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Velvet Sundown e o limbo das músicas criadas por IA

Velvet Sundown e o limbo das músicas criadas por IA

Por que o caso da banda psicodélica inexistente acende alertas na propriedade intelectual e no ecossistema musical? 

A ascensão meteórica da banda Velvet Sundown , que alcançou meio milhão de ouvintes no Spotify em poucas semanas, seria apenas mais uma curiosidade da era digital, não fosse um detalhe essencial: a banda, ao que tudo indica, não existe. Sem redes sociais, sem apresentações, sem identidade real dos integrantes e com biografia composta por frases vazias e uma citação falsa da Billboard, tudo aponta para um projeto musical inteiramente gerado por inteligência artificial. Esse cenário levanta questões jurídicas sensíveis e estruturais para o mercado fonográfico.

Do ponto de vista da propriedade intelectual, o caso escancara a fragilidade da cadeia autoral na era dos conteúdos sintéticos. Se as obras são integralmente geradas por ferramentas de IA, como Suno ou Udio, quem detém os direitos autorais? E mais: esses direitos sequer existem juridicamente? No Brasil, e na maioria das jurisdições, a legislação ainda exige a presença de um criador humano para o reconhecimento do direito autoral. Isso significa que obras geradas por IA, mesmo que tecnicamente originais, não gozam de proteção jurídica automática. Ao mesmo tempo, se essas obras são monetizadas em plataformas como Spotify e Apple Music, estamos diante de uma lacuna entre fato econômico e respaldo normativo, com riscos tanto para titulares humanos quanto para consumidores e concorrentes legítimos.

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A ausência de obrigatoriedade de transparência sobre o uso de IA nas plataformas digitais agrava o problema. Enquanto a Deezer já implementa alertas em álbuns potencialmente sintéticos, serviços como Spotify e Apple Music permanecem omissos, o que compromete a curadoria responsável e o dever de informação ao consumidor. Para artistas humanos, há ainda o risco de concorrência desleal algorítmica, já que faixas como as do Velvet Sundown vêm sendo inseridas em playlists populares (como “Desert Driving”) por meio de estratégias não verificadas, que podem envolver bots ou manipulação de métricas.

A lógica das recomendações algorítmicas sem critério de autenticidade cria um paradoxo: a música passa a existir e ser consumida em larga escala independentemente de autoria, identidade ou performance real. Isso desafia conceitos clássicos do Direito Autoral, como originalidade, fixação e atribuição, e força o debate sobre regulação de outputs de IA, metadados obrigatórios e modelos híbridos de atribuição, com previsão de corresponsabilidade de plataformas e distribuidores.

Em um cenário onde gravadoras investem em artistas virtuais e startups exploram a IA como ferramenta criativa, o caso Velvet Sundown marca um ponto de inflexão. Para além do hype ou do experimento, ele nos obriga a perguntar: quem é titular da música que (talvez) nunca existiu? E, mais importante: quais os limites éticos, jurídicos e econômicos para que a música gerada por IA coexista com a música feita por pessoas reais?

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