A crescente busca por uma regulação unificada do ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) vem de todos os lados, sejam de agências reguladoras de valores mobiliários, legislativos nacionais, setores representativos do mercado, dentre outros.
Com tantas propostas para assegurar um padrão global de “reporting”, o mundo avança para uma nova fase de conformidade ESG com a consolidação das normas da União Europeia, as European Sustainability Reporting Standards (ESRS), editadas neste ano, que completam a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), cujo arcabouço ainda ganha a somatória do Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis e Regulamento da Taxonomia.
Um dos que detectaram essa nova fase foi Joe Longo, presidente da Velosio, empresa parceira de uma das maiores big techs do mercado e presidente da Comissão Australiana de Valores Mobiliários e Investimentos (ASIC).
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Para ele, não há dúvida que “as questões ambientais, sociais e de governança (ESG) estão impulsionando as maiores mudanças nos relatórios financeiros e nos padrões de divulgação de uma geração. E torna-se necessário que [as empresas] estejam preparadas para essa nova fase do ESG, porque serão mais exigidas”.
Longo faz um alerta sobre a mudança de requisitos dos regulamentos ESG. Não há alarde na observação, mas equivale a um sinal de alerta para a necessidade de as companhias estarem preparadas para esse dia que se aproxima. Longo é formado em Direito pela Universidade da Austrália Ocidental, fez mestrado em Yale e por 17 anos atuou em Nova York e ocupou comitês de riscos reputacionais, aspectos regulatórios e de investigação em instituições financeiras.
Como diria Maquiavel, sempre detratado, mas muito racional: “Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança” e é isso o que ocorrerá com o ESG no futuro próximo, com a incorporação de novos requisitos, embora 75% das empresas globais, entrevistadas por uma pesquisa da KPMG, ainda não se sintam preparadas para atender à nova expectativa regulatória em curso.
A fase a que se refere Longo está ligada ao novo patamar de complexidade que vem atingindo os relatórios de sustentabilidade corporativa. A Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) da UE é destinada às empresas no sentido de comunicarem dados não financeiros.
Entrará em vigor em janeiro de 2024, substituindo a Diretiva de Relatórios Não Financeiros (NFRD), e torna os relatórios obrigatórios para cerca de 50 mil empresas da União Europeia, subsidiárias e terceiros, no que tange às práticas ESG. Hoje, apenas 12 mil empresas são obrigadas a relatar para a NFRD.
Uma vez implementada, as empresas que estavam anteriormente sujeitas à NFRD e as grandes empresas cotadas fora da UE com mais de 500 trabalhadores serão obrigadas a começar a reportar ao abrigo do CSRD para o exercício financeiro de 2024, com os primeiros relatórios a serem emitidos em 2025, enquanto outras grandes empresas começarão um ano depois.
As PME cotadas começarão a emitir suas primeiras declarações de sustentabilidade em 2027, embora possam decidir optar pela exclusão por até dois anos.
Os requisitos de comunicação de informações também se aplicarão a empresas de países terceiros que gerem anualmente mais de € 150 milhões de receitas na UE e que tenham uma sucursal na UE com receitas superiores a € 40 milhões ou uma filial que seja uma grande empresa ou uma PME cotada em Bolsa, começando no exercício financeiro de 2028 com o primeiro relatório em 2029.
Na pesquisa realizada pela KPMG, há quatro conclusões sobre essa nova fase ESG:
- Os novos requisitos que devem ser reportados introduzem uma mudança significativa em termos de volume e amplitude;
- A maioria das empresas avaliadas, em vários setores e países, fica muito aquém dos novos requisitos CSRD/ESRS; (Diretiva relativa à comunicação de informações sobre sustentabilidade das empresas);
- Os setores com elevado impacto ESG – como a energia – já reportam mais informações que correspondem aos requisitos da CSRD do que outros setores;
- As empresas da Europa estão mais alinhadas com o CSRD do que as de outras regiões.
Essas novas exigências terão um impacto significativo em empresas brasileiras que operam na Europa ou têm relações comerciais com companhias europeias. Estimativas indicam que cerca de 4.000 empresas brasileiras serão afetadas pelas regras e precisarão adaptar suas práticas de divulgação.
As empresas brasileiras com atividades na Europa deverão reportar não apenas suas emissões diretas de gases do efeito estufa, mas também as indiretas associadas a toda sua cadeia de valor. Além disso, deverão demonstrar que estão tomando medidas concretas para transição para uma economia de baixo carbono. As regras também exigem divulgação sobre impactos nos direitos humanos, com foco em questões trabalhistas como trabalho forçado e infantil.
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A adaptação às novas regras será um desafio para muitas empresas brasileiras, que terão que aprimorar suas práticas de gestão de dados, governança e engajamento com stakeholders. No entanto, também representa uma oportunidade para que o Brasil melhore sua imagem em sustentabilidade e gere valor a longo prazo.
O aprimoramento da regulamentação ESG continua variando em todo o mundo. No caso do Brasil, temos parâmetros mais modestos, se comparados com a fase regulatória da UE.
A taxonomia sustentável brasileira só agora está saindo do papel e visa mensurar o impacto socioambiental das empresas nacionais. A taxonomia da UE teve início em 2018 e percorreu um longo caminho, com a participação de todas as partes interessadas e observadores da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em 2020, produziu os documentos “Taxonomy: Final Reporte of the Technical Expert Group on Sustainable Finance” e “Taxonomy Report: Technical Anex” para estabelecer se uma atividade econômica pode ser considerada sustentável e orientar os investimentos.
Na busca da taxonomia nacional, o Ministério da Fazenda brasileiro abriu no final de setembro deste ano uma consulta pública (que se encerra no próximo dia 20) para contribuições de interessados. A ideia é que a taxonomia verde brasileira seja publicada no próximo ano e ganhe adesão voluntária a partir de janeiro de 2026, quando começará a viger.
A exemplo das demais taxonomias ESG, a classificação brasileira quer impulsionar o desenvolvimento sustentável, atrelada a um mercado de carbono e emissão de títulos soberanos sustentáveis, além de combater o greenwashing (divulgação de falsas informações sobre práticas ambientais corporativas) e ampliar os caminhos para uma economia e uma sociedade sustentáveis, cujos processos e atividades possam ser descritos.
Enquanto objetiva, a taxonomia verde-amarela centra-se na mitigação e adaptação da mudança climática, proteção e restauração da biodiversidade e ecossistema, uso sustentável do solo e conservação e uso sustentável das florestas, recursos hídricos e marinho, transição para a economia circular e prevenção e controle de contaminação.
No pilar Social, trata de geração de trabalho decente, com renda elevada, redução da desigualdade socioeconômica, levando em conta aspectos de gênero e étnico-raciais, redução das desigualdades do Brasil e promoção da qualidade de vida, com acesso a serviços sociais básicos. Em termos de objetivos, a taxonomia brasileira guarda similaridade com a europeia.
O Brasil terá um longo caminho a percorrer até chegar a um modelo similar ao da CSRD. O detalhamento dos relatórios da União Europeia é justificado pelo fato de que há “amplas evidências de que as informações sobre sustentabilidade que as empresas reportam atualmente não são suficientes. Muitas vezes, omitem informações que os investidores e outras partes interessadas consideram importantes.
As informações comunicadas podem ser difíceis de comparar entre empresas e os utilizadores das informações, caso dos investidores, não têm a certeza se podem confiar nelas”. E essa realidade, segundo a UE traria mais riscos, tanto para os investidores, que não teriam uma visão confiável; como para as empresas que teriam expostas sua reputação.
Na Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), a expectativa está voltada ao fato de que as normas consigam levar as empresas a reportar informações ESG confiáveis e comparáveis.
A CSRD também chama a atenção para o fato de que o nível de exigência foi ampliado: as empresas “precisam reportar todo o grupo sobre questões ambientais, como a poluição, os recursos hídricos e marinhos, a biodiversidade; a utilização de recursos; a economia circular e mostrar que estes são materiais”.
Segundo a pesquisa da KPMG, a divulgação reportada, muitas vezes, não atende à categorização de dados, porque as informações sobre mitigação trazidas pelas alterações climáticas são divulgadas parcialmente. Também há lacunas sobre a transição para economia de carbono neutro, dados sobre consumo de energia renovável e não renovável e emissão total de Gases de Efeito Estufa (GEE), dado mais básico que uma organização pode – e deve – divulgar.
O fator ambiental, sempre apontado como o mais fácil de entender e mensurar quanto à queda das emissões, deixa lacunas no levantamento da KPMG. No caso brasileiro, por exemplo, temos registrados efeitos climáticos severos este ano, agravado pelo fenômeno El Niño e impacto sobre os negócios.
Nem sempre é fácil integrar a realidade climática nos relatórios ESG e um exemplo são as ocorrências no final do inverno brasileiro, que produziu altas temperaturas.
No bioma amazônico resultou em um quadro climático que levou à escassez hídrica, com seca severa que impactou os rios, baixando o nível das águas e comprometendo a biodiversidade (botos e peixes mortos). Também afetou o bem-estar da população, que ficou sem água potável, sem poder pescar e se deslocar, ampliando a degradação ambiental, que está acelerando o processo de “savanização” da Amazônia.
Em oposição, no sul do Brasil, tivemos ciclones e fortes tempestades, deslizamentos de terra, causando mortes, desabrigo e prejuízos de toda sorte à população.
O pilar “S” dos relatórios também não são satisfatórios ao serem colocados em métricas, embora haja dados sobre políticas voltadas às forças de trabalho. “quando se trata de trabalhadores na cadeia de valor, comunidades afetadas e consumidores e usuários dos seus produtos e serviços, as empresas não comunicam atualmente as informações exigidas pela CSRD sobre gestão de riscos, métricas e metas”.
Também não há cumprimento sobre a granulidade (divisão do sistema e categorização dos dados informados).
A cultura orientada para o ESG está mais presente na governança corporativa, segundo a pesquisa, com medidas preventivas para prevenir episódios de corrupção e fraudes na conduta corporativa, mas não há garantias de que as medidas adotadas serão suficientes no nível necessário para preservação da conduta ética da organização.
Nessa nova fase do “reporting” ESG, também há uma preocupação da UE em se alinhar com outros padrões globais, por isso, estamos vendo uma aproximação com as normas do International Sustainability Standards Board (ISSB) e da Global Reporting Initiative (GRI).
A lição vital aqui está no tique-taque dos prazos regulatórios, cada vez mais próximos e, em alguns casos, causando desconforto para algumas corporações que, embora não se sintam preparadas, terão de comunicar seus impactos de sustentabilidade, que possam resultar em custos para o planeta, decorrentes de externalidades ambientais, sociais e de governança negativas, às vezes, difíceis de mensurar, assim como de mitigar.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
PATRICIA BLUMBERG – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London