Os avanços da tecnologia e a crescente regulação da internet são fatores que influenciam a simplificação de negociações, tornando mais simples e menos burocrático a celebração de contratos. É possível constatar que, com o passar do tempo, tanto a jurisprudência como a comunidade jurídica não têm mais dúvidas acerca da validade de contratos celebrados e emitidos em suporte eletrônico (ou virtual). Constata-se que o conceito atual de documentos também abrange os constituídos de forma eletrônica.
A legislação brasileira garante amplamente a validade dos contratos eletrônicos em geral assinados digitalmente sob o sistema oficial de certificação de Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).(1)
Entretanto, a aceitação e celebração de um contrato nem sempre ocorre por meio de uma assinatura eletrônica certificada pelo sistema da ICP-Brasil. Nesse cenário, surge um ponto de inflexão: qual o tratamento jurídico – e repercussões – que podem ser conferidos aos documentos firmados sem assinatura eletrônica?
No direito contratual, impera a liberdade de contratar (autonomia da vontade) e a ideia de que o simples consentimento é suficiente para a formação do contrato (princípio do consensualismo), não se exigindo forma especial na maioria dos casos.
Paralelamente, é perfeitamente possível constatar nos dias atuais que a manifestação de vontade das partes em celebrar determinado contrato vem ocorrendo de forma digital, dispensando-se assinaturas escritas como realizado em tempos passados, simplificando negociações e reduzindo custos. Ainda, pode-se afirmar que, no estágio atual que vivemos, há uma elevada tendência de diminuição (podendo-se aventar até mesmo uma substituição) dos documentos físicos, cujas tratativas e relações ocorrem, em grande parte, por meio digital.
Nesse aspecto, em geral, oportuno destacar que o ordenamento jurídico brasileiro está apto a reconhecer, de maneira plena, a validade dos documentos e contratos eletrônicos. Alguns exemplos: (i) os enunciados 297 e 298, aprovados na IV Jornada de Direito Civil, chancelam a possibilidade da utilização de documentos e arquivos eletrônicos; (ii) na seção destinada à prova documental, o artigo 411 do Código de Processo Civil (“CPC”), passou a prever que a assinatura digital se equipara ao reconhecimento de firma por tabelião. Atestando, inclusive, que qualquer documento é considerado autêntico no caso de sua autoria esteja identificada por qualquer meio legal de certificação, inclusive eletrônico; (iii) ao tratar das provas admitidas no processo, os artigos 439, 440 e 441, do CPC passaram a autorizar expressamente o uso de documentos eletrônicos em geral condicionando apenas a sua conversão na forma impressa; (iv) o artigo 422, §3º, do CPC, menciona, de forma ampla e geral, que a forma impressa (ou digitalizada) de mensagens eletrônicas tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas apresentadas.(2)
A título de ilustração, considerando que, atualmente, grande parte dos negócios realizados entre empresários ocorre por meio de plataformas eletrônicas, o Projeto de Novo Código Comercial (PLS nº 223/2013) disciplina o comércio eletrônico entre empresários, abrangendo a comercialização de mercadorias, de insumos, prestação de serviços e bancários. A regulação destina-se, também, conferir medidas mínimas de segurança das informações trocadas nas transações comerciais, de modo que deverá o respectivo site conter a política de privacidade e os termos de uso.
Observando-se os requisitos mínimos previstos no artigo 889, §3º, do Código Civil (4),desde que preenchidos os elementos dos títulos de crédito, nos termos de cada lei específica, admite-se, juridicamente, a emissão de títulos de crédito eletrônico com base em dados de computador (sendo a situação específica das duplicatas virtuais o mais conhecido, mesmo sendo necessário observar algumas particularidades previstas da Lei nº 5.474/68, que dispõe sobre as Duplicatas). Em operações bancárias, é comum a emissão das duplicatas virtuais (ou eletrônicas) emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica. Analisando esse tema em específico no âmbito do Poder Judiciário, a depender do caso concreto, é perfeitamente possível o ajuizamento de pretensão executória (“execução de título extrajudicial”) subsidiada por duplicatas que possam ser representadas por boletos bancários ou outros documentos criados por meios eletrônicos que contenham os requisitos do pagamento de quantia líquida e certa.
O Banco Central do Brasil, por exemplo, flexibilizou o procedimento de certificação de assinaturas eletrônicas apostas em contratos de câmbio. Atualmente, a partir da edição da Circular nº 3.829/17, além da utilização de certificados digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil, permite-se a utilização de outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos firmados de forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitidos pelas partes como válidos, na forma da legislação em vigor (artigo 42, incisos I e II).
Por outro lado, analisando o tema abordado especificamente no âmbito da Justiça Comum Cível e Empresarial, apesar se tratar de tema controverso no meio jurídico, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920/DF, reconheceu a executividade de contrato de mútuo firmado eletronicamente o qual não continha a assinatura de 2 testemunhas, dispensando o cumprimento dessa formalidade [a depender do objeto debatido no caso concreto, é possível flexibilizar essa formalidade mediante a apresentação de outros documentos, tais como, trocas de e-mails, atas de reuniões e outras formas de comunicações eletrônicas realizadas por meio de aplicativos (por exemplo, mensagens de WhatsApp)].
Ainda no contexto do Poder Judiciário, sempre respeitando o contraditório, a utilização de ação monitória, subsidiada com documentos formados por meio de suportes eletrônicos, tem se revelado um instrumento jurídico eficaz para comprovação de determinada relação negocial. Os seguintes meios empregados pelas partes podem representar prova escrita apta a subsidiar esse tipo de ação judicial: e-mails e diálogos travados entre as partes pelo aplicativo “Whatsapp”, demais mensagens e arquivos trocados com a utilização da internet e que possam ser formados por meio de computadores, tablets e smartphones, podendo consistir em textos, vídeos, áudios, imagens, entre outros.
Nesse sentido, é possível concluir que, com o suporte da legislação e regulamentação aqui mencionada, em geral, documentos e contratos eletrônicos gerados na forma aqui abordada são um importante passo para comprovação de determinado fato ou relação jurídica, superando obstáculos burocráticos inevitavelmente impostos pelo Poder Judiciário, permitindo-se sua adaptação às facilidades proporcionadas pelas inovações tecnológicas.
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(1) O Artigo 10, § 1º, da aludida Medida Provisória prevê que “as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil” (correspondente ao artigo 219, do Código Civil de 2.002).
(2) “Enunciado 297. O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada”.
“Enunciado 298. Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de “reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas”, do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental”.
“Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei”.
“Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor”.
“Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica”.
(4) “Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.
(…)
- 3º – O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.
(5) “EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE DE RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. 1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97. 2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio,títulos executivos extrajudiciais. 3. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp 1024691/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 12/04/2011).
*Mateus Augusto Siqueira Covolo – advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA)