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Dilemas que cercam os fatores ESG

Dilemas que cercam os fatores ESG

Quando foi realizada a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972, surgiu um grande dilema entre preservar o meio ambiente e evitar o esgotamento dos recursos naturais ou expandir o crescimento econômico.

Naquela época, o Brasil deixava claro que “a soberania nacional não poderia ser sujeita em nome de interesses ambientais mal definidos”. Essa era a tese defendida pelos países chamados de Terceiro Mundo em oposição aos do Primeiro Mundo. Superado este falso dilema de que não era possível crescer e ser sustentável, o Brasil se engajou em uma política ambiental consistente e consolidou uma das legislações mais avançadas do mundo[1].

Da Declaração de Estocolmo ao Acordo de Paris (2015), foi um aprendizado para o mundo à base da superação de incontáveis dilemas, inclusive quanto à existência ou não de uma gigantesca crise climática, que veio a ser comprovada com a criação, em 1988, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um dos órgãos dos mais relevantes da ONU.

Como ensina o economista Jeffrey Sachs, em seu livro “A era do desenvolvimento sustentável”, “o ser humano está a alterar o clima da Terra, as reservas de água doce, a composição química dos oceanos e os hábitos de outras espécies. Estes impactos são hoje tão grandes que a própria Terra está a sofrer mudanças indiscutíveis no funcionamento de processos fundamentais para a própria vida — como os ciclos da água, do azoto e do carbono”.[2]

Atualmente, temos mais um novo dilema a debater: se os fatores ESG devem ser tratados como EESG[3], incluindo um novo “E”, relativo aos aspectos econômicos (economic) a serem considerados numa visão mais ampla de sustentabilidade. Outros, ainda, sustentam que o correto seja ESGI, com o “I” de “integrity” (integridade), sob a alegação de que se deve começar por aí porque, inexistindo esse elemento, nem interessa saber se os demais estariam presentes.

Neste momento, a discussão e o dilema sobre o desenvolvimento sustentável e crescimento econômico inclusivo se apresenta novamente. Particularmente, entendemos que a integridade, a par de permear todas os demais fatores, está particularmente inserta no “G”, de “governança”, em razão dos programas de compliance e definições de papéis e responsabilidades.

Os pilares ESG (Environmental, Social and Governance), ou, em português, ASG (ambiental, social e governança), encerram muito mais do que pode parecer à primeira vista.

Eles significam uma visão para além do lucro, puro e simples. Foi-se o tempo em que as empresas eram criadas apenas pensando em dar resultados financeiros. Hoje, obviamente, a rentabilidade segue sendo perseguida, mas não de maneira exclusiva.

Assim, há que se dar vazão às preocupações com a proteção ao meio ambiente, aos direitos humanos — que englobam a privacidade de dados (leia-se LGPD, Lei 13.709/18[4], que entrou em vigor em setembro de 2020, além da legislação análoga) e às regras de governança corporativa, nas quais se encontra o compliance e tudo o que ele encerra.

Embora ESG não seja algo novo, o fato é que ganhou muita força depois que Larry Fink, CEO da maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, escreveu, em 2019, uma carta às empresas investidas avisando que deveriam cuidar dos temas relativos a meio ambiente, sociedade e governança, sob pena de não receberem mais o dinheiro daquela companhia.

“Money rules” — o dinheiro governa — e, claro, a repercussão foi imediata, com empresas no mundo todo começando a se preocupar com esse assunto.

E não é à toa. A proteção ao meio ambiente, com os cuidados que isso encerra, é questão de sobrevivência, não apenas das organizações, mas da própria vida humana. Afinal, vivemos todos no mesmo lugar, o planeta Terra, e precisamos cuidar de nossa moradia.

Por isso, todo o cuidado com a gestão de resíduos, o descarte adequado dos poluentes, a observância das normas e posturas dos entes reguladores e autoridades públicas é condição sine qua non para que possamos viver num lugar saudável, livre das complicações inerentes à falta de tais medidas.

O “S” engloba tudo o que se refere à sociedade, contemplando os direitos humanos, trabalhistas, a proteção à privacidade de dados — sejam de clientes, fornecedores, parceiros comerciais ou empregados e colaboradores, além da comunidade do entorno.

A proteção de dados é uma questão extremamente relevante, que não pode ser relevada. Proteção de dados é sinônimo de liberdade, de autonomia de vontade de seu titular na utilização de suas informações por terceiros.

À guisa de informação, ponderamos que, recentemente, a Resolução CD/ANPD 2/22[5] determinou a flexibilização da LGPD para agentes de tratamento de pequeno porte[6], para além das demais hipóteses previstas no art. 4º da LGPD, nos seguintes termos[7]:

  • fica dispensada a obrigação de fazer a nomeação de um “data protection officer (DPO)” [encarregado de tratamento de dados pessoais], cargo criado exclusivamente para cuidar de segurança;
  • está permitida a flexibilização com base no risco e na escala de tratamento e no atendimento;
  • está permitida a flexibilização do atendimento às requisições dos titulares por meio eletrônico ou impresso;
  • é dispensada a obrigação de eliminar ou bloquear dados excessivos;
  • ganha-se o prazo dobrado em relação a outros agentes de tratamento;
  • está determinada a flexibilização do relatório de impacto de forma simplificada e a disponibilização de guias para auxílio na adequação.

Não se concebe, ademais, que uma empresa se apresente como preocupada com o ESG e, mesmo assim, não mantenha relações de trabalho regulares com os seus empregados e colaboradores ou que não recolha adequadamente os tributos pertinentes, com o intuito de auferir mais lucro. Isso vai de encontro a tudo o que tais fatores pregam, que é o aumento da consciência coletiva.

Para afastar a alcunha de “país do jeitinho”, temos de dar claras demonstrações de que o povo brasileiro é alegre, criativo, trabalhador, mas, acima de tudo, honesto e cumpridor de suas obrigações. É isso que nos fará ser vistos de modo positivo, internamente e no exterior, incluindo-se, por certo, as empresas, sejam elas grandes ou pequenas.

Não se pode aceitar, obviamente, a existência de pessoas em situação análoga à da escravidão, labutando horas a fio, sem direito a usar livremente o banheiro e sem seus direitos trabalhistas e/ou contratuais garantidos e preservados.

O mesmo se diga relativamente à discriminação por raça, cor, gênero, deficiência física ou mental, origem social ou étnica, religião etc.

Em nosso sentir, o “S” há de se sobrepor porque, no final das contas, somos pessoas nos relacionando com outras, ainda que em representação a uma empresa.

Com relação ao “G”, cabe ressaltar que, embora o compliance seja também palavra de ordem em muitas organizações, há, ainda, um imenso volume de empresas e instituições que fazem pouco caso. Regras de governança implicam a criação de políticas, procedimentos e processos, no intuito de aprimorar a gestão e impedir irregularidades, ilegalidades e atitudes antiéticas.

Processos são peças fundamentais para a administração, pois definem a forma, a metodologia como essa se dará e quais os controles que serão a ela aplicados. Nas palavras de Ihering, “a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gêmea da liberdade”[8]. Com isso, tem-se que, para sermos livres, somos compelidos a respeitar a lei, no caso, as normas internas estabelecidas pela organização.

O cumprimento das normas protege a empresa, a instituição, mas, sobretudo, os decisores e os executores das decisões, sejam eles públicos ou privados. Como exemplo, podemos citar as políticas internas referentes ao relacionamento com autoridades, que normalmente estabelecem as seguintes obrigações:

  1. validar a pauta da reunião (com um advogado ou outro profissional de compliance), a qual deve ocorrer, preferencialmente, em horário comercial, estar na agenda oficial do agente público e ser marcada de maneira usual, via secretariado ou assessoria, além, é claro, de tratar de temas que, direta ou indiretamente, beneficiem a sociedade (interesse público);
  2.  comparecer à reunião, sempre que possível, acompanhado(a), a valer para ambos os lados (particular e agente público);
  3. fazer um pró-memória da reunião, que deverá circular entre todos os participantes, para conhecimento e aprovação, contendo os principais pontos discutidos no encontro e os próximos passos, se houver.
    Essa prática gera uma situação de conforto para os interlocutores e pode evitar inúmeros problemas no futuro.

Sem dilemas, os fatores ESG, aliados ao programa de compliance, formam um conjunto poderoso de gestão, muito mais humanizada e responsável, relativamente ao meio ambiente e à sociedade.

Eis o grande atrativo e a força do ESG, de devolver a esperança de dias melhores, nessa luta contra a corrupção, pequena ou grande, contra as violações aos direitos humanos e o desrespeito ao meio ambiente.

[1] https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945023_a32ab770b22487aaa87dcbe9d85f6a03.pdf.

[2] SACHS, Jeffrey D. A Era do Desenvolvimento Sustentável. Lisboa: Actual, 2017.

[3] https://www.alemdaenergia.engie.com.br/eesg-o-novo-investimento-com-preocupacao-socioambiental/.

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm.

[5] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cd/anpd-n-2-de-27-de-janeiro-de-2022-376562019.

[6] Agentes de Tratamento de Pequeno Porte: microempresas, empresas de pequeno porte, startups, pessoas jurídicas de direito privado, inclusive sem fins lucrativos, nos termos da legislação vigente, bem como pessoas naturais e entes privados despersonalizados que realizam tratamento de dados pessoais, assumindo obrigações típicas de controlador ou de operador (art. 2.º, I).

[7] https://www.contabeis.com.br/noticias/50251/lgpd-veja-o-que-foi-flexibilizado-para-pequenas-empresas-com-a-nova-resolucao/.

[8] Apud Gomes Canotilho, José Joaquim. Direito Constitucional, Vol. II, Almedina, 1981, p. 29.

YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de Pós-Graduação em Direito.

ROGERIA GIEREMEK – Global Chief Compliance Officer do Grupo LATAM Airlines, presidente das Comissões de Estudos de Compliance da OAB/SP e do IASP – Instituto dos Advogados de SP, membro dos Conselhos Consultivos da Alliance for Integrity e da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, Embaixadora do CWC (Compliance Women Committee) e saia fundadora do Jurídico de Saias.

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