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Fundos de financiamento de litígios ganham novos contornos

Fundos de financiamento de litígios ganham novos contornos

Os custos da Justiça no Brasil e no mundo estão no centro do debate sobre inclusão, equidade e direitos humanos. Calcula-se que 2/3 das pessoas no planeta não possuem acesso à Justiça básica, dado estimado pela Task Force on Justice. Embora em muitos países de baixa renda as pessoas sejam privadas de proteção legal, a entidade calcula que este serviço custaria US$ 20 per capita e traria impactos positivos para toda a sociedade.

Não por acaso, as custas judiciais estão em discussão em São Paulo, onde parte dos operadores do direito e o jurisdicionado estão acompanhando os intensos debates no Legislativo paulista sobre o aumento das custas judiciais (PL 752/21) em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo, tendo em lados opostos o Judiciário e a advocacia.

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Pela proposta, o custo judicial seria elevado em cerca de 50%, sendo que atualmente a arrecadação das custas judiciais é de aproximadamente R$ 1,5 bilhão, o equivalente a 10% do orçamento da Justiça paulista.

Uma das alternativas aos altos custos da Justiça vem sendo o incremento dos fundos de financiamento de litígios, pelo qual um terceiro financia demandas judiciais de uma das partes em troca de porcentagem do resultado quando a disputa legal é bem-sucedida. Embora seja ainda uma prática pouco explorada no Brasil, não é de todo desconhecida. 

Uma das referências históricas mais antigas vem das Ordenações Filipinas, que regeram as leis do império português a partir do início do século 17, permitindo que os nobres portugueses financiassem para seus súditos os custos necessários para suportar as despesas processuais em uma contenda levada à Justiça.

Nesse mundo de taxas judiciárias altas, os fundos de financiamento encontram terreno propício para crescer e se popularizar. Além das ações coletivas que envolvem disputas de grande vulto, as empresas também veem no financiamento de litígios uma forma de transferir o risco jurídico para o financiador. É sempre bom ratificar que o fundo não é empréstimo, mas um investimento de risco.

O financiamento de litígios de empresas é visto com um dos segmentos com maior perspectiva de crescimento no futuro próximo porque traz para as companhias o benefício de melhorar a liquidez e o fluxo de caixa, por um custo mais atraente que a contratação de uma linha de crédito bancário.

Os Estados Unidos são considerados o maior mercado de financiamento de litígios do mundo, que não para de crescer – só no ano passado os fundos aplicaram US$ 3,2 bilhões. Os EUA também são considerados um laboratório, no qual diferentes experiências deste tipo de financiamento em escala massiva são fomentadas. Muitas das mudanças passam pelos reguladores, mas somente alguns estados possuem normatizações específicas para este tipo de financiamento.

O processo formal não é um dos caminhos preferidos para resolver conflitos entre os norte-americanos, que adotam acordos de conciliação extrajudicial para solucionar suas demandas. 

Eles têm a vantagem de expressar o interesse das partes, de acordo com o poder de negociação de cada lado, e não acatar a decisão definida pelos magistrados ou negociadores. No Brasil, ao contrário, um dos países mais litigantes do mundo, as partes preferem os riscos de um julgamento na esperança de uma decisão que lhes seja favorável.

Os fundos de financiamento de  litígios nos Estados Unidos, em nível federal, não são regulamentados e permitem o financiamento de parte ou do total das despesas de uma ação judicial em troca da parte recebida pelo reclamante.

Em alguns estados vigora o Litigation Funding Transparency Act (LFTA), lei que torna obrigatório revelar o financiador dos litígios de terceiros para ações coletivas e litígios multidistritais, dentro de um prazo determinado no fechamento do acordo. Alguns estados, como Wisconsin e Nova Jersey, já possuem este tipo de lei, enquanto a Louisiana deve aprovar uma neste ano.

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No Brasil, o debate sobre o conhecimento do fundo financiador do litígio começou no Judiciário quando a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acatou agravo de instrumento para que a parte não apresentasse o contrato de financiamento, uma vez que já havia informado o nome do financiador. Esse é um debate importante. Que informações são sigilosas e quais podem ser compartilhadas?

No Agravo de Instrumento 2153411-63.2022.8.26.0000 ficou decidido que a identidade do(s) financiador(es) não é fator relevante para o mérito do litígio, uma vez que no ordenamento jurídico nacional não há qualquer impedimento para o financiamento de litígio de terceiros.

Ressalta a decisão no acórdão: “Mostra-se totalmente irrelevante a perquirição sobre a identidade dos financiadores das despesas processuais, razão pela qual a r. decisão agravada deve ser reformada para afastar a determinação de apresentação dos contratos celebrados com – ou qualquer outro que tenha como conteúdo o financiamento do litígio por terceiros”.

A União Europeia, por sua vez, tem um estudo sobre a aplicação dos fundos de litígio que entende ser um instrumento de apoio ao cidadãos e empresas no acesso à justiça e para transferir o risco do resultado da disputa para o financiador, devendo ter um papel crescente no contencioso jurídico nos próximos anos.

O estudo da UE sugere algumas salvaguardas, como definir o financiador terceirizado e cobertura de seguro, publicizar taxas de retorno do financiador,  divulgar ao tribunal o nome do financiador, com sanção no caso de descumprimento, garantir que o financiador não influencie os rumos da ação,  processar o financiador para cobrar custas se a parte financiada perder a ação, esclarecer sobre como funciona a reparação coletiva do consumidor.

É importante ressaltar que o financiamento de litígio pode ingressar na ação judicial em qualquer etapa da tramitação processual, seja pré-processual, durante o julgamento ou na execução. Também pode se restringir a um litígio ou ao portfólio de um escritório de advocacia ou abranger um estoque de processos de determinada empresa.

Os tipos mais comuns visam os processos individuais, litígio comercial, financiamento de caso único, litígios de portfólios e ações coletivas em diferentes jurisdições.

No Brasil, não foi preciso superar limitações legais para estabelecer a atuação dos fundos de litígio, como aconteceu no Reino Unido, por exemplo, onde foi necessário contornar duas doutrinas: a Maintenance, que não admitia a intromissão no litígio de um terceiro, e a Champerty, que proibia acordo para custear o processo de um terceiro, visando o resultado.

O papel do financiador do litígio está determinado no contrato, sendo um terceiro com interesse no litígio em disputa. Não pode ser visto como detentor do direito material da parte, como um sindicato, por exemplo, mas pode servir como um ator capaz de propiciar maior eficiência ao sistema judicial e uma nova forma de resolver disputas legais.


RICARDO FREITAS SILVEIRA – Sócio-head da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutorando no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino), mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University

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