Em que pese a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei nº 13.709/2018 ser compreendida, por alguns, como uma lei de tecnologia, ao interpretá-la, fica clara a conotação humanitária envolvida. Em um momento de tanta tristeza e descrença, por conta de uma pandemia inesperada, enxergar outros assuntos à luz dos direitos humanos, não somente facilita algumas interpretações, mas também, levanta pontos importantes a serem discutidos.
Inicialmente, é importante notar que a LGPD é pautada em proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, claramente em acordo com o disposto no inciso X, do artigo 5º da Carta Magna de 1988, que considera invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Logo, independentemente do tipo de tratamento, a privacidade sempre será privilegiada, considerando as exceções mencionadas pela LGPD.
Ainda, a referida Lei tem diversos fundamentos constitucionais, incluindo os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (artigo 2º, inciso II), em clara consonância com o artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, que esclarece que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (um trecho autoexplicativo!).
No decorrer da leitura da LGPD, fica transparente o objetivo de amparar a pessoa natural quando do uso de seus dados, evitando, inclusive, qualquer tipo de preconceito, o que se compreende através da definição dada para o dado pessoal sensível (artigo 5º, inciso II da LGPD) e indo ao encontro do disposto no artigo 2 da referida Declaração, que detalha que todo ser humano tem a capacidade de gozar de seus direitos, sem distinção de qualquer espécie. Dessa forma, é notório que os tratamentos envolvendo dados pessoais jamais poderão ser discriminatórios, abusivos ou ilícitos.
Nessa toada, traz o artigo 18, os direitos dos titulares de dados (acesso aos dados, correções, eliminações, dentre outros), não somente para evitar abusos de direitos, mas também, permitindo o empoderamento do titular, aqui pessoa física, através, por exemplo, da autodeterminação informativa. Por isso, ao pensar em um fluxo de atendimento aos titulares, por
exemplo, não somente são importante ferramentas e KPIs (Key Performance Indicator) – Indicador-chave de desempenho – mas também se, de fato, o titular terá a possibilidade de exercer os direitos que lhe foram concedidos.
Claro que há a necessidade de verificar a forma do tratamento dos dados pessoais, levando em consideração a tecnologia e a segurança da informação, bem como a proteção à continuidade dos negócios das empresas e da manutenção de uma boa economia. No entanto, esse caminho será validado com base na forma em que os direitos fundamentais das pessoas são abordados e qual o nível de respeito quando de suas aplicações.
Ao trazer as hipóteses de tratamento, o artigo 7º, em seu inciso VII, traz a possibilidade de uso dos dados pessoais no caso de proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros, em conformidade com o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos, que estabelece que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar. Através dessa base legal, fica claro que, ainda que o titular não possa permitir a utilização de seu dado, em certo momento, se for para a preservação da vida, esse dado será tratado, independentemente de seu consentimento.
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Um dos direitos extremamente importantes é mencionado no artigo 20, dispondo que “o titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses…”. Ou seja, por mais evolução e tecnologia existentes, além das medidas de segurança aplicadas, não seria correto que um titular ficasse à mercê de decisões puramente automatizadas, principalmente, a fim de evitar qualquer tipo de discriminação ou juízo de valor, cumprindo, nessa linha de raciocínio, o princípio da não discriminação no inciso IX, do artigo 6º da LGPD. E aqui, vincula-se o assunto também ao artigo 2 da Declaração Universal de Direitos Humanos, bem como ao artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que trata sobre a promoção do bem, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Os direitos trazidos pela LGPD, aos titulares de dados pessoais, geram um empoderamento no que tange aos seus dados pessoais, embasados, especialmente, pelo direito à autodeterminação informativa, que de forma simplificada, é a possibilidade do referido titular ter o controle sobre como seus dados pessoais serão tratados. O objetivo é a proteção da privacidade do titular em face dos riscos trazidos por toda evolução tecnológica na atualidade e, ainda que o direito à autodeterminação informativa não seja absoluto, ele propõe um nível de proteção maior às pessoas físicas, aqui, titulares de dados pessoais, quanto à sua personalidade e intimidade.
Por certo, estamos longe de esgotar o assunto, no entanto, é válido mostrar a relação direta entre ambos os institutos, bem como entender a importância de possibilitar que os titulares consigam exercer seus direitos, tal como de tratar corretamente todos os dados pessoais.
Obviamente, a LGPD é uma lei que tem como maior objetivo a proteção aos dados pessoais e, para isso, utilizará de artefatos como tecnologia e suas ferramentas inovadoras. No entanto, o foco é muito maior na cautela com a privacidade e intimidade do ser humano do que em validar inovações tecnológicas.
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