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O novo CPC e a indústria do dano moral

Às vésperas de o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 2015) completar seis meses de vigência, ainda é cedo para confirmar a ocorrência ou não dos impactos esperados quando de sua promulgação. Mas neste curto espaço de tempo o efeito de algumas de suas ferramentas já começa a ser percebido, como o combate a um fenômeno típico brasileiro e que ganhou relevo nas últimas décadas, a chamada indústria do dano moral.

É fundamental assegurar a proteção contra o dano moral, prevista na Constituição Federal. Afinal, a indenização apenas por danos materiais mostra-se insuficiente em diversas situações do cotidiano, especialmente quando há ofensa à honra, imagem, vida privada ou intimidade das pessoas. Mas é fato que, com o tempo, acabou ocorrendo um desvirtuamento.

Os exemplos são inúmeros e podem ser encontrados na jurisprudência dos diversos tribunais brasileiros. Pede-se indenização pecuniária por danos morais decorrentes de fatos triviais, como ficar retido na porta giratória de bancos, demora no conserto de um veículo ou devolução equivocada de cheque, mesmo quando não gere maiores consequências. Já tivemos a oportunidade de verificar até um pleito de danos morais contra companhia aérea no caso em que o passageiro não embarcou por ter chegado ao aeroporto quando a aeronave já estava com as portas fechadas, iniciando a decolagem.

Não raro, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruça sobre tais questões, como na edição da súmula nº 385, que determinou não ser cabível indenização no caso de negativação indevida do nome de devedor quando ele já possuir inscrição anterior nos cadastros de proteção ao crédito. Em abril passado, o STJ confirmou tal entendimento, em sede de recurso repetitivo, de modo que a orientação deve ser seguida pelos demais juízes e tribunais (Recurso Especial nº 1.386.424/MG).

Algumas mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 devem ajudar as empresas a se defenderem melhor quando estiverem diante de ações infundadas de danos morais. Em primeiro lugar, na formulação do pedido. Até a entrada em vigor da nova legislação, era muito comum o ajuizamento de ação com pedido genérico de danos morais “a serem arbitrados sob o prudente arbítrio do julgador” e a atribuição de um valor irrisório à causa, de modo a se conseguir isenção de custas ou sua fixação no mínimo legal.

Embora a regra de que o pedido certo e determinado seja idêntica à previsão anterior, sua interpretação deve ser realizada conjuntamente com outros dispositivos. O artigo 292, inciso V, do CPC é minucioso nesse ponto, ao prever que toda causa terá valor certo e especificar que, na ação indenizatória, “inclusive a fundada em dano moral”, esse será exatamente o valor pretendido. Tem se verificado que, diante de uma pretensão genérica, juízes Brasil afora passaram a determinar – corretamente – que a petição inicial seja aditada para que o autor informe exatamente quanto pretende receber, o que tem restringido pedidos milionários de indenização, já que o requerente precisará recolher custas mais elevadas, passando a correr o risco de sofrer um prejuízo real com a demanda.

E o risco torna-se mais evidente com a possibilidade de condenação do autor também nos honorários advocatícios ao patrono do réu quando sua pretensão não for julgada totalmente procedente. Antes, caso o pedido fosse, por exemplo, de R$ 50 mil e o juiz fixasse a indenização por danos morais em valor bem mais modesto, entendia a jurisprudência que os honorários não deveriam ser repartidos, pois a indicação da quantia configuraria mera estimativa.

A lei atual deu um tratamento mais detalhado à questão dos honorários advocatícios. Nesse sentido, o artigo 85 do CPC estipula: o vencido será condenado a pagar honorários ao advogado do vencedor, calculados sobre o proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa, inclusive nos casos de improcedência e – o que é muito importante – vedada a compensação em caso de sucumbência recíproca.

Ricardo Maffeis Martins, advogado, é diretor de Contencioso Estratégico da LBCA (Lee, Brock, Camargo Advogados), membro da Comissão de Estudos de Tecnologia e Informação do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e editor do blog Direito na Mídia (direitonamidia.com.br).
Ricardo Maffeis Martins é diretor de Contencioso Estratégico do Lee, Brock, Camargo Advogados e professor de processo civil da Escola Paulista de Direito (EPD).

Ricardo Maffeis Martins é diretor de Contencioso Estratégico do Lee, Brock, Camargo Advogados e professor de processo civil da Escola Paulista de Direito (EPD).

Voltemos ao exemplo. Se o ofendido, alegando grande sofrimento moral, pleiteou receber R$ 50 mil, mas somente foi contemplado na sentença com R$ 5 mil, seu advogado receberá uma porcentagem (entre 10% e 20%) unicamente sobre o êxito, ao passo que o autor deverá pagar ao advogado do réu o mesmo percentual sobre os restantes R$ 45 mil, que é o proveito econômico de seu adversário na causa, já que ele deixou de ser condenado nesse montante.

Como se pode constatar, diante das mudanças trazidas pelo novo CPC passou a ser mais difícil ingressar com aquelas aventuras jurídicas tão comuns em nosso Judiciário. No médio e longo prazo, tais medidas beneficiarão não apenas as empresas, que deverão enfrentar um número bem menor de ações movidas por aventureiros, mas os próprios autores de pedidos sérios de danos morais. Ao separar o joio do trigo, os juízes poderão dar a devida atenção a cada processo e arbitrar, quando o caso, a justa indenização devida.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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