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Desjudicialização da execução civil

Submeter execução civil a procedimento burocrático e moroso é atentar contra a economia do país

O Brasil desfruta de um arcabouço legislativo imenso, mas, de outro lado, dispõe de poucos meios efetivos para solucionar os conflitos de maneira célere e eficaz. Não obstante, o Brasil ainda tem uma cultura de judicialização de conflitos. Essa soma resulta numa combinação altamente perigosa, cujo resultado é a pouca efetividade do judiciário.

Esse resultado, de certa forma, acaba por prejudicar a economia do país e dificultar a circulação de riquezas, tornando o Brasil pouco atrativo para investimentos, já que para solucionar uma contenda sob o jugo do Poder Judiciário, as partes envolvidas se veem submetidas a procedimentos burocráticos que demoram anos para alcançar um fim.

A execução civil, por natureza, exige celeridade, já que busca o cumprimento forçado da obrigação representada pelo título que lhe dá suporte. Submeter a execução civil a um procedimento burocrático e moroso é atentar contra a economia do país e institucionalizar a inadimplência.

Dados que obtidos no portal eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstram números desoladores, a ressaltar a precariedade do Judiciário no tratamento das ações de execução civil.

Para se ter ideia, uma ação de execução civil que tramita perante a Justiça Estadual tem um tempo médio de vida estimado em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, o que representa quase o dobro do tempo de vida de uma ação de conhecimento. [Justiça em Números 2016 (ano-base 2015). Infográfico disponibilizado no Sítio eletrônico do CNJ]

Esses dados são ainda mais alarmantes quando se passa a analisar os números das movimentações processuais de processos não-criminais nos Tribunais de Justiça do Brasil. [Justiça em Números 2016 (ano-base 2015). Infográfico disponibilizado no Sítio eletrônico do CNJ]

Das 9.60 milhões não-criminais que ingressam na Justiça Estadual, 3.47 milhões são ações de execução (fiscal ou não fiscal). De outro lado, foram baixadas 10.35 milhões ações não-criminais, o que representa um número maior do que as ações entradas. Todavia, de todas essas ações que foram baixadas, apenas 3.34 milhões correspondem a ações de execução, o que, por sua vez, representa uma defasagem de mais de 132 mil .

Extrai-se dessa análise que, muito embora as ações de conhecimento não-criminais tenham sofrido uma redução expressiva, as ações de execução não-criminais ainda continuam seguindo uma tendência perigosa de crescimento, totalizando, em números gerais, um acúmulo de 29.48 milhões ações de execução não criminais pendentes de uma solução final.

Esse acúmulo se justifica também pelo gráfico abaixo, que resume outro grande problema, que é a taxa de congestionamento. Neste gráfico, observa-se que a execução fiscal e a execução de título executivo extrajudicial são líderes nesse seguimento com 92% (noventa e dois por cento) e 80% (oitenta por cento), respectivamente.

Evidentemente esses números comprovam que os procedimentos existentes relativos ao processo de execução não são efetivos, sendo que o Poder Judiciário certamente entrará em colapso dentro de alguns anos, caso soluções alternativas não sejam tomadas.

A doutrina há tempos vem alertando sobre essa necessidade de desjudicialização do processo de execução, defendendo que não há a necessidade de os juízes envidarem seus esforços para presidir um processo de execução, quando este, muito bem pode ser desempenhado por auxiliares da justiça, dada a sua natureza eminentemente prática.

Leonardo Greco já defendeu em outras oportunidades que “já era tempo de uma reforma processual debruçar-se sobre o fluxo procedimental e sobre o conteúdo dos atos que o juiz pratica, para reserva-lhe apenas aqueles atos cruciais definidores do direito e dos limites da intervenção estatal no patrimônio do devedor, permitindo que cada organização judiciária viesse a instituir um serventuário qualificado para praticar os demais atos de movimentação e de instrução do processo, ou atribuí-los ao escrivão(…) O juiz deve deixar de ser o condutor principal da execução, na qual preponderam as atividades práticas e negociais, inteiramente alheias ao seu perfil profissional, facultando a lei processual que a organização judiciária venha a atribuir a determinado auxiliar da justiça, ou até mesmo a um particular, as funções de escolha dos bens a serem penhorados, efetivação da penhora, avaliação e arrematação, bem como a execução das obrigações de fazer materialmente infungíveis, sob supervisão do juiz, ao qual poderão recorrer quaisquer dos interessados, pedindo a revisão ou anulação desses atos

É com muita acurácia que Leonardo Greco faz as suas ponderações acerca da premente necessidade de desjudicialização, mas infelizmente, ainda é com bastante timidez que o tema é enfrentado. Com o advento do Novo Código de Processo Civil pouca coisa mudou no processo de execução no sentido de desjudicializa-lo. É claro que o NCPD acertou em manter a possibilidade de alienação por iniciativa particular – que pouco a pouco começa a ser difundida –, mas isso ainda é muito pouco para garantir plena celeridade e eficácia ao processo de execução.

Merecem destaques boas alternativas já propostas para desjudicialização do processo de execução. É o caso da tese de doutorado de autoria de Flavia Pereira Ribeiro, que defende a desjudicialização na execução brasileira, atribuindo-se os atos de execução ao cartório de Protestos, bem como do PL 5.080/2009 que prevê uma certa desjudicialização da execução fiscal mediante a instituição de um modelo de Execução Fiscal híbrido, mesclando a prática de atos nas esferas administrativa e judicial. E, sem deixar de lado tais propostas, há de se consignar que o ordenamento jurídico já dispõe de um grande instrumento de execução extrajudicial que é praticamente desjudicializado, qual seja, aquele previsto nos artigos 25 e seguintes da Lei 9.514/97, instituído por ocasião da criação do Sistema de Financiamento Imobiliário.

 Nesse cenário, a propósito, é possível mensurar o quão importante é a desjudicialização do processo de execução, bem como os benefícios que ela traz, ao considerar que a derrocada do sistema anterior (Sistema Financeiro de Habitação) muito se deveu por ele não desfrutar de um procedimento de execução desjudicializado efetivo.

Ao dispor de um procedimento efetivo de execução extrajudicial da alienação fiduciária de bem imóvel, o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) trouxe segurança jurídica e, por conseguinte, propiciou maiores possibilidades para atingir o seu objetivo precípuo, que é permitir o desenvolvimento socioeconômico do setor de construção civil e é, por essas e outras, que o procedimento de excussão previsto na Lei 9.514/97 encontra-se plenamente difundido nos dias atuais.

Portanto, é evidente e de suma importância a desjudicialização do processo de execução, a fim de tornar cada vez mais célere e efetivo o seu trâmite, na persecução dos objetivos a que se destina, desonerando o Poder Judiciário de atribuições que podem ser atribuídas às instituições já estabelecidas no país – tais como os cartórios de protestos –, desmistificando aquele conceito tão arraigado de jurisdição estatal. Exemplos de desjudicialização já existem em nosso ordenamento jurídico e boas propostas já foram apresentadas, basta apenas a boa vontade para que sejam postas em prática.

Fernando de Paula Torre – Advogado, coordenador jurídico da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e pósgraduando em Direito Contratual pela PUC-SP.

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