O melhor dos mundos seria aquele com matrizes energéticas limpas; onde os carros fossem elétricos, reduzindo a emissão de Gases de Efeito Estufa e a poluição atmosférica e os fogões não dependessem mais do gás (GLP), mas tivessem eletricidade barata, acessível a todos, inclusive aos mais carentes (2,8 bilhões), que usam carvão, querosene e álcool para cozinhar até hoje, segundo o Banco Mundial.
Isso seria bom para a saúde das pessoas e para o meio ambiente, atenuando as crises climáticas, vivenciadas quase que diariamente, como a seca tão severa na Amazônia, que caminha para ser histórica diante dos danos já causados às comunidades, corpos d´água, biodiversidade e florestas.
O planeta caminha na trilha da silenciosa transição energética, das energias renováveis (eólicas e solares), que ainda podem ser consideradas caras, mas trazem um retorno ambiental positivo, com a redução de externalidades negativas comparativamente aos combustíveis fósseis. São vitais na transição energética para zero carbono, sendo que os insumos que utilizam são gratuitos, doados pela natureza, embora não haja sol todo dia, nem ventos ininterruptos.
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O maior inconveniente, portanto, está em armazenar essas energias para atender às demandas por eletricidade cada vez mais vorazes da humanidade.
Sempre estivemos próximos do consenso que os impactos ambientais causados pelas usinas eólicas e painéis solares fotovoltaicos eram considerados de pequena amplitude sobre o meio ambiente, tanto na fase de instalação quanto de operação.
O Brasil, que já tem uma matriz de energética com 47,4% de fontes renováveis, segundo o Ministério de Minas e Energia, vem ampliando as fontes renováveis, principalmente eólica e solar. Neste ano, a capacidade de energias limpas cresceu de forma representativa, com eólicas gerando 3,3 Gigawatts e as fotovoltaicas 3GW para o Sistema Interligado Nacional (SIN) de energia instalada. ¹
Esse esforço de geração de energia renovável, dentro dos critérios ESG, contou com a colaboração de mais de 2 milhões de placas solares fotovoltaicas instaladas nos telhados de residências brasileiras, gerando 33 GW para alimentar com energia elétrica prédios, comércios, indústrias, propriedades rurais etc. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. A potência da energia solar já atinge 14,3% da capacidade instalada no país.
Até aqui, os projetos de energia renovável caminhavam sem atropelos até surgir a pedra no caminho, lembrando o poeta Carlos Drummond de Andrade, até porque todos nós temos as “retinas fatigadas” pelas crises climáticas, lembrando o teórico Gilberto Teles e a descoberta de que a palavra “pedra” tem as mesmas letras de “perda”.
Assim, uma denúncia foi apresentada ao Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba; Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública paraibana sobre os impactos que os complexos eólicos e solares, em implantação no Estado, estão causando em comunidades tradicionais, assentamentos de reforma agrária e territórios quilombolas, podendo colocar em risco o modo de vida dessa população carente.²
As empresas de energia são suspeitas de negociarem a locação e/ou venda das propriedades rurais individualmente, com cláusula de confidencialidade. A locação é firmada por longos períodos (mais de 20 anos, renováveis automaticamente), em desfavor do proprietário.
Preliminarmente, constatou-se que os contratos estabelecidos com pequenos proprietários careciam da devida transparência. Além disso, as usinas eólicas e solares poderiam comprometer paisagens históricas, levar áreas à desertificação e ao êxodo rural, no futuro. Tudo ainda terá de ser apurado, analisado e cobrado para que se cumpra as exigências legais e regulatórias.
Mas, este caso é bem emblemático no sentido de que a busca pela consolidação do pilar ambiental “E” pode acabar comprometendo a falta de boas práticas de governança, ao promover uma gestão sem clareza, minimizadora de compromissos com a integridade e a transparência em negociações com terceiros e as condições econômicas e financeiras desses parceiros negociais.
É claro que as decisões de uma organização impactam a comunidade (pilar “S”) e outros stakeholders, sendo que esse equívoco do “G” leva a um dano social, porque as áreas escolhidas para instalar as usinas pertencem a famílias humildes que, muitas vezes, vivem da agricultura de subsistência e pelo contrato podem ser tolhidas de plantar determinadas culturas, sempre incorporadas à sua vida.
Alguém pode pensar ser este o caso de uma “jabuticaba” bem brasileira, mas, pelo contrário, já eclodiu em vários locais do mundo. No Brasil, temos uma pedra no pilar da governança, porque as empresas estão atuando de forma opaca com as comunidades quanto às condições da locação e/ou venda das áreas rurais e quilombolas para instalação de usinas de energia renovável.
No exterior, há o inverso: resistência de populações diante da instalação das estruturas de parques eólicos e usinas eólicas fotovoltaicas, ou seja, o “S” confrontando o “G” e o “E”.
A vida no planeta está mudando e a sustentabilidade deve existir a despeito de todo esse “xadrez” com vieses colaterais? Aves diurnas e noturnas morrem ao impactarem com o rotor das pás das torres eólicas em todo o mundo.
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E, no mar, onde ficam as turbinas eólicas offshore, estão surgindo colônias de mexilhões, que começam a ser estudadas. Independentemente das pedras no caminho, a crescente procura por fontes de energia mais limpa não tem trégua em todo o mundo e serão necessários 26 milhões de acres, somente no Ocidente, para dar conta da demanda.
A instalação, contudo, da estrutura de tais energias limpas sofrem resistência em diferentes países por motivos completamente diversos. Nos EUA, segundo a Universidade de Columbia, no ano passado, houve um crescimento de 35% do total de leis que impõem obstáculos à exploração de energias renováveis.
Cada lado tem sua razão e o seu motivo: nos Estados Unidos, a resistência é alimentada pela desinformação. Na China, há excesso de energia gerada, vinculada ao pilar “G” e na Austrália, falta mão de obra qualificada, um vácuo no pilar “S”. ³
Sem dúvida, os Estados Unidos são o país onde a questão ambiental está mais imbricada com os espectros ESG. Um dos fatores de rejeição aos parques eólicos é o barulho (105 decibéis) na turbina, que a 250 metros de distância cai para 45 decibéis, nível de ruído considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde para o bem-estar do ser humano.
A questão do barulho deve levar os parques eólicos para longe das cidades, áreas de preservação animal e terras cultiváveis, mas são rejeitados até em regiões desérticas.
Na Alemanha, a “pedra no caminho” não é o barulho, mas tem cunho ambiental, calcula-se que os parques eólicos matem mais de 100 mil aves e morcegos migratórios/ano, um dado que muitos consideram especulativo e menor do que o causado por qualquer outro tipo de geração de energia4. A Alemanha é um país que ao extinguir as usinas nucleares tornou-se mais dependente da energia eólica para atender ¼ do consumo da energia elétrica do país e tem de observar a dura lei ambiental da União Europeia.
A saída tem sido buscar medidas mitigadoras, como o uso da Inteligência Artificial para identificar pássaros e morcegos e colocar em operação um sistema anticolisão com as pás das turbinas eólicas.4
Nessa trilha de aprendizado e críticas à energia limpa dos parques eólicos e usinas solares, também surgem as fake news, e a mais comum é que causariam doenças (síndrome da turbina eólica) e acidentes decorrentes da queda das pás, colocando vidas em risco.
No entanto, os acidentes ficam no patamar de 1%. Também é divulgado que os parques eólicos emitem frequências baixas de som, não captadas pelo ouvido humano, mas que seriam prejudiciais à vida saudável. Este tipo discussão envolve conflitos nos pilares “G” e ‘S”.
As redes sociais vêm se tornando um grande difusor dessas falsas informações sobre os painéis solares e parques eólicos. Segundo o porta-voz do Facebook: Kevin Clister, há uma reação da plataforma e monitoramento dessas falsas informações: “Tomamos medidas contra o conteúdo que nossos parceiros de verificação de fatos classificam como falso. É parte de nossa estratégia abrangente evitar que alegações virais e, provavelmente, falsas se espalhem em nossos aplicativos.
E não parecem atingir esse limite, já que eles foram compartilhados apenas algumas vezes durante um período de vários anos.”5
Ao incentivar os diálogos e apontar as mudanças positivas da energia limpa para a atual e futura gerações dentro da harmonia do espectro ESG, fica a lição do pesquisador da Universidade do Maine, Habib Dagher, especialista em energia limpa:
“Todos nós gostaríamos de pensar que podemos ter energia renovável com impacto zero no meio ambiente – como vocês sabem, não é possível, certo? Portanto, nosso objetivo e nosso desafio é: como podemos minimizar o impacto no meio ambiente à medida que embarcamos neste sistema energético transformacional?”. 6
Na transição energética para a energia limpa e sustentável, os pilares E, S, G devem se somar.
O meio ambiente depende de uma governança robusta e ética, de um pilar social que abra espaço para a manifestação de todos os stakeholders (partes interessadas) e de uma comunicação com atributos ESG, que seja eficaz e capaz de combater a desinformação e falsos mitos e torne a governança transparente.
As práticas ESG podem ser a resposta que o mundo espera de empresas de energia renováveis, comprometidas com a sustentabilidade, embora saibamos que sempre haverá pedras e perdas neste caminho , que não podem ser ignoradas.
³https://www.nytimes.com/interactive/2023/08/12/climate/wind-solar-clean-energy.html
4 MORTES DE PÁSSAROS/ milhões
Wind turbines, 2020
1.17
Wind turbines, 2050*
2.22
Communication towers
5
Automobiles
60
Pesticides
67
Buildings
100
Cats
365
*Based on EIA Annual Energy Outlook 2021
Source: A. Manville, US Fish and Wildlife Service / American Bird Conservancy / Cornell Lab of Ornithology / EIA
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito