Diante do crescente interesse dos consumidores em fazer escolhas de produtos e serviços mais sustentáveis, dentro da esfera dos pilares ESG (boas práticas ambientais. sociais e de governança), o Parlamento Europeu aprovou este ano regras mais rígidas que facilitam ao consumidor europeu comprovar o uso de greenwashing por parte de empresas que divulgam informações exageradas ou falsas relativas à sustentabilidade de seus negócios.
A Diretiva sobre Capacitação dos Consumidores para a Transição Verde (ECGT) deve ser transposta para o direito nacional das nações-membro da UE até março de 2026. Estima-se que essa nova lei irá fomentar um grande volume de conflitos nos tribunais europeus porque seu principal foco é o B2C (Business-to-Consumer), envolvendo um produto ou serviço de empresas e marcas e sua possível inserção – ou não – na economia circular e verde da UE.
A Diretiva europeia consolida a cultura do consumo sustentável, um elemento que também está presente no artigo 4º, IX, da Lei 14.181/2021, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil, ao estabelecer o “fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores”, de acordo com análise de Cláudia Marques e Bruno Miragem[1].
Dessa forma, temos o deslocamento dos pilares ESG para as “quatro linhas” do consumo, abrindo novas formas de participação dos consumidores nas demandas sustentáveis do planeta. A crise climática e seus impactos envolvem não apenas a pegada de carbono do setor produtivo, a observância ao salário justo, diversidade e inclusão e gestão ética; mas também deve-se voltar a práticas de consumo, que sempre ocuparam um segundo plano nesse esforço de mudança.
Ao incluir uma série de práticas classificadas como desleais, a nova regra da UE alterou as Diretivas e Práticas Comerciais Desleais e de Direitos do Consumidor para ampliar as garantias dos consumidores. Agora, caminha para definir como se dará a comprovação e a comunicação da credencial verde de uma organização. Ficam proibidas as denominações genéricas, como amigo da natureza, amigo do verde, ecológico, sustentável, consciente, responsável, biodegradável etc. Se apenas parte do produto é sustentável, ele não pode ser assim designado no todo. As justificativas do termo devem vir acompanhadas de relevância e comprovação.
Nessa Diretiva, as comunicações das empresas destinadas aos stakeholders, especialmente consumidores, ganham mais relevância, ficando vetadas a omissão de informações importantes para o consumidor, como atualizações de softwares. Devem seguir uma linha de fácil compreensão, clareza e camadas de cuidados para evitar o greenwashing.
Guarda consonância com o dever de informar, contido no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, que traz uma base de moralidade nas relações consumeristas, devendo a publicidade ser clara, precisa e ostensiva, para que as expectativas em relação ao produto ou serviço não sejam frustradas, nem revestidas pelo véu das informações falsas. É importante ressaltar que no âmbito da Diretiva estão abrangidas as comunicações escritas e orais das companhias, sejam publicidade ou mídia digital.
Alguns termos, amplamente empregados, são peças-chave para evitar o greenwashing, caso de “sustentável”, “natural”, “verde” e “reciclado”. O termo sustentável tem origem em uma palavra do idioma alemão (Nachhaltig), que significa sustentar, dar longevidade. Tem inúmeras definições, mas comumente é entendido como foi conceituado no Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”, da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (1987): “desenvolvimento que atenda às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”. Chegar a essa envolve o desafio de compromisso com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Pouca gente está atenta ao fato, mas o consumo sustentável é um dos ODS’s.
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O greewashing incide de forma continuada sobre as alegações de que determinados produtos são sustentáveis, porque o consumo sustentável não está ligado a consumir menos, mas a consumir de forma eficiente e consciente. Nesse sentido, uma grande empresa sueca de vestuário enfrenta ação nos EUA por comercializar peças feitas de “forma sustentável”. A marca afirmou que fabrica um vestido com 2% menos água; quando na realidade teria sido produzido com 20% a mais água do que uma peça de vestuário normal.
Neste mesmo diapasão, uma financeira de um grande banco alemão vem sendo investigada na Alemanha e nos Estados Unidos pela publicidade de que 50% dos ativos do grupo eram investidos com base em critérios ESG. O Ministério Público de Frankfurt encontrou alegações concretas de que isso não era verdade, portanto, consistia em uma ação de greenwashing.
Já o conceito de “natural” está em oposição aos produtos sintéticos que, em tese, conteriam mais toxidade ou riscos à saúde humana, mas nada é tão simples .O conceito de “natural” é complexo. De acordo com o Regulamento CE 1334/08, da União Europeia para aromatizantes, natural só pode ser empregado para descrever substâncias que possuem origem animal ou vegetal, mas o que dizer de plantas que foram se transformando ao longo do cultivo e não guardam mais similaridade com a planta ancestral, caso da cenoura, cultivada há 5.000 anos no Afeganistão, quando tinha cor roxa ou amarela?
Já o produto “orgânico”, que tem como berço a agricultura biológica, pode ser entendido como todo produto que segue padrões de produção definidos por nomas e certificações. Isto fica claro no diploma legal brasileiro (Lei 10.831/2003), sendo todo aquele que adota “técnicas específicas, mediante a otimização do uso de recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável…”.
O exemplo do uso indevido do termo “orgânico” vem de uma cadeia de supermercados alemã, que foi parar no tribunal porque afirmou vender salmão de origem sustentável, cujo preço era mais elevado do que o de seu similar não sustentável. Na verdade, o peixe veio de criações intensivas industriais, exploradas de formas insustentáveis, porque implicava em poluição do mar, cultivo em tanques com confinamento em altas densidades, uso de antibióticos para atacar vírus nestas populações de peixes, além de suscitar conflitos sociais com pescadores artesanais.
Por fim, o termo “reciclagem” que, segundo a Agência Ambiental da Europa, é “um método de recuperação de recursos, envolvendo a coleta e tratamento de resíduos de produto, para utilização como matéria-prima para fabrico do mesmo ou de um produto semelhante”.
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Portanto, reciclagem consiste em um reaproveitamento, uma transformação e uso de recursos que seriam descartados no meio ambiente, poluindo e degradando. Neste tópico, temos nos Estados Unidos o caso da Comissão Federal de Comércio (FTC) que autuou duas grandes redes varejistas que estariam vendendo produzidos à base de bambu, quando na verdade eram de Rayon (fibra semissintética). A FTC já fechou com as empresas um acordo recorde de US$ 5,5 milhões. É a maior penalidade imposta sobre comercialização de produtos de varejo por greenwashing.
As novas obrigações e responsabilidades introduzidas pela Diretiva europeia atinge também empresas que não estão sediadas na UE, mas que comercializam produtos e serviços para europeus. Uma mudança importante é a ampliação do período de garantia legal de determinados bens duráveis que podem chegar ao período de até três anos e a substituição daqueles que apresentem defeito, com um prazo de um ano após findar a garantia legal.
A Diretiva europeia empodera o consumidor com novos direitos e tem o poder de engajar inúmeros outros stakeholders na busca do equilíbrio entre o bem-estar social e o meio ambiente, incluindo as empresas, que devem adotar novos parâmetros, prevenir ou mitigar os riscos ESG de suas atividades negociais diante da natureza sustentável do consumo, evitando riscos reputacionais expressos nas múltiplas facetas do greenwashing e a possibilidade de implicar em um grande volume de litígios.
O relógio da crise climática não para de girar e, diante dessa pressão, a Diretiva europeia devolve aos consumidores – enquanto cidadãos, atores sociais e políticos, com valores e atitudes – a capacidade de reconfigurar o debate sobre as preocupações de todo um planeta por um modelo de desenvolvimento justo, equitativo e inclusivo, que tem no consumo sustentável um de seus sustentáculos.
[1] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. “Serviços Simbióticos” do Consumo Digital e o PL 3.514/2015 de Atualização do CDC. Disponível em https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/150408
FERNANDO TORRE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Contratual pela PUC-SP e especialista em Processo Civil pela FGV e em Compliance pelo Insper