A comunicação no universo ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) se tornou um assunto sensível, capaz de gerar polêmicas e riscos, inclusive reputacionais, para as organizações. É necessário praticar uma comunicação consistente, objetiva e transparente, que consiga ser entendida por todas as partes interessadas (investidores, clientes, fornecedores, funcionários, parceiros negociais, agências reguladoras, comunidade etc.).
Segundo pesquisa da Backer MacKenzie 2024, 73% das companhias entrevistadas têm a percepção de que o greenwashing (alegações enganosas ou exageradas sobre os dados de sustentabilidade da empresa), se tornou um risco concreto para elas, daí o peso e importância da comunicação.
O ESG está mais voltado a uma comunicação estratégica, aquela que não é tão centrada na mensagem, mas nos públicos, por isso os stakeholders (partes interessadas) possuem um papel tão relevante. Cada parte terá um foco de maior interesse e comporá um mosaico de perspectivas.
Os investidores, por exemplo, podem se concentrar na governança e fatores regulatórios; enquanto clientes, nos avanços climáticos e seus impactos e os funcionários, em salários justos e questões de gênero.
Para acertar na comunicação, as empresas terão de saber qual tom adotar, além de manterem-se fiéis aos dados apurados para evitar uma acusação de greenwashing, desencadeando reações adversas, especialmente em tempos de desinformação (criação e compartilhamento de conteúdos falsos). Assim sendo, a questão da veracidade das informações torna-se ainda mais fundamental para não dar margem às interpretações errôneas.
Diante do incremento da conscientização das partes interessadas, a comunicação corporativa sobre o ESG enfrenta um verdadeiro “pente fino”. Para vencer essa possível ameaça, a comunicação terá de ser mais alinhada e precisa aos números corporativos, dosando os sucessos e insucesso, sem exagerar no primeiro e esconder o segundo. A melhor comunicação é a quela que se expande ao longo da cadeia de valor, detectando o progresso de práticas de sustentabilidade percorridas pelos parceiros no sentido de obter um impacto positivo e inspirador.
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Para falar a esse público essencial à comunicação ESG, torna-se necessário promover a avaliação da materialidade das partes interessadas. Nesse caminho, três passos são fundamentais: primeiro, mapear o universo dos grupos de stakeholders internos e externos e seu nível de relevância para a empresa. Em segundo, assegurar que esse universo de stakeholders expresse diversidade no sentido de oferecer diferentes pontos de vista sobre os desafios organizacionais. E, em terceiro, encontrar o ponto de equilíbrio entre o número representativo de stakeholders e o nível de engajamento.
O apetite por informações ESG só cresce em todo o mundo e os dados de autoavaliação das corporações contidos nos Relatórios ESG constituem um ponto de comunicação sujeito a escrutínios. Os relatórios surgiram como forma de os investidores tomarem decisões informadas sobre iniciativas sustentáveis das empresas, mas se expandiram e atualmente revelam o cerne do negócio.
A maioria das empresas utiliza como base para seus relatórios alguns frameworks do mercado, como o Global Reporting Initiative (GRI), Carbon Disclosure Project (CDP) Sustainability Accounting Standards Board (SASB), dentre outros; mas cada companhia promove uma adaptação, conforme suas necessidades e desempenho, já que as métricas ESG variam de país para país. Mais: cada companhia tem sua forma de se comunicar.
Na comunicação do ESG, o conceito de transparência torna-se fundamental porque implica na visibilidade dos dados que não eram até então publicamente divulgados. Além disso, agora eles são produzidos em maior ritmo e com riqueza de detalhes. Ao alcançar este patamar, a empresa volta-se para a responsabilização e o comprometimento das questões que envolvem o interesse público, assegurando a todos os stakeholders ampla acessibilidade às informações produzidas pela organização.
No caso da comunicação relativa aos relatórios ESG, surge uma nova tese sobre a existência de possíveis métricas “tendenciosas”, no artigo “It’s time to Change How ESG Is Measured”, publicado na prestigiosa Harvard Business Review, de autoria de Lauren Cohen, Umit G. Gurun e Quoc Nguyen, que impactam a comunicação.
Os autores entendem que as empresas descrevem metas ESG amplas e nebulosas em seus relatórios e que as classificações dos sistemas ESG podem estar caindo em uma espécie de “armadilha de medição”, distribuída por três vieses. No caso de a tese vir a se confirmar, esse fato pode ter grande peso na comunicação organizacional voltada ao ESG.
No primeiro viés, citam que a avaliação é realizada a partir dos pontos mais fáceis de serem medidos. No fator ambiental, por exemplo, os Gases de Efeito Estufa medem a pontuação ambiental da empresa, concentrando-se nas emissões o Escopo 1. Segundo a GHG Protocol (Greenhouse Gas Control), essas são as emissões liberadas para atmosfera em decorrência das operações da empresa, caso de sua frota de veículos movidos a combustível fóssil.
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Contudo, não estariam levando em conta as emissões de Escopo 2, aquelas que são as indiretas, como uso da eletricidade, gases de refrigeração, uso da água etc. E também o Escopo 3, que consiste em identificar as emissões indiretas advindas da cadeia de abastecimento da empresa.
O segundo viés apontado no artigo é a simplificação de informações sobre as atividades verdes das empresas, que buscam acelerar sua transição para uma atividade com menos carbono. Isso deixaria de fora companhias de energia, produtoras de petróleo e gás, embora tenham alta produção de patentes verdes para captura de carbono.
O terceiro ponto seria a simplificação dos dados ESG multidimensionais em uma única métrica, deixando de revelar ações importantes. De acordo com os autores, para ser mais eficiente, deveria haver uma abordagem dupla, sendo que as empresas poderiam definir que elementos ligados ao ESG gostariam de priorizar em seus relatórios, sejam ambientais, sociais ou de governança, evitando uma infinidade de questões expostas superficialmente.
Esse novo foco atenderia determinados interesses dos stakeholders, ao permitir uma supervisão regulatória mais focada e eficaz. Citam como exemplo uma empresa de tecnologia que pode priorizar a governança e privacidade de dados; enquanto outra empresa de energia, poderia focar mais em tecnologias de captura de carbono. “A comunicação transparente desses aspectos escolhidos proporcionaria aos investidores, às partes interessadas e ao público uma compreensão das prioridades de uma empresa relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança”, afirmam os autores.
Se a comunicação corporativa do ESG pode demonstrar o comprometimento da empresa, também pode empregar ressalvas preventivas em conteúdos informativos. São caminhos eficazes para resguardar a companhia de possíveis contendas e processos. Um exemplo simples está expresso na publicação sobre projeções e tendências dos pilares ESG para 2025 do Barclays Private Bank, que adota uma série de medidas cautelares. Vale ressaltar que entidades ambientais e parte da mídia do Reino Unido acusam o Barclays de greenwashing, ao prover financiamento sustentável para empresas de petróleo e gás, fato que a instituição financeira refuta.
Ao final dessa publicação, o Barclays inseriu um tópico sobre “Isenção de responsabilidade”, no qual comunica que “Todas as opiniões e estimativas são fornecidas na data dos materiais e estão sujeitas a alterações. O Barclays não é obrigado a informar os destinatários destes materiais sobre qualquer alteração em tais opiniões ou estimativas”. Também cita que a publicação não é oferta ou convite para aquisição de produto e serviço e que o conteúdo não foi revisado ou aprovado por autoridade reguladora.
Geralmente, nas divulgações corporativas sobre tendências, é muito comum incluir dados de pesquisas e estudos de terceiros para ratificar um ponto de vista e, mesmo nessa situação, a ressalva tem seu papel. O Barclays, por exemplo, enfatizou que, embora as fontes citadas tenham credibilidade e sejam confiáveis, não é possível garantir a precisão das informações, sendo que “elas podem estar incompletas ou condensadas”.
Outra medida bastante comum utilizada na comunicação, principalmente, em publicações jornalísticas de todo mundo, são as ressalvas de que as opiniões contidas em artigos de terceiros não expressam necessariamente a opinião do veículo jornalístico. Na verdade, ao publicar um texto polêmico, o veículo de mídia demonstra seu viés plural, abrindo espaço para quem concorda ou discorda de sua linha editorial, atraindo assim mais leitores e engajamento.
A presença da comunicação corporativa ESG ganhou um peso significativo nas organizações e no interesse de diferentes públicos (stakeholders) com os quais a empresa interage. Quem fala e quem se comunica fica mais exposto; quem assume o silêncio opta por menor participação e reduz a confiança das partes envolvidas. Mas, com uma comunicação ativa, a empresa estará preparada para contornar possíveis riscos que permeiam suas práticas, sendo transparente e responsiva em relação à sua jornada da sustentabilidade e da consolidação dos pilares ESG e dos respectivos impactos globais.
Ricardo Freitas Silveira – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutor em Direito Constitucional pelo IDP, mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University
Patricia Blumberg – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London