A velocidade com que o e-commerce se expande na América Latina é impressionante, remodelando o cenário econômico e o comportamento do consumidor. No Brasil, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) prevê um faturamento de R$ 224,70 bilhões até 2025, um marco que evidencia a força desse setor.
Essa transformação digital, impulsionada por marketplaces e redes sociais, levanta questões jurídicas complexas que demandam análise cuidadosa para assegurar a segurança e a conformidade legal dessas atividades.
Legislação e órgãos reguladores no e-commerce
O arcabouço jurídico que rege o e-commerce no Brasil é extenso e complexo, exigindo das empresas um conhecimento aprofundado e uma constante atualização. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabelece os princípios e as responsabilidades dos provedores de serviços on-line, enquanto o Decreto nº 7.962/2013 regulamenta e define regras para as transações de comércio eletrônico.
Além disso, órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e o Banco Central do Brasil desempenham um papel crucial na regulamentação do setor, fiscalizando práticas anticoncorrenciais, monitorando a proteção do consumidor no ambiente digital e regulamentando os pagamentos eletrônicos, respectivamente.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) impõe obrigações rigorosas às plataformas digitais, exigindo transparência na coleta, no armazenamento e no compartilhamento de dados pessoais. O descumprimento dessas normas pode resultar em sanções severas, restrições operacionais e na obrigação de divulgar publicamente a ocorrência da infração.
Responsabilidade dos marketplaces e práticas de segurança
Por outro lado, marketplaces que implementam programas robustos de conformidade com a legislação, como a criação de políticas de privacidade claras e acessíveis, a realização de auditorias regulares e a oferta de canais de comunicação para que os usuários exerçam seus direitos, constroem uma relação de confiança com seus clientes a partir desse compromisso com a privacidade e a segurança, bem como criam um ambiente de compra online confiável.
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Nesse sentido, marketplaces podem usar autenticação forte (MFA, biometria), proteger dados com tokenização e criptografia, e barrar ataques com firewalls e sistemas de detecção. A inteligência artificial analisa comportamentos suspeitos, enquanto monitoramento constante e testes de segurança fecham o cerco contra fraudes.
Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade objetiva e solidária de todos os participantes da cadeia de fornecimento por danos causados ao consumidor. Isso significa que os marketplaces podem ser responsabilizados por defeitos em produtos ou serviços oferecidos por vendedores terceirizados, mesmo que não tenham agido com culpa, salvo exceções.
Os marketplaces podem se eximir da responsabilidade se comprovarem que não colocaram o produto no mercado, que o defeito não existe ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiros. Por exemplo, se um consumidor compra um celular em um marketplace e o produto apresentar defeito ou não for entregue, o consumidor pode acionar tanto o vendedor quanto o marketplace para obter o reparo ou a troca do produto. Contudo, se o defeito for resultado de mau uso do celular pelo consumidor ou de falha do próprio fabricante, o marketplace pode não ser responsabilizado.
Transparência nos anúncios e resolução de conflitos
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também proíbe a veiculação de anúncios que induzam o consumidor a erro quanto à qualidade, ao preço, à quantidade, às características, à origem, à disponibilidade ou a qualquer outro dado relevante sobre produtos ou serviços.
As plataformas de e-commerce que adotam medidas para garantir a veracidade e a clareza das informações divulgadas em seus anúncios, como a verificação da identidade dos anunciantes, a análise criteriosa do conteúdo dos anúncios e a oferta de canais de comunicação para que os consumidores denunciem práticas abusivas, fortalecem sua reputação no mercado.
Isto é, uma boa prática observada por marketplaces de sucesso é a implementação de sistemas de inteligência artificial que escaneiam e removem automaticamente anúncios potencialmente enganosos ou fraudulentos. Essa ação proativa não apenas protege os consumidores de serem induzidos ao erro, como também solidifica a reputação do marketplace como um ambiente de compra confiável, essencial para a atração e fidelização de clientes.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também veda anúncios que distorçam informações cruciais sobre produtos e serviços. Marketplaces de destaque elevam a proteção ao consumidor ao adotar práticas como a verificação rigorosa de anunciantes, a análise detalhada do conteúdo promocional e a criação de canais abertos para denúncias.
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Uma boa prática a ser observada é a integração de inteligência artificial para identificar e remover, de forma ágil, anúncios enganosos ou fraudulentos. Essa postura proativa não só resguarda os consumidores de potenciais erros, mas também consolida a imagem do marketplace como um espaço de negociação transparente e confiável, um diferencial competitivo vital para conquistar e manter a lealdade dos clientes.
Outro ponto que merece atenção refere-se à segurança cibernética. Essa é uma preocupação crescente no e-commerce, com o aumento do número de ataques virtuais e fraudes online. De acordo com pesquisa realizada pela ClearSale (2024), o Brasil é o país com o maior número de tentativas de fraude no e-commerce da América Latina, o que, por si só, exige que as empresas invistam em medidas de segurança robustas para proteger seus sistemas e os dados de seus clientes.
Não menos importante é a adoção de programas de compliance e boas práticas de governança corporativa para mitigar riscos legais e fortalecer a imagem da empresa. As empresas devem estabelecer políticas internas claras, treinar seus colaboradores e implementar mecanismos de controle para garantir a conformidade com as leis e regulamentações aplicáveis.
Ainda assim, para controvérsias ou mal-entendidos consumeristas, em especial, a adesão a sistemas eficientes de resolução de conflitos é medida essencial para garantir a satisfação dos clientes e evitar litígios judiciais.
Além do PROCON, a plataforma consumidor.gov.br, por exemplo, oferece um canal de comunicação direto entre consumidores e empresas para a solução de problemas. Segundo informação de 2024 do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a plataforma é o canal de resolução de conflitos mais utilizado pelos consumidores, e 80% das reclamações registradas são resolvidas sem a necessidade de judicialização.
Em resumo, a complexidade do cenário jurídico do e-commerce exige que os marketplaces adotem uma postura proativa na conformidade regulatória, investindo em programas de compliance robustos, segurança cibernética de ponta e transparência na comunicação com seus clientes.
Ao antecipar-se às exigências legais e regulatórias, e ao adotar boas práticas de governança corporativa, as empresas não apenas evitam sanções administrativas e litígios judiciais, mas sobretudo fortalecem sua reputação como marcas confiáveis, construindo um ambiente de segurança que garante a expansão sustentável do e-commerce e a satisfação do consumidor moderno.
Thays Bertoncini – é advogada com pós-graduação em Direito Digital pela FGV e pela UERJ. Com experiência em consultoria e contencioso cível estratégico, atua em temas como obrigações contratuais, regulações consumeristas e litígios envolvendo players do mercado digital. Sócia do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), com expertise em gestão de equipes, estratégias processuais e prevenção de demandas judiciais.