O Projeto de Lei (PLV 21/2019) para converter a MP da Liberdade econômica em lei foi aprovado pelo Senado e remetido à sanção presidencial. Nesse ínterim, foi alvo de recurso de três partidos (DEM,MDB e PP) ao Supremo Tribunal Federal, questionando a alteração feita pelo Senado – exclusão do trabalho aos domingos – sem retorno do texto para apreciação dos deputados sobre as alterações introduzidas.
Ao buscar a redução da intervenção pública na atividade econômica, o Projeto de Lei abordou aspectos trabalhistas como o trabalho aos domingos, os contratos de trabalho com remuneração acima de trinta salários mínimos (que seriam regidos pelo direito civil), a carteira de trabalho eletrônica, a obrigatoriedade de controles de jornada e a extinção do e-Social.
O impacto trabalhista chegou a ser chamado de “minirreforma trabalhista”, em referência à Reforma Trabalhista em vigor desde novembro de 2017 e à quantidade de mudanças na legislação trabalhista. Entre os críticos, o Ministério Público do Trabalho chegou a se manifestar em Nota Técnica no final de julho, criticando diversos pontos da medida e apontando “violações de ordem constitucional” e “prejuízo aos direitos sociais”.
Se sancionada a Lei, as mudanças na legislação trabalhista não serão tantas. O projeto de lei chegou a ter 53 artigos (a MP originalmente tinha 19) e incluía as mudanças na legislação trabalhista. A versão aprovada pelo Senado tem 20 artigos e o impacto é muito menor.
O tema mais polêmico do ponto de vista trabalhista – a liberação do trabalho aos domingos – independente de autorização do Estado – não faz parte do texto que seguiu para a sanção presidencial.
A legislação trabalhista restringe o trabalho aos domingos e exige permissão expressa do Estado relacionada ao tipo de atividade da empresa. Sem a autorização, o descanso semanal remunerado deve coincidir com o domingo e, caso seja trabalhado, é considerado como jornada extraordinária (que gera a expressão “pagamento em dobro”), além de gerar risco de autuação administrativa.
O PL alterava a CLT para prever expressamente a autorização de trabalho em domingos e feriados e a concessão de descansos aos domingos apenas de forma preferencial – e não mais obrigatória. Estas mudanças não faziam parte do texto original do Poder Executivo e após serem rejeitadas pelo Senado, não constam do texto enviado para a sanção presidencial.
Por outro lado, duas mudanças significativas em relação ao controle de jornada foram mantidas no texto pendente de sanção: a obrigatoriedade de controle apenas em estabelecimentos com mais de 20 empregados e o controle por exceção.
Atualmente, estabelecimentos com mais de 10 trabalhadores são obrigados a manter sistema de registro de jornada com anotação dos horários de entrada e saída pelos empregados. A utilização do registro de ponto por exceção (quando o empregado anota os horários de entrada e saída apenas quando não coincidirem com a jornada pré-estabelecida em contrato) era rejeitada por grande parte das decisões da Justiça do Trabalho. Com a Reforma Trabalhista, a previsão de regras sobre a modalidade de registro de jornada de trabalho passou a ter prevalência sobre a lei, mas a regra não era expressa quanto ao ponto por exceção.
Pelo PL, a obrigação de utilização de controle de jornada passará a atingir apenas estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores e a CLT passa a prever expressamente a permissão para utilização do ponto por exceção, tanto com base em norma coletiva quanto por acordo individual.
Outra mudança mantida no texto que seguiu para sanção presidencial diz respeito às Carteiras de Trabalho. A emissão passa a ser feita pelo Ministério da Economia (que incorporou as atribuições do Ministério do Trabalho), preferencialmente de forma eletrônica. Com a mudança para o formato eletrônico, o regramento existente sobre a emissão, o registro e as anotações sofre adaptações e se torna mais simples. Estas mudanças geram a revogação ou alteração de alguns artigos da CLT. O prazo para anotação da CTPS, atualmente de 48 horas, passa a ser de 5 dias.
Entre as mudanças de maior impacto trabalhista rejeitadas pelo Senado estão, ainda, a responsabilidade solidária dos grupos econômicos nas obrigações trabalhistas e os contratos acima de 30 salários mínimos.
A regra atual de responsabilização de empresas de grupos econômicos gera grande impacto na execução de condenações trabalhistas. O PL restringia a responsabilidade à hipótese de abuso da personalidade, prevista no Código Civil e definida como sendo caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Já os contratos de trabalho com remuneração mensal acima de 30 salários mínimos passariam, segundo o PL, a ser regidos pelo direito civil, resguardados os direitos do art. 7º, da Constituição Federal.
Independente das mudanças aprovadas e rejeitadas na conversão da MP da Liberdade Econômica em Lei, a perspectiva é de simplificação e atualização de normas trabalhistas. A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, publicou recentemente Nota Conjunta com a Receita Federal sobre a simplificação do eSocial e pretende atualizar as Normas Regulamentadoras sobre segurança e saúde no trabalho.
*Tais Carmona é advogada, sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados; especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, em Gestão de Contencioso de Volume, pela GVLaw e em Compliance, pelo Insper.