No dia em que uma das maiores empresas multinacionais de mobilidade urbana quis saber como os escritórios de advocacia estão tratando os desafios sobre Diversidade e Inclusão (D&I), foi possível afirmar que se iniciava um novo desafio para a advocacia brasileira.
Na pesquisa realizada pela empresa com 29 escritórios brasileiros selecionados, 62,1% afirmaram possuir iniciativas e programas de D&I formalmente instituídos.
O assunto não é de todo novo, diversas empresas multinacionais, dentre elas, gigantes da economia digital, já tinham acenado para as bancas nacionais que trabalhariam, prioritariamente, com aquelas que contemplassem políticas e práticas voltadas às questões de gênero, étnico-raciais, LGBTQIAP+, portadores de deficiência, grupos vulneráveis etc.
Portanto, o que era uma questão para o futuro, ganhou um senso de urgência para os escritórios de advocacia brasileiros. E a busca por uma força de trabalho heterogênea não será tão fácil, como a princípio poderia parecer.
A situação atual está longe de corrigir as desigualdades, especialmente diante da pesquisa do Centro de Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e pela Aliança Jurídica pela Equidade Racial, que apontou que menos de 1% dos advogados das grandes bancas brasileiras são negros, em um país onde 55,8% da população é negra (preta ou parda), segundo o IBGE.
Ainda não há como mensurar o percentual de negros no quadro geral da força de trabalho da advocacia brasileira, assim como de profissionais LGBTQIAP+, PcDs etc., porque somente agora a OAB-SP deve realizar um censo nesse sentido, quando se evidenciará quão diversa é – ou deveria ser – a advocacia paulista.
Apenas a questão de gênero é conhecida. No quadro de advogados inscritos no Conselho Federal da OAB, as mulheres totalizam 581.424 profissionais e os homens, 592.223. O problema das mulheres não é somente de sub-representação nos cargos mais elevados dentro das bancas de advocacia, mas envolve outros pontos de discriminação de gênero, que passam pela dificuldade de ascensão profissional, gap salarial, especificidade da maternidade e o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.
Como afirmou acertadamente Barack Obama, quando ainda era senador: “a mudança não acontecerá se esperarmos por outra pessoa ou se esperarmos por outra hora. Nós somos os únicos que estamos esperando. Nós somos a mudança que buscamos”. O comprometimento das bancas, portanto, deve ser visto como elemento chave nesse processo, uma vez que é impossível que esse tipo de mudança ocorra espontaneamente.
Os escritórios terão de contar com seus sócios, advogados correspondentes, clientes, parceiros de negócios e comunidade em que estão inseridos para colocar em prática medidas eficientes de inclusão e, ao mesmo tempo, evitar o efeito colateral da chamada diversidade reversa.
A questão remete ao livro de Sara Kaplan, diretora do Instituto de Gênero e Economia da Universidade de Toronto, lançado em 2019 e considerado uma leitura obrigatória – “ The 360o Corporation: From Trade-offs Stakeholder to Transformation”. Elaborado a partir de pesquisas com as empresas mais criativas do mundo, destaca que as companhias estão sofrendo pressões para atender novas demandas e considerar em seu negócio o lucro social, a ética e as necessidades humanas, que incluem as pessoas historicamente oprimidas.
Os grandes escritórios de advocacia do país demonstram interesse em promover a diversidade e inclusão em seus processos de recrutamento e seleção, mas o quanto isso é efetivo? Segundo a pesquisa norte-americana, realizada pela Hewlin/Broomes (2019) com 2.226 trabalhadores de vários setores, os negros criam com mais frequência, que outros grupos minoritários, uma “conformidade” nas firmas onde trabalham, optando por esconder emoções relacionadas ao racismo no ambiente corporativo. Correlatamente, o mesmo acontece com advogados LGBTQIAP+ que, na maioria das vezes, optam por não revelar sua orientação sexual, o que causa stress e desgaste ao profissional.
O que se espera dos escritórios é um esforço para atingir a Advocacia 360o, que deve ser amplamente diversa e inclusiva, como explicita o conceito de Sara Kaplan, e onde não caiba discriminação baseada em gênero, orientação sexual, etnia-raça, religião, deficiência, origem e vulnerabilidade social. Nas firmas já comprometidas com programas D&I, começa a ser escrito um novo futuro para a advocacia brasileira, porque é hora de mudança.
*Solano de Camargo é advogado, sócio sênior da LBCA, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP e pós-doutorando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito de Coimbra (Portugal).