Nem sempre o pilar G é lembrado com a devida importância dentro da agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), embora seja responsável por fornecer a estrutura sustentável de uma organização. Pesquisa da Morningstar Sustainalytics de 2022[1] apontou que 46% dos 500 profissionais entrevistados afirmaram que a governança é considerada o pilar menos importante na agenda ESG.
Também detectaram um crescimento do pilar social em relação ao ambiental, que mantém a dianteira, fomentada pela urgência da crise ambiental.
Dentro do contexto do ESG, a governança é uma das dimensões mais importantes. Ela se refere às práticas, políticas e processos utilizados pelas empresas para gerenciar seus negócios e garantir a transparência e a responsabilidade na tomada de decisões mais conscientes e responsáveis em relação a questões ambientais e sociais, além de atuar com ética e transparência.
Isso pode ajudar a reduzir a exposição a riscos legais, financeiros e de reputação, além de aumentar a confiança e a satisfação de investidores e clientes.
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Há uma série de passos para impulsionar o avanço da governança no ESG, responsável pela gestão de uma companhia, seus valores, desempenho financeiro e seu futuro.
O primeiro passo está voltado à cultura da sustentabilidade, que começa no recrutamento da empresa e vai até o C Level. Em sentido genérico, a cultura organizacional é formada por padrões, normas, crenças e valores, mas somente será sustentável se priorizar com mais ênfase os impactos do negócio a longo prazo do que os resultados financeiros obtidos a curto prazo. E como isso acontece?
A estrutura laboral reúne diferentes tipos de cultura, segundo a literatura da área. A mais comum é a burocrática, estruturada em procedimentos detalhados na priorização da estabilidade empresarial; tem a de mercado, que visa à competição e o cumprimento de metas; a de grupo, que promove as “panelas corporativas” e há as inovadoras, que gostam de correr riscos e experimentar coisas novas. A maioria das companhias são o cadinho que mistura essas diferentes culturas.
Independente da cultura que se destaque dentro de uma companhia, os deveres e as responsabilidades dos gestores nem sempre são suficientes para fazer avançar a cultura de sustentabilidade. A sustentabilidade, de acordo com o senso comum, está apenas vinculada ao meio ambiente, mas sua amplitude não conhece fronteiras.
A Harvard Business School define, de forma objetiva, no que consiste o emprego da cultura da sustentabilidade nas empresas: é “fazer negócios sem impactar negativamente o meio ambiente, a comunidade ou a sociedade como um todo”.
É um tema macro, que usa a estratégias ESG para se viabilizar, devendo conseguir engajar os profissionais na temática, porque conscientização e adesão são dois componentes que fazem a “mágica da sustentabilidade acontecer”, abalando a inércia e as resistências organizacionais.
O segundo princípio igualmente importante para consolidar o pilar “G” é diversificar o Conselho Administrativo, decisivo na definição, orientação e estratégias corporativas. Certamente, é senso comum pontuar qual deve ser o perfil e habilidades dos membros deste tipo de conselho. Mas a composição plural de seus membros se transformou em uma prioridade entre os stakeholders.
Não basta a diversidade geracional ou de formação educacional, é fundamental ser inclusivo quanto a gênero, orientação sexual, etnia/raça, origem e outros marcadores sociais.
E quais são as vantagens para a empresa? Sem dúvida, a presença de representantes mais diversos torna mais fácil chegar a soluções inovadoras ao contar com um conjunto de saberes plurais e entender as demandas de clientes, investidores e parceiros negociais, além de refletir sobre a diversidade que está presente na sociedade.
O Fórum Econômico Mundial, dentro da perspectiva do capitalismo de stakeholders, define que “colocar em prática uma visão mais abrangente começa com conselhos que podem ver, ouvir, apreciar e a validar cuidadosamente as necessidade de vários constituintes. A liderança habilidosa e compartilhada do conselho pode ajudar a empresa a superar o pensamento míope e ampliar sua visão para o benefício de todos”[2].
O terceiro passo prioritário da governança é a transparência do desempenho ESG das corporações, permitindo que as partes interessadas possam verificar e monitorar sua atuação com base em dados confiáveis, consolidando compromissos de parte a parte.
O escritor português Eça de Queiroz tem uma citação assertiva sobre o conceito de transparência: “Quando se quer mostrar a beleza de um cristal, movendo-o muito com os dedos – quase sempre se finda por lhe empanar a transparência”.
Por isso, torna-se fundamental que as empresas tenham uma política de comunicação eficaz para divulgar os relatórios ESG, na qual as fontes sejam treinadas e as informações sejam checadas, evitando qualquer possibilidade de práticas de greenwashing (dados mascarados) que comprometem o brilho corporativo de um relatório ESG.
Ao divulgar seus relatórios anuais, as corporações devem ficar atentas à veracidade e qualidade das informações, porque no mundo atual não há mais espaço para a desinformação. Os dados são oficiais, tornados públicos e, por isso mesmo, podem ser usados pelo poder público, imprensa ou concorrentes, podendo ter grandes impactos para a corporação. Atualmente, 25 países regulamentaram a divulgação obrigatória de relatórios sobre suas práticas ESG, número que tende a aumentar em ritmo acelerado.
Para a pesquisa Morningstar Sustainalytics, as empresas encontram grandes dificuldades em medir, relatar e divulgar seus dados ESG para cumprimento de regulamentos; assim como detectam uma lacuna de conhecimento em aproveitar os dados ESG, embora a divulgação pública de relatórios ajude a tornar a empresa mais transparente aos olhos das partes interessadas e fortalecer sua imagem positivamente.
O quarto princípio está ligado à ética dentro da governança ESG, que não se restringe à conformidade, ao cumprimento de regramentos legais. Na verdade, a questão ética nas corporações ainda é permeada de conflitos, porque os dilemas éticos crescem na sociedade e permeiam todos os setores.
A gestão antiética é entendida como uma transgressão, seja a um dispositivo legal, política interna da empresa (Códigos de Conduta) ou outro tipo de externalidade. A ética é incompatível com a premissa de que os fins justificam os meios, principalmente no Brasil, país com forte histórico em episódios de corrupção, inclusive corporativos.
Há quem afirme que a ética na esfera empresarial implica em uma dinâmica de pesos e contrapesos, estando presente na tomada de decisões e compromissos assumidos pela organização e em todos os pilares ESG, com destaque para o social, porque deve privilegiar um capital humano diverso e inclusivo, coibir os assédios moral e sexual, assegurar salários justos, um ambiente de trabalho saudável e uma política de oportunidades para todos; sem esquecer os programas para suprir as demandas do pilar ambiental.
O quinto princípio de fortalecimento do pilar “G” é a criação dos comitês, para atuarem em diferentes segmentos da empresa, propondo soluções inovadoras. Essas instâncias realizam um importante trabalho de captar dados, se aprofundar em um tema específico de interesse, buscar novas práticas e processos, trazer análises que já foram debatidas e processadas – portanto com viés de consenso – para orientar a tomada de decisões mais confiáveis do Conselho de Administração.
Além de agregar valor aos negócios, os comitês também possuem um papel importante de engajar na cultura e os valores da corporação os novos talentos que se somam à sua estrutura.
O ecossistema de governança vem afetando vários setores econômicos, alguns em etapa inicial de maturidade e outros que registram avanços promissores. Um exemplo vem de algumas das maiores indústrias de alimentos do mundo, que estão mudando o foco e trabalhando para melhorar o valor nutricional de seus produtos.
Também há preocupação com as embalagens plásticas , substituídas por biopolímeros; redução e reuso de água e descarte de resíduos no meio ambiente por meio de estações de tratamento. Esse é um exemplo isolado dentro de um universo de sustentabilidade corporativa em transformação.
É importante observar que o ambiente de negócios está se alterando rapidamente. Há demandas crescentes vindas de todos os lados, porque as partes interessadas querem conhecer quais são os impactos das ações de uma companhia no meio ambiente, nos pilares sociais e de governança e como estão se precavendo para serem menos vulneráveis a todos os tipos de riscos. O custo da má governança dentro do espectro ESG pode comprometer a credibilidade, a confiança e a reputação de uma corporação.
Por isso, as empresas que buscam uma atuação sustentável e responsável devem estar atentas às demandas do mercado e às expectativas de seus stakeholders. É essencial investir em políticas e práticas de governança adequadas, que promovam a transparência, a ética e a responsabilidade em todas as áreas de atuação da empresa. Somente assim, as companhias poderão minimizar os riscos e construir uma imagem positiva e confiável, que agregue valor ao negócio a longo prazo.
[1] Disponível em https://connect.sustainalytics.com/hubfs/SCS/Ebooks/CSR-in-transition/Morningstar-Sustainalytics-Corporate-ESG-Survey-Report-2022.pdf
[2] Disponível em https://www.weforum.org/agenda/2022/01/road-to-stakeholder-capitalism-begins-with-diverse-boards/
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
FABIO RIVELLI – Advogado, sócio da LBCA, mestrando na PUC-SP e presidente da Comissão de Inovação, Gestão e Tecnologia da OAB-Guarulhos