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Decisões judiciais são imposições que resolvem processos, mas não conflitos

Quando um juiz decide, impõe uma solução a uma das partes. Quando duas pessoas em conflito, mas conseguem chegar a uma solução negociada, saem satisfeitas. Com isso, além de resolver o problema, acabam com as causas do problema. Por isso os meios alternativos de resolução de conflitos, como mediação e conciliação, precisam de campanhas mais efetivas de divulgação.

Essa é a opinião do ex-desembargador José Roberto Neves Amorim, diretor do curso de Direito da Faap. Aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o magistrado foi um dos responsáveis pela instalação das câmaras de conciliação judiciais (Cejuscs) no estado e, quando foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, foi um dos responsáveis pela resolução que regulamentou a conciliação e a mediação.

Tudo isso porque ele sabe que decisões judiciais não são mais “instrumentos de pacificação social”, como diz a doutrina clássica. “O Judiciário não resolve o conflito, apenas o processo”, afirma, em entrevista à ConJur.

O professor entende que a legislação brasileira melhorou muito desde a edição do Código de Processo Civil de 2015 na aceitação de soluções alternativas para litígios, mas que ainda há muita desinformação acerca do tema.

Além de dar aulas e comandar a faculdade de Direito da Faap, Amorim trabalha como consultor associado do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados desde 2017. Ele integrou a 2ª Câmara de Direito Privado e o Órgão Especial do TJ-SP.

Leia a entrevista:

ConJur — Queria que o senhor falasse um pouco na sua experiência em conciliação e mediação. 
José Roberto Neves Amorim — Sempre fui adepto desses instrumentos alternativos de resolução de conflitos e ajudei na confecção da Lei de Mediação quando era conselheiro do CNJ. Muito pode ser resolvido sem judicialização, principalmente na área de consumo, que possui processos caros. Isso reduziria a necessidade de o Estado ter um dispêndio tão grande e faria com e pudesse se dedicar a processos em que efetivamente houvesse necessidade de participação do juiz.

Tudo depende de uma mudança de cultura e de mentalidade. E isso só acontece quando há divulgação. Precisa levar às pessoas o conhecimento de que existe um método de solução de conflitos melhor do que aquele ao qual ela está acostumada. Essa Justiça multiportas da qual hoje se fala, que envolve mediação, conciliação, negociação e arbitragem, tem que ser tentada antes do recurso ao Judiciário. Isso é importante para que haja confiança na solução rápida e satisfatória do conflito. A mediação satisfaz as partes, porque a solução parte delas. A pior solução que existe é a judicial, porque é uma imposição estatal em relação à vontade das pessoas. A sentença do juiz agrada quem ganha e desagrada quem perde. Ela não resolve o conflito, apenas o processo.

ConJur — A legislação  hoje está mais favorável para soluções consensuais do que antes?
Neves Amorim — Hoje temos um caminho muito mais trilhável. Temos uma Lei de Arbitragem reformada e uma Lei de Mediação que foi publicada em 2015. Na América do Sul, a maioria dos países já tinha leis sobre o tema, sendo que a Argentina já possui uma lei de mediação há 20 anos. O CPC de 2015 ajudou nesse processo, já que traz a mediação e a conciliação como possibilidades de resolução das ações. Em São Paulo, temos mais de 200 Cejuscs, dos quais eu fui responsável pela instalação de um grande número quando era desembargador. Eu ia a cada cidade instalar um centro judiciário, levando as pessoas e o juiz para que isso pudesse se disseminar, para que as pessoas tivessem um local separado no fórum para poder fazer a sua mediação. Inclusive formei alguns mediadores nessa época. A Faap também tem um curso de formação e capacitação de mediadores e conciliadores. Só que, apesar disso, temos uma deficiência na divulgação. Precisa de uma campanha muito mais eficaz para isso.

ConJur — Em dezembro, o CNJ criou regras para a remuneração dos mediadores e conciliadores. O que achou da decisão?
Neves Amorim — Foi extremamente importante e justo, sobretudo. Estava na hora de se criar um parâmetro. A resolução 271 tem divisões que precisavam ser feitas de acordo com as especificidades e valores em cada caso. Antes, o mediador trabalhava e não sabia quanto ia receber nem que forma. Agora não. Tem valores e formas claras e previsíveis. Se essa regra permanecerá assim ou será alterada, só a prática irá nos dizer. Se ela for eficiente, ótimo. Se não for, os mediadores e conciliadores terão que ir adequando com o CNJ.

ConJur — O que acha do Exame de Ordem?
Neves Amorim — É importante o Exame, lógico. Os profissionais que mexem com a vida e os direitos das pessoas têm que ter habilitação específica, porque depois que alguém perde o direito não adianta querer reclamar. Precisamos formar pessoas que pensem, não que façam coisas mecanicamente. É difícil essa situação em que o estudante fez cinco anos de faculdade e não pode exercer a profissão porque não passou na OAB. Contudo, é uma seleção, é o sistema. Por outro lado, tem que haver fiscalização para melhorar o ensino também. O Estado tem que fiscalizar por meio de órgãos próprios, como o Ministério da Educação, para ver se os cursos estão cumprindo metas, orientações e diretrizes. Na medida em que você aprimora a educação, melhora as pessoas que recebem a educação.

ConJur — Reclamação recorrente é que o país está saturado de faculdades de Direito e, consequentemente, de profissionais despreparados.
Neves Amorim —Por isso o Exame de Ordem tem a sua importância. A prova já é uma primeira seleção no mercado. Nem todo mundo passa, pelo contrário. Em cada exame passam por volta de 20% dos bacharéis. Dentro desse contexto, a proliferação de faculdades é boa e ruim. É boa quando tem qualidade nos cursos. Em São Paulo, temos diversas instituições de excelência, mas até no interior do estado, que é altamente progressista, é patente a carência. O órgão estatal fiscalizador tem que olhar para isso. É preciso entender a realidade local.

ConJur — No que a experiência como desembargador influencia no seu trabalho como diretor da faculdade?
Neves Amorim — Toda universidade vive de pessoas, professores que têm sua habilidade técnica e sua habilidade prática. Há professores que são especialistas em matérias hermenêuticas, disciplinas relacionadas à Filosofia, que será utilizada quando a teoria entrar no curso. Primeiro, a faculdade deve ensinar o aluno a raciocinar para, depois, quando chegar à parte prática, ele poder desenvolver isso no dia a dia. Eu procuro ter professores de todas as áreas: advogados, juízes, desembargadores, delegados, procuradores e defensores públicos. Quero que os alunos passem por professores de todos os ramos do Direito para que possam entender melhor aquilo que querem fazer no futuro. Para mim, é mais fácil contar os casos da Justiça com a visão de desembargador. O advogado terá outra visão sobre um caso em que eu participei. O aluno percebe isso e se enriquece com essas experiências. Além disso, hoje temos uma grade flexível. Cumprimos toda a parte básica e há uma segunda metade flexível para atender à dinamicidade do Direito hoje. A criação de novos direitos e novas teorias é muito grande. Não dá para falar que o direito digital, por exemplo, não muda de um ano para outro.

ConJur — Já dá para perceber que o Direito não acompanha as mudanças da sociedade.
Neves Amorim — É por isso que hoje as leis estão sendo feitas com normas abertas, aquelas em que cabem várias hipóteses. Se você fizer uma norma fechada, ela fica velha, porque aquilo passa e não tem como mexer depois. Estamos saindo daquelas zonas fechadas para um Direito mais interpretativo e jurisprudencial. Estamos partindo para isso.

ConJur — Muitos escritórios estão adotando tecnologias de inteligência artificial, tirando a parte burocrática e manual do trabalho do advogado. Isso também não diminui o número de vagas? Com cada vez mais advogados entrando no mercado, isso não geraria um conflito?
Neves Amorim — Não, isso é uma mudança que vai melhorar a preparação do advogado. Os escritórios diminuíram o número de estagiários porque, com o processo eletrônico, acabou a necessidade de ter alguém só para ir no fórum ler peças físicas do processo. Hoje você abre no computador a peça com o andamento e tudo o que aconteceu. Já estamos partindo para interrogatórios virtuais, que são autorizados pelo Supremo. As pessoas vão ter que se adaptar.

ConJur — O jovem que sai hoje da faculdade tem que pensar em novas competências com base nessa evolução tecnológica? 
Neves Amorim — Nossa última semana jurídica na Faap foi sobre isso. Trouxemos o diretor do Nubank, que falou sobre um cartão de crédito que muda de número a cada compra para evitar clonagem. Também abordamos muito o tema da inteligência artificial. Nessas discussões de automação de veículo, por exemplo, o carro autônomo já precisa enfrentar dilemas éticos. Como programar uma máquina para decidir entre proteger o motorista ou evitar um atropelamento? É uma situação jurídica complicada, porque o dono da montadora vai ter que colocar isso na tecnologia. Lógico, vai ter que responsabilizar o dono do carro, porque foi ele que comprou. Mas o consumidor vai dizer “isso é uma tecnologia que está no carro”. Portanto, hoje, as coisas estão muito mais avançadas e se tornando, por causa disso, mais difíceis. É por isso que nossa semana jurídica é só mais ou menos jurídica. Não admito um operador de Direito que não tenha conhecimento para defender determinados casos que exijam interdisciplinaridade. Falamos de meio ambiente, então trouxe aqui um engenheiro da Sabesp. O advogado tem que saber como defender um Direito Autoral, por exemplo. E para isso, tem que conhecer o negócio de quem está defendendo.

ConJur — Em propriedade intelectual isso deve ser ainda mais forte, não? O profissional do INPI, por exemplo, tem que saber a especificação técnica daquilo que ele está estudando.
Neves Amorim — A mesma coisa o advogado. Se ele vai defender uma causa de Direito Ambiental, provavelmente quem vai explicar o processo para ele é um engenheiro. O que faz o ambiente se degradar? Ele tem que saber para poder explicar ao juiz. Sempre coloquei isso como filosofia fundamental. O advogado tem que ser completo, ele não pode saber só Direito.

*Ricardo Bomfim é repórter da revista Consultor Jurídico

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