“Se você perguntar o que transformará os negócios no futuro, acredito que serão as mudanças climáticas.”¹ Essa afirmativa é do reitor da Universidade da Columbia Business School, Costis Maglaras, e chega a causar perplexidade porque – como ele próprio afirma – tínhamos a certeza que os negócios futuros seriam afetados pela tecnologia, dados e análises, jamais por um pilar ESG.¹
Análises tão surpreendentes quanto essa ajudam a explicar porque as Escolas de Negócios vinculadas às principais universidades do mundo estão acelerando a incorporação do ESG (boas práticas sociais, ambientais e de governança) em seus currículos.
A crise climática, a questão social e a moralidade na gestão estão postas e as empresas fazem parte da solução ao incorporarem em suas estratégias metas ambientais, de justiça social e de governança.
Assim sendo, torna-se necessário forjar alunos com novos perfis, menos preocupados com os lucros e acionistas, e mais voltados a adquirir competências sustentáveis, com os olhos fixos na viabilidade dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Essas mudanças estão em curso, mas ninguém sabe responder em que ritmo elas acontecerão e em que nível afetarão o mercado por conta do acrônimo mais queridinho de Wall Street.
Educação, desenvolvimento humano e treinamento — que abrangem políticas, programas e atividades que vão desde o desenvolvimento da primeira infância e alfabetização até a educação formal para grupos marginalizados e habilidades para a força de trabalho — apresentam ações corporativas tangíveis e métricas de impacto quantificáveis e bem pesquisadas para avaliar desempenho, o que permite uma ação corporativa intencional com impacto mensurável em todos os três pilares do ESG.
Sabemos, contudo, que tanto nos países ricos quanto nos pobres, a educação tem poucos recursos e apresenta baixo desempenho, representando riscos não apenas para a comunidade empresarial, mas também para a economia global e a sociedade em geral. Em último estudo realizado pela GBC Education, 1 em cada 2 jovens não está a caminho de ter as habilidades mais básicas para o emprego até 2030.
Em todo o mundo, 260 milhões de crianças estão fora da escola, e a pandemia resultou em 7 em cada 10 crianças em países de baixa renda incapazes de ler o texto básico aos 10 anos.
À medida que as empresas lutam para recrutar e reter talentos, formar forças de trabalho diversificadas, identificar novos mercados para expansão e garantir a sustentabilidade das cadeias de suprimentos, as tendências atuais em educação, se não forem abordadas, intensificarão as pressões e os riscos que as empresas enfrentam.
Dadas as correlações fortes e positivas entre educação de qualidade e crescimento econômico, resultados de saúde, desigualdade, estabilidade e ação climática, a educação é a chave para desbloquear fatores não financeiros que impedem a sustentabilidade dos negócios.
No cenário corporativo atual, as empresas tradicionalmente comprometidas com a educação como uma prioridade de impacto social estão encontrando dificuldades para justificar e integrar esses esforços em novas estruturas ESG vinculadas à mitigação de riscos e sustentabilidade. Da mesma forma, os profissionais ESG não veem, à primeira vista, a atuação na educação como um ponto de alavancagem para promover seus objetivos ambientais ou de governança.
Embora as métricas de divulgação atuais forneçam alguma estrutura para relatórios, elas não fornecem os meios para contextualizar como os esforços corporativos estão se conectando ao progresso social fundamental.
Isso criou um ambiente em que as empresas tendem a se concentrar em métricas de divulgação de diversidade, equidade e inclusão (DEI) e gerenciamento de capital humano (HCM) sem levar em consideração ações tangíveis de educação, desenvolvimento e treinamento que impulsionam as métricas e maior mudança.
Mas, ventos sopram para cenários também otimistas. Para quem gosta de rankings, o Corporate Knights², de uma empresa comprometida com a sustentabilidade e que elabora relatórios de pesquisa e classificação, como o ranking Global 100 Most Sustainable Corporations in the World, divulgado durante o Fórum Econômico Mundial, lançou seu ranking de MBAs de todo o mundo,
no qual traz 40 cursos que estão se reinventando para se adequarem aos pilares ESG, por enquanto, sem representantes brasileiros, mas que destaca que a European School of Management and Technology (ESMT) Da Alemanha, já disponibiliza 26% dos conteúdos do seu currículo de MBA voltados a questões éticas, sociais e ambientais.
Embora fora deste ranking, temos registrado o esforço de instituições de ensino brasileiras para incorporar os pilares ESG em seus currículos. Aqui, no Brasil, o ESG também vem encontrando espaço nos cursos de pós-graduação e na grade curricular, de forma transversal, em várias disciplinas não eletivas na graduação de faculdades de elite do país, estando também presente em cursos independentes, a exemplo do que aconteceu com o Compliance.
A maioria das pessoas irá se surpreender ao saber, por exemplo, que a Wharton School of Business da Universidade da Pensilvânia (EUA) já disponibiliza mais de 50 cursos de graduação e pós-graduação sobre impactos sociais e sustentabilidade. É a chamada explosão da demanda envolvendo o ESG nas escolas de negócios americanas, até porque as empresas também estão buscando no mercado colaboradores juniores na área, uma tendência que deve crescer.
E tudo isso pode ter relação com mudanças na percepção das pessoas, que se refletem no mercado. Uma pesquisa de fôlego da Edelman Trust Barometer-2022 ³com 36 mil entrevistados em 28 países apontou que os cidadãos que participaram da enquete acreditam que a liderança social mudou de mãos, tornou-se um problema mais do setor produtivo (das organizações) do que dos governos.
A pesquisa da Edelman explicitou que a sociedade está presa em uma espécie de ciclo vicioso de desconfiança, recaindo sobre dois pilares importantes: governo e mídia. Eles não foram considerados instituições confiáveis para superar os desafios mundiais, como a crise climática, a desigualdade econômica e a requalificação da força de trabalho.
Outro dado importante da pesquisa é que os entrevistados entendem que as empresas devem colocar o ESG, a sustentabilidade, no centro de sua estratégia de negócios.
Até em templos sagrados do livre mercado, como a Universidade de Chicago, onde o economista Milton Friedman reina há décadas na defesa do lucro e da prioridade dos acionistas, algumas mudanças curriculares estão em curso, consolidando o reconhecimento de que o ESG é uma tendência de longo prazo, visto mais como um conceito e gerenciamento de risco.
Cursos da Harris School of Public Policy da Universidade de Chicago investigam os caminhos que levaram stakeholders a proporem que as empresas incorporem estratégias ESG em seus negócios. E os exemplos vêm de todos os lados: a Ater School Business da Universidade de Nova York, por exemplo, também aderiu e criou um centro ESG.
Toda essa alquimia acadêmica demonstra que as pesquisas científicas estão sintonizadas com as demandas sociais que dão musculatura ao ESG. Demonstra também o quanto o tema é relevante e merece estar sob a lupa dos acadêmicos para explorar e explicar, levando para a sociedade os resultados práticos que possam desenvolver, alinhando suas propostas às necessidades planetárias por um desenvolvimento mais sustentável.
As pesquisas envolvendo sustentabilidade, contudo, não ficam somente na esfera teórica, um grupo de estudantes da Universidade do Colorado Boulder promove esse exemplo. Eles desenvolveram pellets de algas marinhas para agregar à ração do gado, que reduz o gás metano (um dos gases de efeito estufa) emitido pelos bovinos decorrente da fermentação entérica durante o processo digestivo dos animais. A pesquisa foi vencedora do prêmio New Venture Challenge Climate.
No repositório de teses de universidade americanas e europeias já encontramos teses que tratam de ESG pelo viés do mercado financeiro e no banco de teses da Universidade de São Paulo (USP), a instituição brasileira melhor colocada no Times Higher Education (THE), detectamos dissertação de mestrado, do ano passado, sobre armazenamento de carbono e impactos sobre o ESG.
Na conclusão, o autor recomenda que “a legislação e sobretudo as empresas operadoras devam se inspirar, adaptar e usar o Risk Based Process Safety (RBPS) – amplamente utilizado em nível mundial e aplicável à atividade de armazenamento de CO2 – para melhor gerenciamento dos riscos, incentivar o desenvolvimento de tecnologias específicas para monitoramento e prontidão dos sistemas, aumento da segurança de processos e garantia do atendimento às vertentes ESG…”4.
A produção acadêmica que começa a tomar corpo em torno do ESG é importante porque têm o condão de causar impactos sociais por meio da investigação conceitual. Enfim, a academia com seu rigor teórico-metodológico, poderá gerar novas reflexões e conhecimentos em suas abordagens científicas.
Pelo seu caráter transdisciplinar, o ESG tem a “elasticidade” para contemplar diferentes campos científicos de estudo e pesquisa. Das Ciências Humanas às Ciências Exatas, abrindo muitas oportunidades de novos saberes em diferentes campos de investigação e de desenvolvimento, devendo criar novos conceitos e paradigmas.
De acordo com Vikram Gandhi, ex-aluno e palestrante da Harvard Business School, uma das pioneiras nesse desafio ESG, dentro de cinco ou 10 anos, o curso que ele ministra sobre “Investimento de Impacto” será redundante porque os pilares ESG constituirão uma agenda natural dentro das estratégias corporativas:
“Pense nisso: estamos em um estágio em que, como você pode ignorar o risco climático? Como você pode não focar nas desigualdades sociais e desigualdades de renda, e o que elas podem fazer para devastar este mundo? Como não focar na boa governança? Talvez você precise de alguma especialização só porque as áreas evoluem. Mas nosso objetivo é realmente incorporar isso [ESG] ao maior número possível de cursos para que nosso curso não seja mais necessário”5.
¹ https://www.workfutures.io/p/we-are-tribal
² https://www.corporateknights.com/rankings/global-100-rankings/
³ https://www.edelman.com/trust/2022-trust-barometer
4 NUNES, Romario de Carvalho. O papel da pesquisa e desenvolvimento para o monitoramento das instalações de armazenamento de dióxido de carbono e sua relevância no contexto de ESG. 2021. Dissertação (Mestrado em Análise e Planejamento Energético) – Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. doi:10.11606/D.106.2021.tde-17012022-233039.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
PATRICIA BLUMBERG – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London
DANIELE GOBI DE AZEVEDO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados e presidente do Comitê de Diversidade & Inclusão da LBCA.