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Desafios climáticos pela lente do ESG

Desafios climáticos pela lente do ESG

Fazer frente à crise climática não é papel só do Estado, as corporações têm sua cota de responsabilidade .Neste momento, a temperatura global está em 1,15°C, comparativamente aos níveis pré-industriais. As metas do Acordo de Paris são muito claras: se o mundo quiser se manter em equilíbrio, antes do limite crítico, terá de se apressar para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em 43% até 2030 e chegar a zero líquido até 2050, para que a temperatura da Terra fique abaixo de 2°C ou permaneça no nível ideal de 1,5°C.

Daqui a três anos será realizada a revisão das metas de redução das emissões pelos países signatários do Acordo de Paris, uma data que aciona o cronômetro do balanço global para atestar se está havendo eficácia nas ações e políticas adotadas pelos países de todo o mundo para deter a crise climática e seus impactos.

Os riscos decorrentes da crise climática estão inclusos na pauta ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), uma vez que afetam as corporações e seus negócios, ao atingir ativos físicos e, muitas vezes, a própria viabilidade do empreendimento e seus stakeholders (clientes, parceiros negociais, profissionais, comunidade, agências reguladoras etc.). 

Fazer frente à crise climática não é apenas um papel do Estado porque se torna cada dia mais claro que as corporações têm sua cota de responsabilidade na descarbonização da economia e na necessidade de serem mais resilientes diante dos impactos climáticos.

Enquanto esforços avançam e recuam pela redução das emissões de GEE e eficiência energética, os eventos climáticos extremos se aproximam de nossa realidade, ao atingir o litoral norte de São Paulo, no final de fevereiro, onde houve a queda de 600 mm de chuva em 24 horas, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), causando perda de vidas, devastação, deslizamentos, inundações, perplexidade, indignação e mobilização da sociedade. 

São os impactos da crise climática que tinham feito anteriormente outras vítimas em Petrópolis (RJ), na Bahia, em Minas Gerais e Pernambuco. Com o aumento da temperatura global, a atmosfera fica mais aquecida, acumulando mais vapor d’água e propiciando chuvas intensas.

Como alertaram os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o clima do planeta já sofreu danos e é preciso reagir com rapidez para reverter — ou pelo menos frear — essa realidade.

 O exemplo é sempre mais incisivo do que as palavras, e o desastre no litoral paulista pode ajudar a dar  mais visibilidade à crise climática, levando o poder público, nas esferas federal, estadual e municipal, a ser mais proativo diante da urgência em tornar a gestão pública mais sustentável. Não bastará reconstruir a infraestrutura destruída pelas chuvas intensas, outros eventos extremos virão e a mitigação precisa anteceder a tragédia.

Tão surpreendente quanto a tempestade no litoral brasileiro foi a nevasca que atingiu o sul da Califórnia neste ano, a primeira em 30 anos.

 Um evento climático extremo em uma região dos Estados Unidos onde o clima geralmente é ameno durante o inverno, fechando as principais rodovias e cortando o fornecimento de energia. Como afirma Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, presidente do Climate Reality Project e prêmio Nobel da Paz de 2007, “em nossa experiência cotidiana, se algo nunca ocorreu antes, assumimos que não vai acontecer no futuro, mas as exceções podem nos matar e a mudança climática é uma dessas exceções”.

Diante das emergências climáticas, o Brasil tem uma história de comprometimento. A questão surgiu durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Rio 92, quando se decidiu criar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, arregimentando o comprometimento dos países signatários (partes) em prover uma estratégia para proteger o clima para gerações presentes e futuras, atuando sobre as emissões de GEE.

 O Brasil foi o primeiro país a assinar a convenção, em vigência desde 1994.

Um setor que vem sofrendo com as mudanças climáticas é o agronegócio brasileiro, principalmente no Rio Grande do Sul, onde ocorre uma estiagem severa, considerada a maior dos últimos 70 anos.

 Ao todo, 25% dos municípios gaúchos decretaram situação de emergência e as perdas no campo chegam a R$ 45 bilhões, com a quebra nas lavouras de soja e milho, dentre outras. O problema do agronegócio não é local, tanto que estudo publicado pela revista científica Plos One assegura que as mudanças climáticas vão comprometer o cultivo do café arábica em todo o mundo, inclusive no Brasil, com redução de áreas adequadas de plantio até 2050.

 A esse alerta se soma o surto da gripe aviária, que vem rondando o Brasil, maior exportador mundial de frangos. Segundo cientistas, o vírus vem infectando aves em inúmeros países de forma inusitada, provavelmente, em decorrência da mudança dos ciclos migratórios das aves, gerado pela alteração do clima.

No universo dos riscos demandados pelas mudanças climáticas, uma empresa de energia norte-americana é considerada a primeira vítima corporativa dessa crise: a Pacific Gas & Electric (PG&E Corp) — maior concessionária de energia da Califórnia —, processada judicialmente em decorrência dos incêndios florestais de 2017 e 2018.

 A empresa não teria conseguido proteger sua rede diante do crescimento dos eventos climáticos, compreendendo um universo de 120 milhões de árvores e 125 mil km de linhas de transmissão.

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A empresa saiu do processo falimentar depois de compensar na Justiça as vítimas dos incêndios, fazer acordo com as seguradoras, adotar um novo modelo de plano de segurança e procurar adaptar seu negócio às mudanças climáticas. Nesse processo de recuperação, buscou medidas sustentáveis para mitigar o riscos ambientais em seu negócio, sujeito a alto número de incêndios florestais, cumprindo metas por energia limpa e redução da emissão de carbono.

Os riscos corporativos tendem a crescer com a incidência de eventos climáticos extremos. E isso fica bem claro em outro episódio de dano corporativo, que aconteceu no Texas, em 2017, onde uma indústria química, que produz peróxido orgânico, foi afetada pelas inundações do furacão Harvey. 

O composto químico armazenado deveria ser refrigerado a zero grau, mas como isso não era possível em meio às tempestades e queda de energia provocadas pelo furacão, o composto se tornou inflamável, gerando explosões, fumaça tóxica e evacuação da população local.

No painel climático do mundo, a ciência aponta algumas rotas mais seguras a seguir. O 6º Relatório de Avaliação do IPCC, divulgado no ano passado, já alertou que na última década o mundo registrou 9,1 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa, o maior crescimento da história.

 Este dado alarmante não passa despercebido pelas corporações, tanto que pesquisa da S&P Global Market Intelligence (S&P Global Rating) apontou que 80% das maiores empresas globais informaram que ficaram expostas a riscos associados às mudanças climáticas e  decorrentes da transição para uma economia de baixo carbono.

Os riscos climáticos transpassam toda a economia e organizações de todos os setores, embora muitas companhias não estejam preparadas para lidar com as mudanças do clima.

 Os esforços de mitigação, como redução da emissões e eficiência energética, devem constar das prioridades estratégicas das empresas no sentido de reduzir os possíveis impactos que sua atuação possa acarretar sobre determinado bioma, biodiversidade, corpos d’água etc. Há uma gradação nessa mitigação, a começar pela instalação de uma planta industrial, que deve ser em local que cause o menor impacto possível ao ecossistema, mas caso seja inevitável, deve prover a compensação devida.

As mudanças climáticas estão cada dia mais presentes na rotina corporativa e o ESG pode apontar caminhos seguros ao estabelecer pontes estratégicas no âmbito ambiental, social e de governança, vinculadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, especialmente o ODS 13 (ação contra a mudança global do clima), buscando ampliar a perspectiva da resiliência para que o mundo avance além – e apesar – dos riscos climáticos.

De acordo com análise do Banco Mundial, o cenário mais ambicioso para reduzir emissões prevê um aumento médio da temperatura global de 1°C até 2100 (já superado) e o pior de 3,7°C, ressalvando que em muitas regiões os eventos extremos se tornarão mais comuns e mais severos. A conta do desenvolvimento errático, sem sustentabilidade, chegou e o custo estimado para o combate às emissões de GEE será salgado: 0,12% do PIB global até 2030 e de 2% do PIB mundial até 2050.

YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito

FERNANDO DE PAULA TORRE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Mestrando em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie

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