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E-commerce vive insegurança jurídica com o Difal do ICMS

E-commerce vive insegurança jurídica com o Difal do ICMS

O diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ou Difal do ICMS, incide sobre as transações comerciais interestaduais e se aplica especificamente às operações que destinem bens ou mercadorias para consumidores finais, ou seja, em vendas de mercadorias que não se destinam à revenda.

Nas operações que tenham por destinatários não contribuintes do ICMS, o recolhimento do Difal em favor do estado de destino fica à cargo do estabelecimento vendedor. O comércio varejista via e-commerce é especialmente impactado pelo Difal em suas operações interestaduais em razão da característica B2C (business to consumer) da estrutura.

O Difal foi criado para distribuir a tributação entre os estados (origem e destino) nas operações interestaduais com consumidor final (Emenda Constitucional 87/2015, que incluiu o artigo 155, parágrafo 2º, VII), posto que nas operações interestaduais entre contribuintes essa distribuição é realizada pela sistemática de alíquotas diferenciadas para transações internas e transações interestaduais.

Ocorre que as normas gerais para nortear a implementação do Difal por cada um dos estados não foi feita através de norma complementar e sim por um Convênio Confaz, o Convênio ICMS 93/2015. O convênio em questão fixava bases de cálculo, alíquota, definia contribuintes – tudo o que é de reserva de uma lei complementar.

Com base nos ditames do Convênio 93 cada estado implementou em sua legislação interna a cobrança do Difal, o que se dava por GNRE (previamente a cada remessa) ou por recolhimento mensal, através de cadastro do fornecedor em cada estado de destino.

Posteriormente, a questão da ausência de lei complementar foi judicializada e, em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ação direta de inconstitucionalidade 5469 e o RE 1287019 para confirmar que a implementação do Difal do ICMS previsto na EC 87/2015 pressupunha a edição de lei complementar.

Assim, declarou inconstitucionais as cláusulas do Convênio 93/2015 e, por decorrência, as leis estaduais e distritais nele baseadas.

O STF determinou ainda a modulação de efeitos de sua decisão. Exceto para quem tinha ajuizado a ação, a decisão passaria a vigorar somente a partir de 2022, tempo suficiente para que fosse editada a lei complementar necessária para implementar a cobrança.

Apesar de o STF ter decidido erga omnes (ou seja, com validade para todos) pela impossibilidade de validamente se exigir o Difal na hipótese criada pela EC 87, pela modulação de efeitos, na prática, a decisão não permitia a recuperação do quanto pago no passado, por contribuintes que não tivessem manejado ação judicial previamente, e mantinha possível a continuidade da cobrança do Difal, com base na sistemática declarada inconstitucional, até 31 de dezembro de 2021.

Diante deste novo cenário, diversos estados se anteciparam e adequaram suas respectivas legislações estaduais para possibilitar a cobrança do Difal em 2022, contando que seria aprovada e editada ainda em 2021 a lei complementar julgada necessária para tanto.

Ocorre que a Lei Complementar 190/2022, que alterou a Lei Complementar 87/96 com as regras do Difal, não foi sancionada, ou seja, assinada pelo presidente da República em 2021. A sanção desta Lei Complementar e a sua publicação só se deu em 2022 (especificamente no dia 5 de janeiro).

E, assim, surgiu mais uma grande questão tributária, de grande interesse dos varejistas que praticam vendas interestaduais para consumidores finais não contribuintes, notadamente o e-commerce em geral, ou seja, o ICMS deve respeitar o princípio da anterioridade anual, previsto no artigo 150, III, b – que estabelece que é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Dessa forma, se o STF decidiu que para a instituição do Difal era necessária a edição de lei complementar, o conjunto legal para a cobrança deste só se aperfeiçoou com a publicação da LC 190, sendo que esta se deu em 2022. Logo, a cobrança só poderia validamente ocorrer a partir de 2023.

E assim, inúmeras ações judiciais hoje pretendem ver reconhecida a impossibilidade da cobrança do Difal em 2022, conforme passaram a exigir os estados.

Apesar de diversas notícias acerca de decisões liminares favoráveis aos contribuintes, também foi constatado que os presidentes de diversos Tribunais de Justiça (como Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal etc.) determinaram a suspensão das liminares obtidas pelos contribuintes, sob pretexto de grave lesão à economia e ao equilíbrio fiscal dos estados, gerando insegurança aos contribuintes.

A última palavra com relação à controvérsia será dada pelo STF, tribunal onde tramitam duas ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema:

a ADI nº 7.066, ajuizada pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), e a ADI nº 7.070, em que o estado de Alagoas contesta a determinação de que a cobrança do tributo só seja retomada três meses após a criação de um portal com as informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias nas operações e prestações interestaduais (artigo 24-A, parágrafo 4º).

A Advocacia-Geral da União (AGU), inclusive, se manifestou na ADI nº 7.070 pela aplicação do princípio da anterioridade anual da LC 190/2022, ou seja, validando a cobrança do Difal somente em 2023.

Por sua vez, em decisão recente da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ainda que o presidente daquele tribunal tenha determinado a suspensão de todas as liminares concedidas acerca do Difal, no mérito, deu provimento a um recurso do contribuinte, por unanimidade, para adiar a sujeição ao pagamento do Difal para 2023.

Assim, diante das inúmeras controvérsias acerca da produção de efeitos da LC 190/2022, resta ainda mais evidente a necessidade de o contribuinte ajuizar medidas judiciais, notadamente para conseguir reaver valores pagos em 2022, se a tese vier a ser julgada favoravelmente aos contribuintes.

E, neste sentido, a necessidade de ação judicial própria decorre da possibilidade de que o STF venha a modular os efeitos de eventual decisão favorável, para permitir a recuperação do indébito somente com relação aos contribuintes com ação judicial previamente ajuizada.


EDUARDO CÉSAR MUNIZ BOMFIM – Advogado, sócio e head da área tributária do Lee, Brock, Camargo Advogados. Especializado em direito empresarial e direito tributário pela PUC-SP
EDUARDO TOSHIHIKO OCHIAI – Advogado com especialização em direito tributário e sócio da LBCA

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