Apresentado pelo senador Fabiano Contarato, o Projeto de lei 2856/22 propõe a alteração do Código de Defesa do Consumidor ao tipificar e positivar a Teoria do Desvio Produtivo, que pode contribuir para aumentar ainda mais a litigiosidade no país.
Na prática, há risco de a positivação desta teoria ser encarada como desincentivo aos consumidores na busca de soluções alternativas de resolução de conflito que, na contramão do movimento em busca de uma justiça mais célere, passe a abarrotar ainda mais o Poder Judiciário, aumentando a morosidade, custos e insatisfação do jurisdicionado.
Para melhor análise do tema, cabe aqui, resumidamente, explicar que a Teoria do Desvio Produtivo consiste na ideia de que perda involuntária do tempo do consumidor para resolução de problemas decorrentes da prestação de serviços ou produto no mercado de consumo, deve ser indenizada.
Atualmente, inúmeros são os entendimentos dos Tribunais, inclusive da legislação brasileira que incentivam e corroboram com a necessidade da prévia tentativa de resolução de conflitos através dos meios extrajudiciais, podendo, inclusive, a sua ausência acarretar a extinção de eventual processo judicial ,
seja pela falta de interesse processual por ausência de pretensão resistida, caso não busque a resolução prévia do conflito de maneira administrativa; seja pelas plataformas digitais do governo ou pelos meios colocados à disposição pelo próprio fornecedor, como SACs e ouvidorias.
O fornecedor tem a possibilidade de extrajudicialmente, através dos canais de atendimento ou outros métodos de solução alternativa de resolução de conflitos, reparar eventuais danos causados aos seus consumidores. Esta diretriz, se interpretada a contrário sensu, impinge a impossibilidade de condenação judicial no caso de o consumidor optar por não procurar solucionar seu problema de forma célere e extrajudicial.
O cenário descrito, na maioria das vezes utópico, seria ideal e incentivaria investimentos em um país, onde as demandas judiciais impactam negativamente nos investimentos.
Na aviação civil, por exemplo, os números impressionam, se compararmos os mercados brasileiro e dos Estados Unidos.1
O cotejamento dos números da judicialização entre Brasil e Estados Unidos nos permite ou ao menos deveria nos levar a questionamentos. O projeto de lei que positiva norma rígida e que desincentiva a solução extrajudicial de problemas é benéfico para o mercado de consumo?
Aqui, torna-se importante destacar que a depender dos fatos na reclamação de um consumidor, o fornecedor pode demandar tempo maior para análise e resolução do problema, ou seja, poderá demandar a necessidade de mais de um contato entre consumidor e fornecedor, entrega de documentos, perícias internas, dentre outros fatores.
Este percurso para solução do problema de um consumidor, não deve e não pode ser visto como sofrimento ou motivo para o consumidor ser indenizado judicialmente. A tentativa de solução de problemas que podem ocorrer nas relações de consumo, não deveria ser interpretada negativamente e como estopim para uma condenação judicial, mas justamente o contrário, como prova da boa-fé objetiva que o fornecedor contratado é obrigado desde o momento da celebração do contrato.
O projeto poderá ter como consequência o fomento à indústria do dano moral e a permissibilidade de um fornecedor ser condenado em caráter duplo pelo mesmo fato.
O art. 25-A demonstra a intenção do legislador em expandir o conceito de dano, confundindo o dano extrapatrimonial e o patrimonial com base em um caráter totalmente subjetivo e não objetivo, qual seja: o tempo.
Trata-se de uma norma de eficácia limitada, que dependerá, caso o projeto seja aprovado, de regulamentação posterior. A nosso ver não será suficiente, por exemplo, invocar regulamentações de SACs – Serviço de Atendimento ao Consumidor ou normas administrativas que prevejam delimitação de tempo para atendimento. Isso porque, o simples fato de gastar tempo é relativo para cada consumidor individualmente.
Ademais, mesmo que o consumidor despenda tempo, o STJ já consolidou entendimento que os danos morais para serem reconhecidos, devem necessariamente ser provados. O efetivo dano deve ser provado.
Certo é que o dano moral visa preservar direitos da personalidade, ou seja, direitos individuais, pertinentes a cada pessoa. Dessa forma, por se tratar de algo que apenas a pessoa afetada pode sentir e dizer se sentiu lesada, é impossível definir categoricamente o que deve ser indenizado ou não.
Outro grande efeito e consequência jurídica que podemos observar com o referido projeto de lei é a confusão de conceitos, pois estará se permitindo e ampliando as condenações a título de danos morais, possibilitando o ordenamento mais uma qualificadora como novo tipo de condenação, gerando como consequência a concessão da dupla penalização dos fornecedores pelo mesmo fato,
visto que toda a dificuldade em resolver o conflito já é levado em consideração pelo juiz ao fixar a condenação em danos morais.
Por fim, outro deslize do projeto pode ser constatado no art. 25-E, no qual o tempo do consumidor é reconhecido como autorizador de uma condenação em danos morais, o que revitaliza orientação jurisprudencial sobre a impossibilidade de reconhecimento do dano in res ipsa.
Neste artigo, considera-se presumido o dano extrapatrimonial decorrente da lesão ao tempo do consumidor, podendo sua reparação, em tutela individual ou coletiva, ocorrer concomitantemente com a indenização de dano material ou moral.
Outra crítica é o reconhecimento dos danos materiais. Estes não devem ser comprovados através de critérios temporais, mas sim pela prova efetiva do dano e a extensão deste, conforme legislação civil.
Assim, aprovar um projeto de lei dessa natureza traria malefícios não só aos prestadores de serviços, como para o próprio judiciário e aos consumidores, pois todos terão que lidar com a alta judicialização do país.
1 Panorama 2021 ABEAR: Resiliência e recuperação consistente do setor. 6 de dezembro de 2022. https://www.abear.com.br/imprensa/agencia-abear/noticias/panorama-2021-abear-resiliencia-e-recuperacao-consistente-do-setor/. Pág. 26