A proteção dos consumidores nas operações de comércio eletrônico ganhou um reforço: a Resolução nº 37/19, criada no âmbito do MERCOSUL e promulgada pelo Brasil em março desse ano, por meio do Decreto nº 10.271/2020, sendo válida em todo o território nacional.
O comércio eletrônico vem atingindo níveis impressionantes, mesmo num cenário econômico não favorável enfrentado pelos países do MERCOSUL.
No Brasil, por exemplo, a edição do relatório Neotruste (1) aponta que, / somente em 2019, 178,5 milhões de negócios foram celebrados via comércio eletrônico, cujo faturamento foi da ordem de R$ 75,1 bilhões.
Esse montante corresponde a uma alta de 23% em relação a 2018. Este estudo estima ainda que 31,4 milhões de brasileiros realizaram ao menos uma compra online em 2019.
Com a grande escalada do comércio eletrônico, os legisladores do MERCOSUL demonstraram uma preocupação com a defesa dos direitos dos consumidores, prevendo que a Resolução GMC nº 37/19 deve ser incorporada ao ordenamento jurídico de todos os Estados Partes.
No Brasil, essa norma encontrará guarida nos princípios norteadores do Direito do Consumidor, em especial ao princípio da educação (art. 6º, II, CDC), da informação (art. 6º, III, CDC) e facilitação da defesa de seus direitos (art. 6º, VIII, CDC).
Em linhas gerais, essa normativa visa, entre outras ações, garantir que os consumidores tenham acesso à informação clara, específica, verídica e de fácil acesso sobre o fornecedor, produto, serviço ou transação realizada, determinando que os Estados Partes disponibilizem plataformas online de resolução de controvérsias que sejam ágeis, justas, transparentes, acessíveis e de baixo custo.
à obrigação de os fornecedores disporem de informações claras e acessíveis aos consumidores, destaca-se que as empresas de comércio eletrônico precisarão disponibilizar em seus sites e aplicativos os seguintes dados:
- nome comercial e razão social completa do fornecedor;
- endereço físico e eletrônico do fornecedor;
- endereço do correio eletrônico de serviço de atendimento ao consumidor (SAC);
- número da identificação tributária do fornecedor (no Brasil, o CNPJ);
- identificação do fabricante, se for o caso;
- identificação de registros dos produtos sujeitos a regimes de autorização prévia, se for o caso;
- as características essenciais do produto ou serviço, incluídos os riscos para a saúde e a segurança dos consumidores;
- o preço, incluídos os impostos e a discriminação de qualquer custo adicional ou acessório, tais como custos de entrega ou seguro;
- as modalidades de pagamento, detalhando a quantidade de parcelas, sua periodicidade e o custo financeiro total da operação, para o caso de vendas a prazo;
- os termos, condições e/ou limitações da oferta e disponibilidade do produto ou serviço;
- as condições a que se sujeitam a garantia legal e/ou contratual do produto ou serviço; e
- qualquer outra condição ou característica relevante do produto ou serviço que deva ser de conhecimento dos consumidores.
Um estudo denominado E-Commerce Quality Index (EQI) 2019 (veja documento abaixo), que avaliou a qualidade do e-commerce pela perspectiva do consumidor, apontou que um dos maiores desafios do setor é, justamente, a clareza de informações, o que é imprescindível para 95% dos consumidores.
Avaliando o comércio eletrônico de alguns países, o EQI 2019 atribuiu aos Estados Unidos 56 pontos, enquanto o Brasil obteve 40,1, o Chile 29,3, a Argentina 28,8, o Peru 28 e a Colômbia 23,8. Esse estudo demonstra que o comércio eletrônico dos países sul-americanos ainda tem muito a avançar. Em que pese a Resolução GMC nº 37/19 deixar transparecer, à primeira vista, um excesso de burocracia ao setor de comércio eletrônico.
Porém, o EQI 2019 mostra que tais informações, longe de serem exorbitantes, podem aumentar ainda mais o consumo, ao aumentar a confiança dos usuários.
Outra novidade de suma importância foi trazida pelo 8º da Resolução GMC nº 37/19, que determina aos Estados Partes que disponibilizem aos consumidores plataformas online de resolução de litígios. Nesse quesito, o Brasil está à frente dos demais integrantes do MERCOSUL.
Como parte da Política Nacional da Relações de Consumo, o Código de Defesa do Consumidor já dispôs há décadas sobre a criação de mecanismos adequados de solução de conflitos de Consumo (art. 4º, V, CDC). Especificamente, através do Decreto nº 8.573/15, foi instituída a plataforma “consumidor.gov.br”, que está em operação desde 2015, com sua abrangência ampliada cada vez mais pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON).
Dados da última edição do periódico “Consumidor em Números” (2) apontam terem sido realizados 609.644 atendimentos pela plataforma “consumidor.gov.br”, sendo que entre os segmentos mais reclamados, o comércio eletrônico representa somente 8,5% de todas as reclamações. Esses números revelam que essa plataforma ainda não é totalmente conhecida pela população.
De fato, os meios adequados para soluções de conflito parecem ser a melhor alternativa para resolver os problemas dos consumidores. Segundo a JUSPRO (3) – uma câmara privada online de solução de conflitos, reconhecida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – o tempo médio para a solução de reclamações é de 5 dias, com uma taxa de êxito acima de 75% dos casos cadastrados.
Em um país com grande índice de judicialização como o Brasil, os mecanismos adequados de solução de conflitos devem ser utilizados em larga escala, passando a fazer parte da cultura dos consumidores. A Resolução GMC nº 37/19, deve incentivar a procura desses mecanismos, servindo para dinamizar ainda mais o comércio eletrônico no Brasil e em todo o MERCOSUL.
(1) https://www.compreconfie.com.br/relatorios
(2) https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1552676889.94
(3) https://www.juspro.com.br/quem-somos/
*Fernando de Paula Torre é advogado, sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e especialista em compliance