O governo de São Paulo trava uma disputa bilionária com famílias que têm bens fora do país e questionam na Justiça (STF) o pagamento do imposto que é cobrado na transferência desses imóveis, ações ou dinheiro.
Ao todo, são 200 ações, que envolvem um total de R$ 2,4 bilhões que o Estado alega ser devido por conta de doações, heranças ou transferências de mais de R$ 60 bilhões em ativos no exterior entre parentes.
O caso mais emblemático envolve uma única família que tentar evitar o pagamento de R$ 2 bilhões aos cofres estaduais, fruto de transferências de propriedade que somaram R$ 48 bilhões. O caso foi revelado pelo jornal “Folha de S.Paulo” e confirmado pelo EXTRA.
As doações ocorreram ao longo de cinco anos, a última delas já quando a pandemia do novo coronavírus havia começado. A família entrou com 30 ações na Justiça e ganhou o direito de não pagar o imposto.
Por questão de sigilo judicial do processo, o nome da família não foi revelado pelas fontes ouvidas pela reportagem.
O Supremo Tribunal Federal inicia nesta semana um julgamento que pode pôr fim ao embate. Os ministros irão avaliar a competência dos governos estaduais para tributar a transferência de bens oriundos do exterior.
Cuidado:
O STF terá, na prática, que arbitrar sobre uma omissão do Legislativo, que desde a Constituição de 1988 nunca criou a Lei Complementar para o pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) em casos de pessoas que morem no exterior, tenham bens em outros países ou realizem seus inventários fora do Brasil.
Embora o imposto seja cobrado normalmente dentro do país, há essa lacuna legal para bens lá fora.
— São as famílias mais ricas que entram com ações preventivas na Justiça para não pagar o ITCMD. Há 200 ações desse tipo no estado de São Paulo, de bens que somam R$ 60 bilhões. Como a alíquota aqui é de 4%, o valor de imposto que deixou de ser recolhido chega a R$ 2,4 bilhões — diz um procurador de São Paulo que pediu para não ser identificado.
Os estados podem cobrar o ITCMD de acordo com leis aprovadas por cada assembleia. As alíquotas variam de 4% a 8%.
Uma fonte do fisco paulista estima que, caso o STF dê ganho de causa aos contribuintes, os impactos nas contas paulistas podem chegar a R$ 6 bilhões, mais da metade do rombo previsto para 2021. Isso seria devido aos R$ 2,4 bilhões já em questionamento, outros R$ 2 bilhões, frutos de pedidos de ressarcimento, e o restante decorrente da frustração de receita futura.
Gabriela Figueiras, sócia do Queiroz Cavalcanti Advocacia, acredita que o STF tende a ser favorável aos contribuintes.
— A Procuradoria-Geral da República (PGR) já se posicionou contra a cobrança do imposto dos estados, por mais que isso possa parecer injusto, por tratar-se de um imposto que incide mais sobre os ricos e mesmo o Brasil tendo uma alíquota máxima de 4%, muito abaixo da média de 20% da OCDE e de até 40% a que chega em locais como os Estados Unidos.
Yun Ki Lee, sócio-fundador da LBCA Advogados, explica que a incidência do tributo não significa que o dinheiro necessariamente “retornou” ao país, mas sim que houve uma transferência de titularidade.
Ele acredita que a publicidade de casos volumosos nesta semana e a divulgação de um outro caso que envolve o tributo — o colunista Lauro Jardim noticiou que outra família de São Paulo vai enviar ao exterior outros R$ 50 bilhões e que recolherá R$ 2 bilhões em tributos — colocam luz sobre o caso e pressão no Supremo.
Segundo procuradores de São Paulo, a estratégia usada para não recolher o imposto é quase sempre a mesma: os recursos ou bens são transferidos ao exterior para as chamadas “empresas de prateleira”, sediadas em paraísos fiscais, como Ilhas Virgens Britânicas e Panamá. Em seguida, os recursos e bens retornam ao país, através da “doação” de cotas dessas empresas, já em nome dos herdeiros. Nos paraísos fiscais, esse imposto também não é pago.
Segundo a Secretaria de Fazenda de São Paulo, até agosto, foram arrecadados R$ 1,5 bilhão com o ITCMD.
Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, lembra que a Lei da Repatriação, criada em 2015, criou um sigilo para estes casos. Ele conta que nem mesmo os fiscos estaduais têm acesso aos dados das pessoas que trouxeram recursos do exterior, o que dificulta a cobrança do ITCMD. Esse sigilo é questionado no STF.
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