O Brasil se destaca no cenário jurídico internacional pelo elevado volume de ações judiciais de danos morais contra companhias aéreas, principalmente em razão de atrasos e cancelamentos de voos. Operar em um país de dimensões continentais, sujeito a diversos fatores externos que podem afetar os voos, coloca as companhias aéreas em uma posição desafiadora.
Estima-se que “98,5% das ações civis no mundo contra companhias aéreas estejam concentradas no Brasil” [1], sendo a probabilidade de uma companhia aérea ser processada no Brasil 5.836 vezes maior do que nos Estados Unidos. Nesse contexto, surge a questão fundamental: o tempo decorrido entre o evento e o ajuizamento da ação deve ser um fator relevante na análise de danos morais?
Para compreender melhor a questão, comparemos duas situações:
Situação 1: em 2022, um passageiro enfrenta um atraso de voo de 8 horas, alegando ter perdido compromissos importantes em seu destino.
Situação 2: também em 2022, uma pessoa sofre um acidente de trânsito que resulta em duas fraturas na perna, com laudo pericial indicando perda de funcionalidade permanente.
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No caso do acidente automobilístico, as sequelas físicas e emocionais podem ser de longo prazo, justificando uma ação de reparação mesmo após anos. Em contraste, os danos morais causados por um atraso de voo tendem a ser passageiros e menos intensos, envolvendo frustração e desconforto de curto prazo.
A diferença entre esses casos ilustra que, enquanto no acidente o sofrimento pode se prolongar e justificar uma indenização futura, no caso do voo atrasado, o impacto emocional naturalmente se dissipa com o tempo, enfraquecendo a justificativa para uma ação ajuizada anos depois.
Temporalidade do dano moral e papel da prescrição
O direito brasileiro define prazos de prescrição para limitar o período em que é possível buscar a reparação judicial, visando à segurança jurídica e à estabilização das relações sociais. A Convenção de Montreal, por exemplo, estabelece o prazo de dois anos para ações relacionadas a voos internacionais.
Mesmo dentro do prazo prescricional, o intervalo de tempo pode atenuar a intensidade do abalo emocional, um ponto já considerado em decisões judiciais. Doutrinadores argumentam que a gravidade do dano moral está relacionada ao impacto emocional imediato e que a demora para ajuizar a ação pode indicar que o incidente não foi suficiente para provocar reações mais graves.
Esse entendimento é endossado pela jurisprudência, que prevê que o valor da indenização deve ser ajustado conforme o tempo transcorrido entre o fato e a ação.
Jurisprudência e mitigação do dano pelo tempo
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) [2] já determinou que o intervalo entre o fato gerador do dano e o ajuizamento da ação influencia na fixação do valor indenizatório, especialmente em casos de atrasos longos. A ausência de reação imediata sugere que o dano emocional pode não ter sido significativo o suficiente para motivar uma resposta judicial célere, o que reflete o entendimento de que o tempo reduz a intensidade dos danos emocionais em situações não traumáticas.
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Tribunais estaduais, por sua vez, aplicam o princípio da boa-fé e o dever de mitigar o prejuízo, entendendo que a inércia do autor pode ser interpretada como um sinal de que o abalo moral alegado perdeu relevância ao longo do tempo [3] [4].
Moderação na concessão de danos morais
Diante do contexto do transporte aéreo, marcado por fatores externos imprevisíveis, uma abordagem criteriosa é essencial para evitar que o instituto do dano moral seja desvirtuado. A concessão de indenizações por atrasos de voo, anos após o ocorrido, deve ser restritiva, pois, em muitos casos, a ação acaba não servindo para reparar um sofrimento atual, mas sim para promover um enriquecimento indevido.
Cabe ao Judiciário ponderar tanto o prazo prescricional quanto o impacto temporal do dano alegado, assegurando que a reparação seja justa e proporcional, sem transformar o dano moral em um meio de ganho financeiro desproporcional — situação que fomenta, de forma significativa, as aventuras judiciárias.
[1] https://lbca.com.br/aviacao-civil-judicializacao-excessiva-e-os-maleficios-a-sociedade/
[2] EREsp 526.299⁄PR;
[3] TJ-RJ – RI: 00004740220118190027 RJ 0000474-02.2011.8.19.0027;