A responsabilidade solidária costuma ser um ponto sensível entre parceiros comerciais, principalmente aqueles relacionados à fabricação de produtos eletrônicos, e sendo gerador de muitos atritos associados à relação de consumo e judicialização.
Isso acontece porque a responsabilidade solidária prevista nas relações de consumo, em termos práticos, significa que o consumidor pode escolher quem acionar em casos de vício ou defeito de produto ou falhas na prestação de serviços: se a um ou a todos que participaram da cadeia de consumo; se só o fabricante, ou se o fabricante e a assistência técnica conjuntamente, mesmo nas hipóteses em que só está última seja a efetiva responsável pelo problema.
Não obstante, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também prevê que os fornecedores – compreendendo nessa expressão todos aqueles que participam da cadeia de consumo de acordo com definição contida no artigo 3º do CDC – devem responder objetivamente pelos vícios e fatos de produtos ou serviços, ou seja, independente de terem agido com culpa.
Na responsabilidade objetiva, ao contrário da responsabilidade subjetiva, basta a demonstração do nexo de causalidade e do dano para sua caracterização, independentemente de qualquer averiguação sobre a culpa.
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Observa-se que o legislador quis conferir proeminência à posição do consumidor, para este possa exigir os seus direitos, principalmente sob o aspecto da busca pela reparação integral – direito básico do consumidor.
É inegável o caráter protecionista do Código de Defesa do Consumidor, traço este desenhado intencionalmente pelo legislador consumerista em decorrência do estabelecido no artigo 170, V, da Constituição Federal, que para melhor compreensão, transcreve-se abaixo:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
V – defesa do consumidor;
Todavia, é sempre importante asseverar que aquele fornecedor que arcar integralmente com eventual indenização em uma cadeia de consumo composta por outros fornecedores poderá propor ação autônoma visando discutir qual fornecedor agiu com culpa e que, portanto, deve ser responsabilizado pelo dano sofrido pelo consumidor a ser arcado pelo fornecedor, por exemplo.
Nesta hipótese, o consumidor já foi indenizado e os fornecedores que compõem a cadeia de consumo discutirão, em ação autônoma, sob a égide da responsabilidade subjetiva, quem agiu com culpa para ocasionar o dano sofrido pelo consumidor.
Aquele que agiu com culpa ressarcirá os prejuízos daquele que teve que arcar com a indenização, integral ou parcialmente.
Todavia, embora tal hipótese de ressarcimento de danos pareça ser bastante simples à primeira vista, em grande parte das ocasiões, o custo e o tempo envolvidos não compensarão o proveito econômico.
Essa afirmação decorre da necessidade de recolhimento de custas judiciais, contratação de advogados, dilação probatória – que em casos em que se discute a responsabilidade subjetiva, obviamente, acaba sendo mais custosa –, entre outros.
Surge, então, um paradoxo sobre as estratégias e ações para contornar a responsabilidade solidária após a concretização de um problema ao consumidor. Advogados buscam implementar novas teses, argumentam sobre a inexistência de solidariedade na cadeia de consumo, entre outras estratégias. Por vezes tais estratégias surtem efeito, no entanto, geralmente o caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor prevalece e a responsabilidade solidária é confirmada.
E neste ponto cabe, então, um pensamento crítico, para conduzir uma exploração do conhecimento sobre o assunto, por meio de uma série de perguntas indutivas para revelar padrões disfuncionais e, assim, permitir mudanças nesses padrões.
Um desses questionamentos é se não existe outra forma de tratar a responsabilidade solidária, além da forma combativa e repressiva.
Oliver Williamson, um dos mais importantes administradores e economistas norte-americanos e responsável por grandes contribuições à Nova Economia Institucional, teoriza que as instituições econômicas do capitalismo têm como função principal, embora não exclusiva, a de reduzir os custos de transação[1].
Para Williamson, a empresa deve ser tratada como uma estrutura de governança, na qual o objetivo é garantir uma coordenação que economize os custos de transação, reduzindo a incerteza, compensando os agentes da racionalidade limitada e protegendo-os do oportunismo.[2]
Resumindo, Williamson acredita que através de estrutura de governança é possível reduzir custos de transação e, consequentemente, tornar a empresa mais eficiente.
A partir dos ensinamentos apresentados por Oliver Williamson e tentando aplicá-los ao meio jurídico, é inegável reconhecer que o desafio dos departamentos jurídicos e consequentemente dos advogados, é de entregar valor, podendo isso se dar também através da redução de custos.
E neste momento, passa-se a questionar a seguinte lógica: se as fabricantes já sabem o quanto gastam em condenações decorrentes de responsabilidade solidária, por que não passam a investir mais dinheiro na prevenção desses problemas e assim, paulatinamente, caminhar para uma redução dessa conta de condenações?
O instrumento para possibilitar isso é uma sólida estrutura de governança que sirva para mapear os riscos e, através disso, estabelecer um plano de ação, para exercer maior controle sobre outros fornecedores da cadeia de consumo: um verdadeiro compliance consumerista, se assim podemos dizer.
Tal estrutura de governança, consequentemente, permitirá uma melhor gestão dos recursos financeiros da empresa fabricante, que ao invés de ser destinado ao pagamento de condenação, poderá ser utilizado para aperfeiçoamento da cadeia de fornecedores e, consequentemente, melhorará a reputação da marca perante os seus consumidores, sem olvidar que reduzirá paulatinamente as condenações fundamentadas em responsabilidade solidária.
De forma conclusiva, não se busca aqui convencer que os fabricantes devem sempre se conformar com a responsabilidade solidária, mas sim de não deixar de exercitar o pensamento crítico e vislumbrar outras possibilidades de enfrentar as questões associadas à responsabilidade solidária, tal como as estruturas de governanças teorizadas por Williamson, além daquelas corriqueiramente utilizadas.
[1] WILLIAMSON, Oliver. The Economic Institutions of Capitalism: firms, markets, relational contracting. New York: The Free Press, 1985. P. 17)
[2] Zanella, C., Lopes, D. G., Leite, A. L. da S., & Nunes, N. A. (2015). Conhecendo o Campo da Economia dos Custos de Transação: uma análise epistemológica a partir dos trabalhos de Oliver Williamson. Revista de Ciências da Administração, 1(2), 64–77. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2015v17n42p64
FERNANDO DE PAULA TORRE – Sócio na LBCA e mestrando em direito político e econômico pelo Mackenzie