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Alerta do STJ à ordem processual

Alerta do STJ à ordem processual

STJ reafirma que prazo para contestação só começa após despacho que recebe a petição inicial, garantindo segurança jurídica e respeito ao contraditório.

A fixação precisa dos marcos processuais é essencial para a integridade do contraditório e o equilíbrio entre as partes. Em especial, nas relações jurídicas de natureza continuada ou com elevado número de demandas, como aquelas envolvendo grandes litigantes, torna-se ainda mais necessário que os operadores do Direito mantenham atenção redobrada às balizas legais que delimitam o início da exigibilidade da resposta do réu.

Diante de tal cenário, a decisão proferida pelo STJ no REsp 1.909.271/PR1 reafirma um ponto fundamental: a contagem do prazo para contestar somente se inicia após a decisão judicial que recebe a petição inicial. A simples habilitação nos autos, desacompanhada de qualquer manifestação de mérito e anterior ao referido despacho, não pode ser confundida com comparecimento espontâneo, nos termos do art. 239, §1º do CPC.

Segundo o julgado, é “indevida a fixação de termo inicial do prazo de contestação a partir da ciência do feito, sem que haja decisão de recebimento da petição inicial, tampouco citação válida”. Trata-se de um reforço à lógica de que a citação válida – e não qualquer outro marco – é o que inaugura o contraditório e define a exigibilidade da defesa. Este é um pressuposto de segurança jurídica e respeito ao devido processo legal.

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A centralidade do despacho de recebimento

Importa destacar que é o despacho de recebimento da petição inicial que inaugura formalmente a fase de cognição e autoriza a exigência de resposta do réu. É esse o momento em que se forma a relação jurídico-processual, e somente a partir dele se opera o início dos prazos de defesa. O art. 335, I, do CPC, ao estabelecer que o prazo para contestação se inicia a partir da audiência de conciliação ou mediação, também corrobora a sistemática de que a citação ou despacho de recebimento são indispensáveis para deflagrar o contraditório.

No mesmo sentido, o enunciado 10 do FONAJE dispõe que “A contestação poderá ser apresentada até a audiência de Instrução e Julgamento”2. A orientação reforça que o exercício do direito de defesa está condicionado à constituição válida da relação processual e à abertura formal do contraditório, afastando qualquer interpretação que antecipe indevidamente o marco inicial do prazo de contestação.

Ainda que os Juizados Especiais operem sob a lógica da celeridade e da informalidade, o magistrado segue vinculado ao ordenamento jurídico. A flexibilização procedimental não autoriza a criação de marcos processuais subjetivos nem relativiza as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa. A decisão do STJ nesse contexto, revela-se como necessária intervenção no óbvio, reafirmando parâmetros que, embora expressos em lei, vinham sendo desviadas em algumas práticas judiciais.

Em um sistema que se pauta pela previsibilidade e pela padronização, é fundamental que os marcos processuais estabelecidos pela legislação sejam respeitados. A leitura de que a mera habilitação do réu já representa comparecimento espontâneo revela um descompasso com o que prevê o ordenamento e fragiliza a própria coerência do contraditório. Tal interpretação, por parte de alguns magistrados, ignora que a simples ciência da demanda não tem o condão de antecipar a constituição da relação jurídica processual.

E aqui, destaca-se a precisa definição do ministro relator sobre o comparecimento espontâneo: “embora nada impeça que o réu se apresente aos autos em qualquer momento e independentemente de qualquer irregularidade, como se verá, o instituto do comparecimento espontâneo tem por objetivo precípuo sanar a indevida falta ou a nulidade da citação, evitando, assim, a renovação do ato citatório, em respeito à celeridade e à economia processuais.” Ou seja, trata-se de mecanismo excepcional, voltado a suprir vícios de citação, e não a antecipar prazos com base na simples habilitação do advogado.

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A decisão do STJ, portanto, não representa apenas uma interpretação isolada, mas uma diretriz clara para o Judiciário e para todos os operadores do Direito. Relembra que não é o simples ingresso da parte no feito que inaugura prazos, mas sim a citação válida ou, nos termos legais, o comparecimento espontâneo com manifestação suficiente para integrar a lide – o que exige mais do que um protocolo formal de habilitação.

Em um cenário em que o volume de ações exige respostas rápidas e padrões consolidados, o respeito aos limites legais continua sendo o norte. Cabe ao Judiciário aplicar com rigor os marcos processuais corretos e às partes atuarem de forma estratégica, mas sempre dentro da moldura legal, determinada na própria ementa “No procedimento comum para os direitos disponíveis, em regra, a citação do réu para integrar a relação processual conterá a sua convocação para manifestar o seu interesse em participar da audiência de mediação e conciliação do art. 340 do CPC/15, não envolvendo necessariamente, portanto, a apresentação imediata da defesa”.

O risco do excesso de zelo é substituir o conteúdo pelo rito, esvaziando o contraditório e criando obrigações processuais, onde a lei não as impõe.

Marco do contraditório

O reforço do STJ à centralidade do despacho de recebimento da inicial, como marco inaugural do contraditório, deve ecoar como um chamado à racionalidade processual. Em tempos de alta litigiosidade e crescente automatização de rotinas, a fidelidade aos parâmetros legais não é um detalhe formalista: é a essência do processo justo. Ao reafirmar que a defesa não se exige sem provocação válida, o Tribunal resgata a lógica básica do processo: a parte só deve responder quando efetivamente chamada a fazê-lo.

Mais do que um precedente, trata-se de uma sinalização firme para o Judiciário e para os grandes players do contencioso: a previsibilidade e a técnica não podem ser sacrificadas em nome da informalidade ou da conveniência. Onde a lei define o início, não cabe antecipação – cabe respeito.


Diego Veneziani – Advogado Contencioso Cível Consumerista da Lee, Brock, Camargo Advogados, especialista em Direito Público (2019) e em Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale (2021). Membro da Comissão de Moralidade Pública da OAB de Santa Catarina.

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