O sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), Yun Ki Lee, fala ao jornal “Valor Econômico” sobre as decisões divergentes da Justiça brasileira, envolvendo o direito ao esquecimento, ainda não delimitado pelo ordenamento jurídico nacional. Na Europa, qualquer pessoa “pode requisitar a exclusão do conteúdo diretamente à empresa do motor de busca. Já no Brasil não é assim. Aqui é o judiciário quem decide se retira ou não o conteúdo”, afirma Yun Ki Lee.
Leia a íntegra das matérias:
Envolvidos na Lava-Jato querem ir à Justiça pelo direito ao esquecimento
Citados na Lava-Jato planejam ir aos tribunais pelo direito de serem esquecidos. Eles têm consultado os seus advogados sobre a possibilidade de conseguirem ordens judiciais para a exclusão de conteúdo das buscas do Google. Um dos motivos para a procura seria a proximidade da campanha eleitoral.
O buscador registrou, desde 2009, quase seis mil pedidos de remoção de conteúdo da página no Brasil – envolvendo mais de 64 mil itens. A maioria dos interessados em excluir as informações (56%) justificou o pedido com base no direito à privacidade e à segurança.
Não há números exatos sobre quantos desses casos estão relacionados à Lava-Jato. Mas já se sabe que existe um movimento crescente entre os que tiveram os seus nomes ligados à operação nos escritórios de advocacia. A estratégia, segundo advogados, é dificultar o acesso a informações que possam prejudicar a imagem daqueles que vão concorrer a cargos públicos.
“Essas serão as primeiras eleições, estadual e federal, depois do petrolão. Há muito interesse em tirar o conteúdo”, diz o sócio de uma banca especializada em direito digital. “Eles estão procurando. Estão investindo, pagando honorários”, acrescenta.
Mas essa não será uma tarefa fácil para os advogados. Não existe lei específica sobre o direito ao esquecimento e também não há ainda no Judiciário um entendimento pacificado sobre o tema.
O que existe são decisões basicamente de primeira e segunda instâncias. E na maioria delas os magistrados têm levado em conta, para permitir a remoção do conteúdo das páginas de busca, o teor da notícia divulgada. Se há interesse público ou histórico em relação ao caso, em tese, não caberia o direito ao esquecimento.
Advogados afirmam que nos casos da Lava-Jato será praticamente impossível conseguir decisão favorável, por exemplo, se a justificativa para a exclusão do conteúdo for somente a de que a pessoa citada ainda não foi condenada pela Justiça.
A banca em que Renato Opice Blum atua, o Opice Blum Advogados Associados, recebeu consultas nesse sentido. “Mas a nossa resposta tem sido negativa”, afirma. Ele diz que “se existiu inquérito, existiu investigação ou se há algum motivo para o nome da pessoa estar lá, do ponto de vista legal, não há o que fazer”.
Opice Blum, que também atua como coordenador do curso de direito digital do Insper, entende, por outro lado, que pode haver decisão favorável aos casos que acabaram não sendo confirmados nas investigações. Ele acredita que “quando há ilação, existe a possibilidade de corrigir, complementar e também de remover” o conteúdo.
Há uma situação dessas no escritório em que atua o criminalista Daniel Bialski. O seu cliente aparece em publicações como citado no depoimento de um delator da Lava-Jato. “Só que isso não se confirmou. Nós conseguimos, inclusive, uma carta do próprio delator afirmando que não citou a pessoa”, diz o advogado.
Nesse caso, no entanto, o cliente não quer somente excluir o conteúdo do buscador. Ele pretende apagar a informação originária, nos sites que publicaram as notícias. O escritório ingressou com ação judicial, mas ainda não há decisão.
Daniel Bialski entende que além desses casos não confirmados é possível um parecer favorável da Justiça naqueles em que a pessoa foi inocentada, sequer processada ou já tenha cumprido a pena. “Isso não pode servir como uma mácula eterna”, defende. “Na própria lei de execução penal consta que o crime tem de ser excluído da certidão. Até para que ela consiga se reabilitar. E isso pode valer também para a exclusão dos conteúdos na internet.”
O assunto está tão aquecido nos escritórios que algumas bancas têm até recebido propostas de empresas que prometem, por meio de tecnologia, remover as informações das páginas de busca. “Uma empresa que esteve aqui cobra US$ 10 mil por publicação excluída”, afirma um advogado. “Mas eu não recomendo aos meus clientes. Isso não tem nada a ver com direito ao esquecimento”, complementa.
O conceito do direito ao esquecimento trata, em linhas gerais, do direito das pessoas em não terem expostos fatos que, mesmo verdadeiros, possam causar danos. Essa discussão começou na Europa e ganhou força em 2014 com o julgamento, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, de uma ação movida por um advogado espanhol. Mario Costeja González alegava que publicações relacionadas a dívidas que tinha com o Estado eram irrelevantes e que, expostas ao público, feriam o seu direito à privacidade.
A decisão do tribunal foi a de que as notícias poderiam ser mantidas nos sites de origem, mas o Google deveria apagar o conteúdo do seu buscador. A partir desse julgamento começaram a ser estabelecidas regras para essa questão.
“Foi determinado, em países da Europa, que qualquer pessoa que entender que uma informação a seu respeito não tem nenhuma relevância histórica, jornalística ou está desatualizada ou inexata pode requisitar a exclusão do conteúdo diretamente à empresa do motor de busca”, contextualiza o advogado Yun Ki Lee, sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados. “Já no Brasil não é assim. Aqui é o judiciário quem decide se retira ou não o conteúdo”, acrescenta.
A base para esses pedidos, no Brasil, são sempre os princípios de proteção à intimidade e à privacidade, que estão estabelecidos na Constituição. Daniel Sanfins, sócio do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, alerta, no entanto, que para o pedido ser aceito pela Justiça não pode ferir outros direitos também garantidos constitucionalmente, como o acesso à informação e à liberdade de imprensa.
“Essa é a principal discussão nesses casos. Há um choque de direitos igualmente importantes e reconhecidos”, diz Sanfins. O advogado contextualiza que não há, hoje, um posicionamento uniforme do Judiciário sobre essas questões. O que se vê, segundo ele, são julgamentos que levam em consideração as peculiaridades do caso concreto.
Existem, na Câmara Federal, ao menos três projetos de lei (PL) que discutem a regulamentação do direito ao esquecimento. O de nº 8443/2017 prevê que os pedidos para a retirada de conteúdo sejam feitos diretamente aos sites de busca, em um modelo semelhante ao estabelecido em países europeus.
Já o de nº 2712/2015 propõe incluir no chamado Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 2014) um artigo permitindo a remoção de conteúdo desde que não haja interesse público atual na divulgação da informação e que o conteúdo não se refira a fatos genuinamente históricos. Não há menção, porém, se poderia ser feito extrajudicialmente ou somente por meio da via judicial.
Enquanto que o PL de nº 1676/2015 discute, entre outras questões, a criação, pelos sites de buscas e provedores de conteúdo, de departamentos específicos para tratar do direito ao esquecimento. Teriam de ser disponibilizados, segunda a proposta, endereços e telefones para receber as reclamações de interessados em excluir conteúdo.
Questão está na pauta dos tribunais superiores
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve concluir neste ano um julgamento que trata sobre o direito ao esquecimento na internet. A 3ª Turma está analisando o pedido de uma promotora do Rio de Janeiro para que o seu nome deixe de aparecer em buscas relacionadas a um escândalo de fraude em concurso público.
Esse processo (REsp 1.660.168) começou a ser julgado no ano passado, mas foi suspenso por um pedido de vista do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Por enquanto, o placar é de dois votos para cada lado.
O recurso vem de uma condenação, em segunda instância, a três buscadores de conteúdo na internet. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro atendeu, em 2013, o pedido da procuradora, determinando que o nome dela não fosse mais relacionado às notícias sobre a suposta fraude. Se não cumprissem a ordem, as empresas deveriam pagar multa diária de R$ 3 mil.
No STJ, a relatora do recurso, Nancy Andrighi, e o ministro Ricardo Cueva votaram contra o pedido da promotora. Para eles, os buscadores não podem ser obrigados a desindexar de suas pesquisas determinado resultado. Já os ministros Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro entenderam o contrário, pela possibilidade de remoção de conteúdo.
O caso é importante e tem a atenção do meio jurídico porque trata especificamente dos sites de busca. Mas existem outros que já foram julgados e também abordavam o direito ao esquecimento.
Dois dos mais emblemáticos, por exemplo, tiveram decisões divergentes no STJ, lembra o advogado Yun Ki Lee, sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados. A mesma turma decidiu de um jeito no que ficou conhecido como a Chacina da Candelária – episódio em que oito jovens foram assassinados – e de outro no caso Aída Curi, uma jovem assassinada após tentativa de estupro em Copacabana no ano de 1958.
“Os ministros estabeleceram um critério. Dá para contar a história sem citar a pessoa?”, lembra o advogado. “No caso Aída Curi entenderam que não seria possível. Ela é a história. Já no da chacina entenderam como possível contar a história sem falar de Jurandir Gomes, que foi injustamente acusado como o autor do crime”, complementa Yun Ki Lee.
Os dois casos foram contados no programa Linha Direta, da Rede Globo, e as pessoas envolvidas pedem indenização por danos morais. No da Aída Curi, por exemplo, familiares, derrotados no STJ, alegam que a exibição da história no programa fez com que revivessem as dores do passado. A Globo, por sua vez, defende o direito à liberdade de expressão e informação.
Ambos tiveram recursos interpostos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e há repercussão geral reconhecida ao relacionado à Aída Curi. É nesse julgamento (RE 1010606) que os ministros deverão firmar uma tese sobre o direito ao esquecimento. O principal desafio, segundo advogados, será encontrar equilíbrio para que os direitos de uma pessoa não se sobreponham à liberdade de expressão e informação.
O relator, ministro Dias Toffoli, colocou a discussão em pauta no ano passado e uma audiência pública sobre o tema foi realizada em junho. Até agora, oito empresas e entidades de comunicação e tecnologia ingressaram com pedidos para participar do processo como amicus curiae.