de milhares de ações judiciais, as quais colocam em risco a saúde financeira da reserva técnica, e consequentemente a continuidade dos planos comercializados, sobretudo dos coletivos por adesão.
O acesso à Justiça, principalmente com a criação dos Juizados Especiais Cíveis, veio a dar concretude ao princípio constitucional esculpido no artigo 5º, inciso XXXV e LXXVIII da Constituição Federal. Todavia, nem sempre o acesso à justiça significa estabelecer um equilíbrio na relação entre consumidores e Operadoras. Pelo contrário, muitas vezes percebe-se uma exorbitante interferência na atividade econômica desenvolvida pelos operadores de plano de saúde.
Situações solucionáveis administrativamente são levadas ao Judiciário, sendo comum a concessão de liminares, agora denominadas tutelas de urgência pelo novo Código de Processo Civil que, simplesmente, ignoram a necessidade da regulação do sinistro, momento onde as Seguradoras analisam pontos como vigência de apólice, coberturas contratadas, carência, dentre outros.
Pontos como estes, muitas vezes, são ignorados na decisão judicial, que simplesmente analisa a gravidade e urgência da situação, mesmo quando está ausente a plausibilidade do direito invocado.
Junto à concessão desenfreada das tutelas, a bem da verdade, muitos consumidores buscam compensação por abalos morais que nunca existiram. A chamada “indústria do dano moral” fomenta o abarrotamento do Judiciário Brasileiro, com demandas que facilmente se resolveriam sem a judicialização do conflito.
Situações como esta fazem surgir uma pergunta: Qual o limite da intervenção do Judiciário frente à atividade subsidiada por recursos privados? A resposta à pergunta acima é abrangente, pois há princípios garantidores do desenvolvimento da atividade sustentável dos planos de assistência à saúde privados, mas em contrapartida há o Código de Defesa do Consumidor, que reza pela interpretação benéfica do consumidor hipossuficiente.
Por óbvio, como qualquer questão jurídica, há inúmeras posições, princípios e jurisprudências que trafegam em sentidos opostos. Não há solução pronta. O importante é chamar a atenção de todos os envolvidos, sobretudo juízes, advogados e consumidores, para que ponderem sobre a aplicação das normas, leis e cláusulas contidas nos contratos de seguro.
O negócio jurídico referendado nas Apólices, deve ser interpretado não apenas à luz do Código de Defesa do Consumidor, mas também pelos princípios e especificidades que norteiam a atividade securitária, sobretudo a interpretação de cláusulas contratuais da forma como foram convencionadas, bem como pela necessária continuidade dos serviços, em prol da coletividade. Um caso mal decidido abala a sustentabilidade da operação para com terceiros.
Fechando este raciocínio, torna-se oportuna a transcrição dos ensinamentos do Professor Leonardo Vizeu Figueiredo, ao afirmar que “Ainda que o referido mercado seja autossustentável, este se encontra intrinsicamente ligado à conjugação dos interesses privados dos agentes econômicos com os interesses dos consumidores, sem o qual tende a ruir e ir à falência. Porém, nem sempre haverá como garantir o atendimento concomitante de todos os interesses em jogo, fazendo-se mister, diante da realidade temporária na qual o mercado se apresente, dar casuisticamente primazia a um em face de outros.”
Mesmo não havendo como atender a todos os anseios das partes, é seguro afirmar que a judicialização exacerbada não é o melhor caminho para se alcançar uma solução rápida e coerente no mercado de seguros. A cultura do litígio pode ser substituída pela solução consensual da controvérsia, que permite às partes chegar a um acordo que contemple seus interesses, ao invés de acatar a decisão judicial. A desjudicialização vem crescendo no País, – reforçada pelo novo Código de Processo Civil – e coloca à disposição dos beneficiários dos planos de saúde meios diversificados para resolver pendências extrajudicialmente, como acontecem nas Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação, cadastradas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, onde se faz justiça sem processos.