Está aberta à consulta pública até o dia 19 de fevereiro de 2021, Decreto que “regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista.”, com previsão de publicação em 18/03/2021.
O Decreto não constitui proposta para uma nova reforma trabalhista – e nem poderia – haja vista seu efeito regulamentador e/ou de execução, ou seja, o decreto detalha a lei. Não podendo ir contra ou além dela. Assim, o aspecto principal é a aglutinação de diversas legislações espalhadas em portarias e decretos, concentrando as regras em um único ato regulamentador, assim como se propõe a revogar dispositivos obsoletos, tais como os dispostos no artigo 181 da própria norma em análise.
Das inovações
O Decreto em seu capítulo II inova ao instituir o Prêmio Nacional Trabalhista, que será concedido pela SEPTME (Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia) com a finalidade de estimular a pesquisa nas áreas do direito do trabalho, economia do trabalho e auditoria do trabalho.
O ponto alto do Decreto está em seu capítulo III, uma vez que não é de hoje que se busca a modernização e a simplificação das relações de trabalho. Um exemplo desse avanço está na criação do Livro de Inspeção do Trabalho Eletrônico, que substitui o Livro de Inspeção do Trabalho, físico e obrigatório. Com a versão digital, as fiscalizações serão muito mais efetivas, abrangentes e menos burocráticas.
Também é inovador o artigo 16, desobrigando as microempresas e empresas de pequeno porte de manterem o registro para inspeção do trabalho, exceto se assim pretenderem, de forma facultativa.
Nos capítulos IV e V constam que as denúncias e as comunicações sobre irregularidades trabalhistas e pedidos de fiscalização passam a contar com um canal mais eficaz do que o existente, havendo a previsão de fiscalização mais preventiva e pedagógica e menos punitiva, o que seria uma evolução muito importante para as relações trabalhistas.
O capítulo IX trata da mediação de conflitos coletivos que será realizado por servidor público do quadro de pessoal da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia visando à redução da judicialização trabalhista.
No artigo 70, o Decreto estipula que o contrato individual de trabalho temporário não se confunde com o contrato por prazo determinado, previsto no art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, preenchendo um vazio da lei, pois a legislação é omissa. Dessa forma, regulamentou precisamente.
Pontos omissos
A legislação trabalhista possui muitas lacunas, que são preenchidas pela jurisprudência. Assim sendo, o Decreto não pode contradizer o arcabouço legal, pois acabaria resultando em insegurança jurídica.
Os capítulos X e XI tratam, sucessivamente, das empresas prestadoras de serviços a terceiros e do trabalho temporário, reforçando o que já existe na legislação laboral. Entretanto, algumas situações poderiam ser abordadas pelo decreto. Vejam os seguintes pontos:
1.A Lei 13.429/17 alterou a lei 6.019/74, colocando a figura do trabalho temporário ao lado das empresas prestadoras de serviços, o que certamente é equivocado, uma vez que o trabalho temporário é a intermediação de mão de obra na exceção legal com caráter transitório e a terceirização é prestação de serviço especializado. Essa confusão entre as duas figuras causa uma certa insegurança jurídica.
2.Outro ponto a ser debatido é a redação do artigo 38, § 6º, no qual aduz sobre a responsabilidade quando o local da prestação for previamente convencionado em contrato. O local previamente convencionado pode, inclusive, ser na sede da empresa contratada, caso clássico, hotel que contrata empresa de lavanderia externa. Atualmente, para se caracterizar a responsabilidade subsidiária se utiliza a culpa in vigilando e in eligendo, o que com o tempo foi desvirtuada, pois o tomador não tem condições de fiscalizar o serviço que não acontece em seu estabelecimento ou mesmo de alguém que sequer conhece.
3.Neste ínterim, temos o artigo 54 que traz uma redação mais coerente, quando diz que a responsabilidade se dá quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado. Daí, sim, se vislumbra a possibilidade de a empresa contratante exercer de forma plena a sua vigilância. De outra forma, não há substrato jurídico para se imputar a responsabilidade subsidiária. O decreto poderia ter se aprofundado no tema.
4.Outro ponto que poderia ser abordado pelo Decreto é a questão dos encargos sociais arcados pelas pequenas, médias e grandes empresas. Na Justiça do Trabalho pondera-se o princípio da isonomia, em especial ou exclusivamente, ao trabalhador, entretanto, ao mesmo tempo que a isonomia pressupõe a igual aplicação das normas àqueles que preencham iguais condições, pressupõe também aplicação desigual das normas conforme as desiguais condições. Este é um pressuposto que visa, dessa forma, a equidade no Direito, ao equilibrar as relações desiguais.
Portanto, dessa análise podemos auferir que as grandes empresas conseguem pagar os encargos estabelecidos, mas e as demais? Neste ponto, nossa legislação se mostra engessada e uniforme, não à toa que aproximadamente metade das relações de trabalho operam na informalidade. Essa é a prova que a legislação trabalhista precisa contemplar esse tipo de situação. Georges Ripert, jurista francês, dizia que “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o direito”, portanto, nesta matéria específica necessitamos de uma Justiça do Trabalho mais moderna, atualizada e equilibrada.
5.O Decreto foi omisso em relação ao teletrabalho, principalmente no capítulo VI, que trata sobre as normas regulamentadoras relacionadas à segurança e à saúde do trabalho. O artigo 75-E da Lei 13467/2017 diz que o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. A grande questão sobre o tema é como fiscalizar a aplicação se o fiscal não pode adentrar à casa do funcionário. A norma poderia ter sido inovadora ao mencionar a ergonomia participativa ou macroergonomia que é construída em conjunto com os trabalhadores.
6.Ainda sobre o teletrabalho, é sabido que há diversos Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional acerca de sua regulamentação, porém uma breve análise de alguns deles verifica que são tão detalhados que tendem a se tornar impraticáveis. Em vez da ultraregulamentação poderia se pensar no 611-A que trata do negociado acima do legislado.
7.O Capítulo XI trata do trabalho temporário, sendo que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se posicionou diante da negativa de estabilidade gestante neste tipo de contratação. O Decreto poderia ter se posicionado quanto a negativa de estabilidade no caso de acidente ou doença laboral.
Da contradição
Há contradição entre os parágrafos 2ª e 4ª do artigo 38 do Decreto nos seguintes pontos:
O §2º aduz que não configura vínculo empregatício a relação trabalhista entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.
O §4ª diz “Na hipótese de configuração de vínculo empregatício com a empresa contratante (…)”.
Entendemos por oportuno a vinda desde Decreto visando à concentração e atualização da legislação trabalhista, pois simplifica o labor dos que atuam nesta seara, já que reúnem em um só lugar as legislações esparsas, o que se coaduna com a celeridade e efetividade que norteiam esta Justiça especializada.
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